Ciência e Tecnologia

A eletrodinâmica a levantar voo

Perante o sucesso do primeiro voo a vento iónico, tentamos perceber junto do professor Mário J Pinheiro – citado em dois artigos de Steven Barrett- qual o impacto deste feito.

Talvez daqui a uns anos os aviões como hoje os conhecemos sejam bem diferentes. Esta hipótese ganha “asas” através do recente feito de investigadores do Instituto Tecnológico do Massachussets (MIT) que conseguiram fazer voar o primeiro avião a vento iónico. O aparelho foi construído sem partes móveis, como hélices ou turbinas, e não necessitou de qualquer tipo de combustíveis fósseis. A experiência foi publicada na prestigiada revista Nature e apesar de só agora ser comprovada, não é uma ideia nova e já havia sido lançada em dois trabalhos fundamentais de Steven Barrett, onde são citados trabalhos pioneiros do professor Mario J. Pinheiro, do Departamento de Física (DF) do Técnico, desenvolvidos em conjunto com o aluno de doutoramento Alexandre Martins. Fomos tentar entender junto do docente do DF quais as mudanças que advirão depois desta experiência.

“Trata-se de um marco na história da aeronáutica”, começa por assinalar o professor Mário J. Pinheiro. “O que há de notável é a presença on-board de baterias e uma fonte de alta tensão de 40 kvolts ultra-leve, especificamente desenhada para esta operação. Mostrou-se assim que os estudos anteriores do professor Steven Barrett eram corretos, o rácio impulso (propulsivo)-potência e densidade de impulso tornam o método EHD viável, silencioso, mecanicamente mais simples e sem emissão de produtos de combustão”, explica de seguida o docente do Técnico.  Apesar de poder parecer estranho, o processo físico que gera este vento iónico é definido como bem simples pelo docente do DF. Basicamente quando uma corrente elétrica passa entre dois elétrodos – um mais grosso do que o outro – cria-se um vento no ar entre os dois. Se for aplicada uma tensão suficiente, o vento resultante pode produzir um impulso sem a ajuda de motores ou combustível, fazendo efetivamente o avião voar.

Assim, e 100 anos depois de o primeiro avião ter descolado, passa a ser exequível pensar no ar como o recurso essencial para fazer o avião voar. “Esta descarga que forma o plasma só é possível se houver eletrões e iões que são produzidos no meio atmosférico, no ar. Sem a atmosfera este efeito não resulta, a não ser que o motor transporte um gás consigo”, declara o docente do Técnico. “Mas não há dúvida de que este processo tem grande potencial, após uma continuada investigação, para ser mais eficiente do que o motor a jato”, adiciona em seguida.

A vantagem deste sistema de propulsão reside no facto de não depender de combustíveis fósseis para voar, ao contrário dos aviões de turbina, sendo completamente silencioso, em contraste com as hélices dos drones. Aeronaves mecanicamente mais simples e que não produzam emissões de combustão passa assim a ser um ideal que se pode tornar rapidamente numa realidade.

Relativamente ao futuro o professor Mário J. Pinheiro antecipa que este “progresso no sentido de tornar esta tecnologia viável comercialmente só virá com dedicada investigação, porque ainda há perguntas sem resposta e riscos ambientais como a produção excessiva de ozono e óxido nitroso quando se forma o plasma”. Ainda assim e dados os benefícios subjacentes a esta descoberta partilha o seu desejo de que “dentro de alguns anos se consiga atingir velocidades de escoamento no aerofólio de tal ordem que permita um avião comercial sem partes mecânicas móveis (e sem o risco associado ao seu uso) descolar de um aeroporto”. No seguimento desta conversa em torno das conceções futuras, o docente do Técnico alerta ainda para o facto “da ciência ser o seu reverso”, havendo o risco de todas as potencialidades “servirem fins puramente militares”. “A Lockheed Martin confirmou estar a prosseguir investigação nessa área para uso em drones ‘stealth’ e aviões militares sem assinatura de infravermelhos”.