Cultura e Desporto

Augusto Alves da Silva – Entrevista (in)completa in Valores Próprios

Entrevista com Augusto Alves da Silva

Quando é que surge o seu interesse pela fotografia?

Na casa dos meus pais existiam várias máquinas fotográficas que me causavam curiosidade. Não me lembro como comecei a fazer fotografias, mas, a dada altura,, criei uma rotina de fotografar, com uma máquina Kodak, a mais simples de usar, e, quando esgotava o filme, ia à loja perto da nossa casa e esperava pela revelação. Tinha que esperar sete dias para ver o resultado, um objectivo que me orientava no tempo. Quando a minha avó catalã me levou a Barcelona, o interesse aumentou. Fiz-lhe um retrato junto ao museu de cera, sentada num banco, com uma figura de cera ao seu lado. Revelado o filme, achei que eram dois bonecos de cera. Eu tinha 10 anos de idade.

Decide ingressar no Técnico para frequentar Engenharia Civil, mas a determinada altura desiste. Porquê ambas as decisões? A desistência do curso teve algo a ver com a fotografia?

O ingresso no IST não foi uma opção minha. O meu pai queria um filho Engenheiro Civil. Assim, tive que direccionar a minha vida para a engenharia, e fazer o 10º, 11º, e 12º na área B. Era bom aluno e entrei para o IST, onde fiz os três primeiros anos. Foi um período estranho, num mundo onde quase só existiam homens. O Técnico obrigou-me a raciocinar de um modo que não teria acontecido numa escola de artes e isso foi muito positivo. Tenho boas recordações: o professor de Estáctica chamou-me ao gabinete para me dizer que eu tinha sido o único aluno a calcular o centro de gravidade de um depósito de água com um método diferente dos outros alunos, porque todos os outros teriam copiado uma solução a partir de exames anteriores semelhantes. No exame de História das Ciências, com o professor António Brotas, tive uma das notas mais altas: antes do exame começar o professor entrou na sala e disse: “não existe enunciado para este exame: escrevam o que é que acham da vossa vida no Técnico” – no meio da gritaria que se gerou comecei a escrever o exame.

Nesse mesmo dia disse ao meu pai que, findo o terceiro ano no IST, iria estudar fotografia.
Para mudar de área de estudo necessitava de prorrogar o prazo do serviço militar obrigatório (que era apenas para homens). Fui informado que tinha esgotado o tempo para mudar de curso – assim, só me restava cumprir o serviço militar. Treinei dezoito meses como Atirador de Infantaria, em Mafra. No final do tempo cumprido o Comandante da unidade convidou-me para que eu me candidatasse à Academia Militar. Agradeci, e disse-lhe que finalmente esperava encontrar o meu objectivo: fotografia. O Coronel sorriu e apertou-me a mão.

Hoje considero que este desvio de oito anos até chegar a Londres me deu uma preparação útil para a vida em geral. Entre exames de Análise Matemática e saber como manejar uma pistola metralhadora de 9mm, candidatei-me ao London College of Printing em 1986. Três anos a estudar fotografia numa cidade que me deixou maravilhado. Descobri um pub onde se ouvia música acústica, pagava uma libra, entrava, bebia, e ouvia músicos de todos os lados, do Texas à Irlanda e arredores. O próprio LCP tinha um pub onde me reunia com os colegas e falávamos durante horas, sobre tudo e mais alguma coisa, e também de fotografia. Andava sozinho por todo o lado, como ainda hoje o faço. Londres deixou-me uma nostalgia incurável.

Posteriormente frequentou a Slade School of Fine Art – UCL (M.F.A. Media). Voltou a sentir a necessidade de investir na formação para começar a carreira que ambicionava?

Fiquei surpreendido pela forma extremamente positiva como os meus primeiros projectos foram recebidos pela crítica em Portugal. Decidi regressar a Londres. A Slade misturava gente de todas as origens e com interesses muito diferentes. Eu fazia o meu trabalho e, quando precisava de o discutir, tinha o Professor Stuart Brisley, de quem sinto muitas saudades. Foi também graças a ele que se arranjou um part-time onde eu dava aulas de montagem de vídeo. Nas duas escolas tive o apoio de Bolsas Gulbenkian e, finalmente, da minha família. Via exposições, a diversidade era enorme. E os parques, plantas, árvores, esquilos, cães, teatro, comida chinesa, concertos, ópera e striptease. Fiz várias exposições em Londres, depois da Slade, nomeadamente na The Photographers’ Gallery e na Chisenhale Gallery. Subitamente tive que regressar a Lisboa, perante a morte violenta da minha irmã Margarida.

Foi convidado para fazer um projecto fotográfico sobre o IST. Como surge esse convite?

A minha primeira oportunidade de realizar um projecto em Portugal surgiu com um convite do António Sena, na Galeria Ether, em 1990, projecto esse que foi também exposto na FIL, no âmbito de uma série de conferências sobre o estuário do Tejo. No seguimento dessa exposição e várias outras em que participei, o Professor Jorge Calado convidou-me para abordarmos a possibilidade de se fazer um livro e uma exposição, propondo o universo do Técnico como o centro da minha atenção – uma oportunidade com uma escala que se revelou única, até à data. Aceitei o convite, numa reunião a três, onde o Professor Diamantino Durão aprovou a concretização deste projecto.

Percebi de imediato que tinha uma oportunidade rara para poder trabalhar com total liberdade e ser respeitado. Disto resultou um livro que intitulei ist (do alemão “Was ist das?”) no qual trabalhei durante um ano e um pouco mais, com a imagem gráfica a cargo do Paulo Vieira Ramalho.

Paralelamente ao livro, fez-se uma exposição com o mesmo título, na Culturgest. No Press Release à altura da publicação do livro escrevi: “Um dos aspectos que mais me preocupa na fotografia é a variedade de estilos com que se pode trabalhar e o modo como um determinado estilo afecta a percepção de quem vê o objecto fotografado, quase sempre confundido com a sua própria representação. ist é uma série em que procuro lidar com as dúvidas e receios que tenho dessa representação”.

Agora Hoje digo que o “ist” poderia ter sido feito noutro local e noutro momento, mas a coincidência de ser o Técnico permitiu a confusão entre IST e ist , tão bem aproveitada no design da capa do livro.

Há dois anos, num regresso ao London College of Printing (hoje London College of Comunication), falei durante três horas com a Professora Anne Williams, que agora se encarrega de saber sobre o que aconteceu aos antigos alunos. Mostrei-lhe vários livros meus e falámos da vida, nomeadamente do ponto de vista económico. Foi curioso e estranho, porque há trinta anos esta mesma pessoa estaria apenas a falar sobre assuntos como “The Consequences of the Male Gaze and Sexual Objectification” sem qualquer preocupação sobre o futuro económico dos alunos – por exemplo nunca se falou sobre os mecanismos do mercado da arte, as galerias, as feiras e outros aspectos igualmentetão importantes.

De repente, ao ver os livros que lhe apresentei, diz-me: “Oh Augusto! You are one of those few people that could have had a fabulous commercial career and at the same time a brilliant artistic career as well”. Fiquei “speechless”, como se diz em português.

ist é também sobre trabalho. Qualquer tipo de trabalho.