Campus e Comunidade

“Para que não haja discriminação, tem que haver aceitação”

A frase é do presidente do QueerIST, a secção autónoma da Associação dos Estudantes do Técnico, e traduz bem a missão que todos os dias este grupo de alunos tenta cumprir.

No dia 17 de maio de 1990, a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirava a homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças. A data tornou-se simbólica e, hoje em dia, é um marco no calendário em que nos quatro cantos do mundo se procura alertar a população para a importância da luta contra a Homofobia, Transfobia, e Bifobia. Apesar de ser apenas uma data serve para lembrar as conquistas alcançadas e sobretudo rever o caminho a percorrer, por toda a gente, num destino onde o preconceito e a discriminação não residam. São estas as bandeiras, que não apenas hoje, mas todos os dias, o QueerIST ergue, tentando não deixar ninguém indiferente.

A luta do QueerIST começou no dia em que alguns estudantes de Engenharia Física do Instituto Superior Técnico tiveram a ideia de criar na escola um núcleo LGBTI+(Lésbica, Gay, Bissexual, Transgénero, Intersexo ou outros). A iniciativa rapidamente se disseminou, e rapidamente o grupo de trabalho assumiu o objetivo de formalizar a sua ação através da criação de uma Secção Autónoma (SA) da Associação dos Estudantes do Instituto Superior Técnico(AEIST)– uma decisão que precisaria ser votada numa Assembleia Geral de Alunos (AGA). “Nessa AGA em que se votou a nossa criação, várias pessoas apareceram propositadamente para votar contra; já para não falar das centenas de comentários de ódio que choveram numa publicação no Facebook, quando surgiu a ideia da criação do núcleo”, recorda Francisco Sousa, presidente do QueerIST. Ainda assim, a vontade da igualdade prevaleceria, e o dia 6 dezembro de 2017 começaria um novo capítulo na luta pela mesma junto da comunidade do Técnico.

Na altura em que foi criado- e apesar de no passado já terem existido núcleos semelhantes em outras faculdades, entretanto inativados- o QueerIST era o único grupo no contexto académico de Lisboa na frente de batalha LGBTI+, e Francisco Sousa acredita que este início “deu confiança a outras faculdades a seguir o mesmo caminho”. Lembrando o papel da comunidade estudantil do Técnico em tantas outras lutas pela igualdade, o presidente da SA frisa que “o caminho natural seria em direção à luta pelos direitos LGBTI+, no entanto, esta temática era tabu, e a resistência a aceitar a nossa criação e a necessidade dela foi enorme”. “É histórico termos dado este passo e feito parte do início de mais um capítulo na história do movimento estudantil português”, frisa ainda.

Desde então, esta SA procura ser um “ponto de encontro para a comunidade queer que se pode sentir discriminada ou isolada”. O plano passa por criar e gerar diálogo. A bandeira maior é a da igualdade e procura-se que seja erguida por todos no Técnico, “promovendo um corpo estudantil mais culto, unido e inclusivo”. Para tal, o grupo leva a cabo um conjunto diverso de ações que vão desde tertúlias a sessões de cinema- seguidas de debates, até a algumas iniciativas menos estruturadas que procuram facilitar o acesso à cultura queer, tais como o acesso a uma biblioteca organizada sobre a temática, ou a iniciativa “Pela Arte Queer”. “A verdade é que quer o diálogo seja promovido ativamente, ou não, ele acaba por se dar, e esse é o maior agente de mudança”, sublinha Francisco Sousa.

Um dos objetivos centrais deste grupo de alunos passa por promover a inclusão de membros da comunidade queer, e isso está reflete-se na forma como os eventos são pensados e decorrem. “Fazemos eventos sem estigmas e preconceitos, criando sempre um ambiente seguro e inclusivo onde as pessoas se sintam confortáveis com a sua sexualidade e identidade de género”, declara Francisco Sousa. “Estes podem ter um carácter educativo e onde discutimos temas menos abordados, como tertúlias e debates, ou mais recreativos e informativos, pelo convívio, como as ‘Quartas Queer’, sessões de cinema ou churrascos”, acrescenta.

Os eventos são abertos a toda a gente e têm chegado literalmente a toda a comunidade. “Temos tido alguma adesão por parte de professores, tanto na audiência como para oradores”, partilha o presidente do QueerIST. “No entanto, àqueles mais conversadores é difícil de chegar…”, aponta Francisco Sousa.  Além do público do Técnico, as atividades têm cativado pessoas de fora, provenientes de outras faculdades, “talvez pela versatilidade de temas que abordamos, e pela pouca variedade de eventos assim para satisfazer a necessidade do público”, como destaca o aluno do Técnico.  Para além desta vertente mais ativa de ação, no QueerIST “há uma porta sempre aberta para quem precisar”, afirma o presidente da SA. “Encorajamos o diálogo honesto e o contacto entre as pessoas porque acreditamos que essa é a melhor forma de trazer entendimento mútuo e de combater a discriminação”, frisa ainda.

Os números variam muito quando se fala da percentagem de pessoas que integra a comunidade LGBTI+. Francisco Sousa alerta para o facto de estas percentagens serem sempre potencialmente mais elevadas do que aquilo que se diz, afinal porque, como sublinha o próprio, “muitas pessoas não escolhem incluir-se na comunidade por medo de discriminação”. O presidente do QueerIST não sabe quais os números que representam a realidade do Técnico neste campo, mas também não considera relevante saber, uma vez que os mesmos “nada mudariam a nossa ação ou relevância, já que 1 ou 11.000 pessoas, todas merecem direitos”, vinca.

Os resultados, recentemente, divulgados de um estudo da Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia revelam que Portugal é o país da União Europeia (UE) com menos ataques motivados pela orientação sexual ou identidade de género. De acordo com este estudo que contou com o contributo de 4.294 portugueses, no nosso país 68% dos inquiridos acreditam que o preconceito e a intolerância diminuíram nos últimos cinco anos. No contexto do Técnico, Francisco Sousa salienta que “apesar de algumas atitudes estarem a melhorar, a discriminação continua a ocorrer, agora mais implícita do que explícita”.

Para Francisco Sousa sendo a universidade um espaço onde os jovens passam tanto do seu tempo é fulcral que os alunos se sintam à-vontade, e a existência de um espaço dentro do Técnico como o QueerIST, “onde não têm de limitar a expressão da sua identidade”, pode ser “super reconfortante”, “especialmente no que toca a colegas trans” ou “para quem acabou de entrar na faculdade e procura um espaço onde não encontrará julgamentos”.

Informar é grande parte da estratégia do QueerIST e nisso a equipa sente que tem sido bem-sucedida, “ou pelo menos têm-nos dito isso”, partilha o aluno do Técnico. “Conhecemos algumas pessoas na nossa comunidade que foram impactadas pessoalmente pela nossa atividade, e reparamos que o diálogo de questões queer se tornou mais comum e visível na nossa faculdade”, declara o aluno, alertando para o facto de que “a discriminação está longe de acabar”. Para que esta atinja o grau desejável- o nível zero, Francisco Sousa acredita ainda haver caminho a trilhar. “Há uma falta de entendimento sobre a diferença entre tolerância e aceitação. Muita gente gosta de se identificar como sendo tolerante, apesar de muitas vezes discriminar”, afirma o presidente do QueerIST.  “Para que não haja discriminação, tem que haver aceitação”, adiciona ainda o aluno do Técnico.

O Dia Internacional de Luta contra a Homofobia, Transfobia e Bifobia assinalado este domingo, em 100 países, pretende exatamente consciencializar a população sobre a importância desta luta onde a discriminação ainda vence. Francisco Sousa considera que enquanto assim for, isso irá inevitavelmente refletir-se “na maneira como as pessoas se relacionam, e afetar a qualidade de vida das pessoas queer. Porque as pessoas queer sempre existiram e sempre existirão, independentemente do nível de discriminação”.

Enquanto o medo, a violência e a discriminação continuarem a ser trazidos à conversa sempre que se fala da comunidade queer, esta “secção autónoma como qualquer outro coletivo que lute pela igualdade, será necessário”, salienta Francisco Sousa.  “Basta olhar para outros movimentos com ainda mais história, como o feminista e o anti-racista, para percebermos que a luta não acaba amanhã e, enquanto houver minorias oprimidas, isoladas e silenciadas, cá estaremos para lutar por elas”, remata.