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José Cláudio Silva: Um arquiteto do mundo apaixonado por despertar emoções a partir dos edifícios que projeta

O antigo aluno de Arquitetura no Técnico é atualmente Design Partner na 10Design, e por entre os muitos projetos em que deixou o seu cunho está o Sky Park do Marina Bay Sands.

Desafiámos José Cláudio Silva, antigo aluno de Arquitetura a regressar ao Técnico, ao edifício onde através de muito trabalho se autodescobriu, aos corredores onde percebeu que o encanto que sempre teve por esta área era um prenúncio de como seria feliz na profissão. Faz parte da primeira leva de arquitetos que o Técnico formou, e do rol de talentos da Escola que dá cartas lá fora. É atualmente Design Partner na 10Design, e no seu currículo somam-se diversos projetos inovadores, nomeadamente a participação no projeto do fantástico terraço do Marina Bay Sands, o Sky Park.

Filho de pai português e mãe brasileira, o alumnus é fruto de um amor além-fronteiras, o que por si só lhe imprimiria no ADN um sentido de liberdade tremendo que se reflete na carreira que foi construindo.  “Os meus pais são académicos, e foram muito bons alunos no Brasil e em Portugal e por isso tiveram bolsas de estudo da Fulbright e conheceram-se inclusive em Houston. Por isso este perfil de emigração já está no nosso historial”, começa por partilhar o antigo aluno. Uma proposta de trabalho dirigida ao seu pai, quando José Cláudio Silva tinha apenas 3 anos, acabaria por ditar a mudança da família para Portugal. “O meu pai teve uma oferta de trabalho para o Conselho de Gestão do Gabinete da Área de Sines, e viemos porque era uma oportunidade importante”, recorda o antigo aluno. É em Portugal que cresce, constrói as suas memórias de infância e adolescência e onde ganha forma a paixão pela Arquitetura.

Da Engenharia Mecânica para o recém-criado curso de Arquitetura

A inclinação pela área começaria aliás a fazer-se notar cedo, e José Cláudio Silva deixava-se levar pela mesma, escolhendo no secundário as disciplinas mais relacionadas com Arquitetura. No formulário de acesso à faculdade a sua 1.ª opção foi, no entanto, Engenharia Mecânica no Técnico. Acabou por conseguir entrar, mas não se deixou ficar muito tempo. “No final dos dois primeiros anos percebi que tudo o que me interessava não tinha a ver com Engenharia Mecânica. Gostava das Matemáticas, Físicas e Desenho, mas só isso”, lembra o antigo aluno. O destino oferecia-lhe por esta altura a alternativa de mudança perfeita, uma vez que estava a ser criado na Escola o curso de Arquitetura. Não hesitou em pedir transferência e tem a certeza “que foi uma boa escolha porque senti-me realmente no meu mundo, naquilo que queria fazer”.

Às expectativas naturais de um jovem sedento de aprender mais sobre uma área pela qual sempre nutriu curiosidade somaram-se muitas “surpresas, vários desafios”. “Vinha de Engenharia Mecânica, tudo muito racional e lógico, e na Arquitetura, principalmente na parte de Design e Projeto, tive que me adaptar, aprender a lidar com coisas que são, por vezes um pouco subjetivas”, aponta José Cláudio Silva. “No processo de criação há muita coisa que é muito diferente de pessoa para pessoa, e os nossos professores puxavam muito por isso também. Essa faceta foi fundamental para mudar um pouco a minha mentalidade, para me aperceber do que era ter uma mentalidade de Arquiteto, de Designer”, partilha.  “Eu tinha uma ideia daquilo a que vinha, mas aprendi muito no decorrer do curso. Não sei se é assim com todos os alunos, mas para mim foi uma autodescoberta”, acrescenta.

Todo este percurso seria acompanhado pela exigência. Como confidencia o alumnus, Arquitetura requer “muito envolvimento, temos muitos trabalhos em cada disciplina, a parte de Projeto é muito exigente”. “Também éramos a primeira fornada de alunos, havia muita coisa que estava a ser testada, o que por um lado também era bom porque éramos muito ouvidos pela Coordenação”, lembra o arquiteto.  “Era sempre tudo muito intenso, e não era só na altura dos exames, estávamos continuamente a trabalhar, entregar e apresentar trabalhos”, adiciona, ainda.

Quando decidiu mudar de curso, José Cláudio Silva estava consciente de que o seu futuro profissional talvez tivesse que passar por uma ou várias experiências internacionais. Aliás, acabaria por começar a pisar este caminho ainda antes de terminar o curso, rumando a Barcelona no último ano. “Foi muito importante, conheci uma outra realidade no ensino da Arquitetura, conheci professores muito bons e tive a sorte de ter trabalhado com alunos excelentes”, garante. “Houve uma cadeira em particular de Urbanística, que é muito tradicional na ETSAB [Escola Tècnica Superior d’Arquitectura de Barcelona], em que acabei por ter um desempenho notável. Tivemos 10 em 10, essa classificação não era atribuída em Barcelona há 20 anos se bem me lembro, e isso levou-me a ter um convite de um professor para trabalhar”, relata o antigo aluno. Esta experiência acabaria por lhe permitir fazer pontes para os primeiros trabalhos em Portugal.

A partida que dá a largada ao sonho

A ligação criada com um docente do Técnico com quem tivera oportunidade de aprender muito no seu 3.º ano abriu-lhe depois as portas do mundo. “Até consegui começar a trabalhar num atelier e gostei da experiência, mas menos de um mês depois falei com o professor Manuel Vicente, com quem tinha uma relação próxima, e ele desafiou-me e a mais uma colega a irmos trabalhar para o atelier dele em Macau”, partilha. “Trabalhei um ano com ele e nessa altura o curso do Técnico foi reconhecido pela Ordem dos Arquitetos e pude fazer e fiz o estágio, e depois disso ainda fiquei mais um ano e meio em Macau”, conta.

Depois de dois anos em Macau e da passagem por mais um atelier, percebeu que queria ir mais longe, ter uma experiência internacional o mais completa possível: “achei que não fazia muito sentido continuar a trabalhar num ambiente português quando estava a 10 mil km de casa”, declara. “Para mim fazia mais sentido estar exposto a um ambiente internacional e por isso concorri para uma firma de Hong Kong e contrataram-me”, defende. A escolha voltou a ser a mais acertada, quer pela aprendizagem que adveio da mudança, quer pelas possibilidades que surgiram com esta.

Foi como arquiteto júnior na Aedas que José Cláudio Silva teve a primeira oportunidade de trabalhar com o Sands, um grande grupo hoteleiro internacional. A empresa estava na altura a fazer um hotel para um resort integrado em Macau. As capacidades do alumnus rapidamente deram nas vistas e quando o atelier ganhou o Projeto do Marina Bay Sands, um icónico resort de luxo em Singapura, e perante a intenção de levar 10 ou 12 arquitetos que tivessem experiência para lidar com este cliente, o nome do antigo aluno não foi esquecido. “É um cliente exigente, americano, com uma filosofia muito própria e um rigor que é exigido até na comunicação, e acabei por ter essa oportunidade”, conta. “Os diretores em Hong Kong e Singapura conheciam-me bem, sabiam do meu perfil e depositaram em mim a confiança para agarrar esta responsabilidade”, complementa o arquiteto.

Sky Park: as complexidades e a aprendizagem de um projeto extasiante

Com apenas 29 anos, o antigo aluno do Técnico abraçava o projeto mais desafiante da sua carreia, sendo o responsável pela parte de coordenação e documentação do Sky Park, o famoso terraço do Marina Bay Sands Hotel, que se estende sobre os topos das três altas torres que formam o empreendimento. Ao centro encontra-se a famosa piscina infinita, e numa das pontas fica uma plataforma de observação aberta ao público.

José Cláudio Silva não camufla a pressão que pautou esta etapa da sua carreira, ainda que tenha sido assim que se multiplicou a aprendizagem. “Já tinham estado nessa cadeira que me estava a ser dada 3 pessoas e tinham saído porque não tinham conseguido corresponder às expectativas da firma e do cliente”, revela o alumnus. “Com o Sands, os projetos ainda estão a ser desenhados e já estão a ser construídos, por isso há uma equipa de design e projetistas muito maior e pronta a lidar com mudanças no design à medida que o edifício vai sendo construído. É um ambiente que exige alguma prática”, confidencia.

Além dos desafios de comunicação e documentais, houve vários desafios técnicos que a equipa de arquitetos, cerca de 120, teve que contornar e que ainda agora o antigo aluno do Técnico tem bem presentes na sua memória. “Era um edifício complexo. É uma prancha que consolida 3 edifícios que têm comportamentos diferentes e reações diferentes ao vento, a assentamentos verticais, a eventuais sismos, etc.”, denota José Cláudio Silva.

Basta aliás olhar para este terraço com a forma de um barco que se sobrepõe aos três edifícios que constituem o hotel para imaginar a complexidade do trabalho desenvolvido. “Na parte de arquitetura para o conceito realmente parecer o que parece hoje tínhamos que lidar com muitos detalhes: com os acabamentos, juntas de movimentação, ter atenção ao facto de piscinas assentarem de forma diferente, aquele tal horizonte infinito só podia ter um diferencial vertical máximo de 5mm ao longo da direção longitudinal e 150 metros de distância, etc. Todo esse detalhe, essa parte técnica, e traduzir tudo para documentação foi muito desafiante. Mas o prazer estava aí também: em conseguir solucionar todos os desafios técnicos que iam surgindo, de uma forma esteticamente interessante”, destaca o antigo aluno.

Existiu, além de todos estes, um desafio extra relacionado com a data de abertura do terraço do Marina Bay Sands. “Tudo o resto podia atrasar, mas o Sky Park não, o tempo de construção era cada vez mais reduzido, ia sendo comprimido. Era uma corrida contra o tempo e por isso quando lá vou hoje em dia há um misto de orgulho e satisfação por ter sido parte daquela equipa, mas também grande frustração porque sei que houve coisas que foram feitas sob uma grande pressão e com alguma falta de coordenação ou qualidade”, confessa.

O arquiteto não tem dúvidas do impacto que este projeto teve no seu currículo e na sua construção enquanto profissional: “aprendi a cada dia e isso preparou-me para os projetos todos que vieram a seguir”. “Foi sem dúvida muito importante porque entendi coisas que me deram uma certa base para design e foi um desafio com várias dimensões- comunicação, gerir datas e equipas grandes”, complementa, em seguida.  Este foi também um marco de passagem para uma nova etapa na careira de José Cláudio Silva: “A partir de então todos os projetos em que estive envolvido fui/sou o lead designer”, sublinha o alumnus.

Uma arquitetura feita a pensar nas emoções

São muitos e variados os projetos que compõem o portefólio do antigo aluno. Certamente para um criador é difícil escolher apenas dois exemplos do seu leque de obras-primas, mas José Cláudio Silva lá consegue, usando como critério o desafio inerente aos mesmos. A primeira de que nos fala é um projeto no Camboja da empresa Chip Mong. “Quando os conheci já tinham feito um hotel e queriam fazer um edifício de uso misto bastante longo. A intenção era fazer duas torres, uma para um hotel e outra de escritórios, e eu consegui convencê-los que em termos de design e do valor da propriedade fazia mais sentido fazer um por cima do outro, trazer o hotel para cima e fazer o edifício mais alto e com um bar no topo e vistas espetaculares sobre Phnom Penh”, revela o antigo aluno , salientando o gozo que o projeto lhe deu. “Deverá estar pronto daqui a um ano”, revela.

Também em Phnom Penh está a ser construído um outro edifício com a rubrica do antigo aluno do Técnico, constituído por 3 torres em cima de um pódio e um Data Center. “É uma zona onde tinha sido feito um aterro, portanto não podíamos construir nenhuma cave devido ao elevado nível freático e custo da construção abaixo do Rés do Chão. Decidimos fazer uma parte de comércio nos primeiros 2 pisos e trazer o parque de estacionamento para o 4.º piso, e depois tem 3 torres em cima é um projeto incrível. Ainda está a ser construído também. Uma das torres vai ser um hotel e as outras torres foram desenhadas para ser escritórios”, partilha.

Adepto de novas aventuras, José Cláudio Silva só podia aceitar quando há 10 meses, a 10 Design o convidou a si e ao seu parceiro que é master planner para criarem o escritório da 10Design em Singapura, fazendo a gestão dos clientes do Sudeste Asiático e também de outros projetos e clientes que os seguem. “É uma empresa em grande expansão, mas que ainda não tinha presença no Sudeste Asiático. Já tinha estado em contacto com a equipa da 10 Design em conferências e em outras circunstâncias e por isso eles já me conheciam e eu já os conhecia”, conta. Na decisão pesou o interesse na orgânica da 10 Design, “pela maneira como é estruturada, tudo funciona como ‘uma conta só’, há muita colaboração entre mim e as pessoas dos outros escritórios”, evidencia o alumnus.  “Existe uma cooperação muito grande e isso é fantástico”, vinca, em seguida.

Volvidos 19 anos, a paixão que o fez mudar de curso continua a ser fácil de decifrar nas palavras ou do brilho no olhar que acompanha a narrativa sobre os projetos que desenvolveu. “Fundamentalmente apaixona-me resolver programas trazendo algo inesperado, algo que cause emoções a quem viva os edifícios, as áreas projetadas. Entusiasma-me que cada Projeto seja diferente, tenha um contexto urbano e social diferente, um programa diferente. Isso traz diversidade, novidade, desafio, tudo coisas com que realmente gosto de viver”, realça.

A saudade não faltou à conversa, não fosse esse um sentimento comum na vida de um emigrante e de que também José Cláudio Silva não se escusa. O antigo aluno não nega que “em abstrato” existe a vontade de voltar a Portugal. “O nosso país é um lugar fantástico para se viver, com um clima bastante bom, oferta cultural ótima e é, acima de tudo, onde a minha família e amigos mais próximos vivem”, afirma, deixando no ar a hipótese de no futuro poder montar o escritório da 10Design em Lisboa.