Ciência e Tecnologia

Análise de águas residuais: Investigadores do Técnico rastreiam propagação de vírus como o causador do dengue

Método torna possível detetar vírus nas águas residuais antes de ocorrer uma maior disseminação na população.

Investigadores do Instituto Superior Técnico analisaram amostras de águas residuais de diversos pontos do país quanto à presença dos vírus da dengue e chikungunya, disseminados através de picadas de mosquitos. O estudo, publicado na revista científica Lancet Microbe, conta com a participação de Sílvia Monteiro e Ricardo Santos, investigadores do Laboratório de Análises do Instituto Superior Técnico (LAIST), do Civil Engineering Research and Innovation for Sustainability (CERIS) e do Departamento de Engenharia e Ciências Nucleares (DECN), e de Filipa Nunes, estudante de doutoramento do Técnico.

Das 273 amostras analisadas neste estudo, 25% continham carga viral do vírus da dengue e 11% da chikungunya. No entanto, em Portugal, não foram detetados quaisquer casos autóctones destas doenças com manifestações clínicas. Todos os casos conhecidos resultaram de viajantes portadores.

As águas residuais permitem observar a circulação dos vírus na comunidade, incluindo populações não residentes que podem estar infetadas, aumentando assim o potencial de contato dos mosquitos Aedes albopictus com dengue ou chikungunya, o que eleva a probabilidade de ocorrência de casos autóctones. A técnica de deteção de arbovírus e outros alvos em águas residuais possibilita a visualização da circulação de doenças quase em tempo real, independentemente do desenvolvimento de sintomas, ao contrário da vigilância clínica, que depende da manifestação de sintomas.

Neste estudo, foi possível detetar o vírus da dengue nas águas residuais, o que está em consonância com os dados reportados por Portugal ao Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC). Foi também possível verificar a circulação do vírus da chikungunya no país, que não havia sido identificado pela vigilância clínica. A técnica pode também ser utilizada em aeroportos e aviões para monitorizar a presença dessas doenças em passageiros que chegam ao nosso país, permitindo a implementação de medidas para prevenir a introdução em Portugal.

Não utilizada em Portugal de forma regular, a monitorização de águas residuais é capaz de recolher informações sobre a propagação de vírus sem depender do aparecimento de sintomas de doença. “Ao recolhermos e analisarmos estas águas residuais, conseguimos ‘ver’ o que está a acontecer com a saúde da população. Por exemplo, se um novo vírus se está a disseminar na população, pode ser detetado nas águas residuais antes que ocorra uma maior disseminação entre diversas pessoas. Isso permite que as autoridades de saúde ajam rapidamente, tomando medidas para controlar a propagação”, explica Sílvia Monteiro. “É uma forma inteligente e eficiente de monitorizar a saúde pública sem precisarmos de testar cada pessoa individualmente”, complementa. 

“A vigilância das águas residuais não visa substituir a vigilância clínica, mas sim ser um complemento, possuindo vantagens em alguns pontos”, defende Ricardo Santos. Nomeadamente: “a capacidade de avaliar uma população inteira servida por uma determinada estação de tratamento, não ser uma técnica invasiva, ter elevada sensibilidade, e oferecer a possibilidade de acompanhar tendências de circulação de doenças de forma mais rápida e económica do que a vigilância clínica”.

No artigo, os investigadores apontam as alterações climáticas como um aspeto que poderá vir a facilitar a dispersão geográfica dos insetos que disseminam estes vírus, tornando este tipo de diagnóstico ainda mais relevante como ferramenta de rastreio epidemiológico em Portugal. Vários países europeus como os Países Baixos, Espanha e Itália, assim como os Estados Unidos, Canadá, Nova Zelândia e Austrália implementaram programas de monitorização de microrganismos e, por consequência, de doenças que circulam na população.

O Laboratório de Análises do Instituto Superior Técnico tinha já experiência em fazer vigilância de águas residuais para genes de resistência a antibióticos e bactérias resistentes a antibióticos, vírus entéricos e o SARS-CoV-2. Há mais de 100 anos que o LAIST caracteriza e monitoriza a qualidade de águas utilizadas para fins diversos – abastecimento público, rega, indústria – entre outros, tendo também uma forte componente de investigação científica aplicada à sua área de atuação.