Ciência e Tecnologia

Morte por esparguetificação: Telescópios do ESO registam os últimos momentos de estrela a ser devorada por um buraco negro

Santiago Gonzalez, investigador do Técnico, integra a equipa internacional que esta segunda-feira, 12 de outubro, publica no Monthly Notices of the Royal Astronomical Society. Nunca um evento de perturbação de marés tinha sido estudado tão detalhadamente.

É uma imagem rara que podia ter saído de um livro de ficção científica: uma estrela “azarada” aproxima-se demasiado de um buraco negro supermassivo e acaba sugada como esparguete provocando uma monumental explosão luminosa. O fenómeno, conhecido como evento de perturbação de marés, foi recentemente captado pelos telescópios do Observatório Europeu do Sul (ESO, na sigla em Inglês) e estudado com um nível de detalhe sem precedentes. É o registo do fenómeno mais próximo de nós até à data – situado a “apenas” pouco mais de 215 milhões de anos-luz de distância da Terra.

A descoberta deu origem ao artigo publicado esta segunda-feira, 12 de outubro, na revista da especialidade Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, com o título “An outflow powers the optical rise of the nearby, fast-evolving tidal disruption event AT2019qiz”. Na lista de autores está Santiago Gonzalez, investigador do Centro de Astrofísica e Gravitação (CENTRA) do Instituto Superior Técnico.

Para o investigador do Técnico este trabalho representa uma das manifestações mais impressionantes dos buracos negros. “Uma estrela que tenha o azar de se aproximar de um buraco negro é desfeita numa corrente por efeito gravitacional a que chamamos “perturbação de maré”, resultando num fenómeno conhecido por esparguetificação. Quando isto acontece, os restos da estrela são engolidos pelo buraco negro, que é um milhão de vezes mais massivo que ela, fazendo com que haja emissão de material para fora, algo que só pode ser captado com observações muito prematuras do evento”.

Estes eventos de perturbação de marés são raros e nem sempre fáceis de estudar. Esta equipa que envolve de mais de 40 investigadores de todo o mundo, liderada por Matt Nicholl (Universidade de Birmingham, Reino Unido), utilizou o Very Large Telescope (VLT) e o New Technology Telescope (NTT), ambos do ESO e situados no Chile, para observar um clarão de luz registado no ano passado perto de um buraco negro supermassivo, de modo a investigar com detalhe o que acontece quando uma estrela é devorada por tal “monstro”.

Quando alguns destes fios finos de material estelar caem no buraco negro durante o processo de esparguetificação, liberta-se um clarão brilhante de energia que pode ser detetado pelos astrónomos. Apesar de brilhante e forte, até agora os astrónomos tinham tido dificuldade em investigar este clarão de luz, por este se encontrar frequentemente obscurecido por uma “cortina” de poeira e restos de material. Nestas observações, os investigadores conseguiram finalmente obter pistas sobre a origem desta cortina: quando devora uma estrela, um buraco negro pode lançar uma quantidade de material para o exterior, obstruindo a visão. Isso acontece porque a energia libertada, quando o buraco negro “come” o material estelar, faz com que os restos da estrela sejam lançados para o exterior.

 

Observar o clarão luminoso desde o começo e durante meses

Esta descoberta só foi possível porque o evento de perturbação de marés que a equipa estudou, o AT2019qiz, foi descoberto pouco tempo depois da estrela ter sido desfeita. “Com observações óticas, ultravioletas e de raios X, a nossa equipa conseguiu observar com muita precisão este espetáculo desde o começo”, conta Santiago Gonzalez.

Captar o evento cedo permitiu aos investigadores ver a cortina de poeira e restos a serem criados à medida que o buraco negro lançava para o exterior uma poderosa corrente de matéria com velocidades de até cerca de 10000 km/s. Este “espreitar por detrás da cortina” único proporcionou a primeira oportunidade de localizar a origem do material ocultante e seguir em tempo real como é que envolve o buraco negro.

A equipa de investigação observou o AT2019qiz, situado numa galáxia em espiral na constelação de Erídano, durante um período de 6 meses, vendo o clarão luminoso aumentar de intensidade e depois desvanecer. Vários rastreios do céu registaram a energia emitida por este novo evento de perturbação de marés muito cedo após a estrela se ter desfeito.

Durante os meses seguintes, foram feitas observações múltiplas do evento em infraestruturas que incluiram o X-shooter e o EFOSC2, instrumentos potentes montados no VLT e no NTT. Observações imediatas e extensas no ultravioleta, óptico, raios X e ondas rádio revelaram, pela primeira vez, uma ligação direta entre o material que é arrancado à estrela e o clarão brilhante que é emitido quando esta é devorada pelo buraco negro. As observações mostraram que a estrela tinha aproximadamente a mesma massa do nosso Sol e que perdeu cerca de metade dessa massa para o buraco negro gigante, o qual apresenta mais de um milhão de vezes a massa da estrela.

Este trabalho abre novas formas de compreensão dos buracos negros supermassivos e do comportamento da matéria em ambientes de gravidade extrema. De acordo com esta equipa de investigação, o AT2019qiz pode até ser uma “pedra da Rosetta” para interpretar observações futuras de eventos de perturbação de marés. O Extremely Large Telescope (ELT) do ESO, previsto para começar a observar em meados desta década, permitirá a deteção destes eventos cada vez mais ténues e rápidos, ajudando assim a desvendar mais mistérios da física dos buracos negros.

O trabalho do investigador Santiago Gonzalez tem contribuído para a observação de eventos deste tipo como parte da colaboração ePESSTO+, usando o instrumento EFOSC2 no telescópio NTT no Chile. “É impressionante ver que as predições teóricas se comprovam cada vez com mais detalhe e que conseguimos explorar e perceber a riqueza da natureza”, conclui.