Campus e Comunidade

Peter Villax: “É no interface dos conhecimentos que há faísca”

Licenciou-se em Política e Economia pela Universidade de Aberdeen, trabalhou com semicondutores e foi programador. Hoje, Peter Villax é, entre outras coisas, vice-presidente para a Inovação na Hovione, uma empresa química fundada em Portugal em 1959.

Já a trabalhar na Hovione, focou-se na área de dispositivos médicos de inalação e patentes. Porquê?
Sou ligeiramente asmático, daí a motivação, e ainda por cima a firma vende produtos para a asma. Decidi desenvolver inalação respiratória utilizando produtos corticosteroides, e iniciei um percurso de inventor na área dos dispositivos médicos. Já lá vão 20 anos sobre a minha primeira patente, até já expirou.

E o que fazem exatamente?
Desenvolvemos tecnologias na área da engenharia de partículas para modificar o seu tamanho, as propriedades da superfície, o controlo das interações entre partículas… processos que asseguram a reprodutibilidade do processo de fabrico. Estamos a falar de partículas que têm um tamanho compreendido entre um e quatro mícrones: conseguimos ter uma precisão de mais ou menos 0,1 mícrones… isso só se faz com engenheiros brilhantes.

E além disso, com muito financiamento?
Claro que é preciso financiamento, mas não é só o dinheiro. Se nós somos, hoje, o maior empregador privado de doutorados em Portugal, ao José Mariano Gago o devemos. Se temos hoje 35 doutorados aqui em Portugal, é graças às políticas do Mariano Gago, que criou uma quantidade de talento científico e tecnológico extraordinário. Até esta nova geração de cientistas aparecer na Hovione, a produção química era “boring”. Esta nova geração de cientistas que vem das brilhantes universidades portuguesas transformou a produção na Hovione numa ciência, e hoje em dia nós descrevemo-nos como uma empresa industrial de base científica.

E só recrutam os portugueses?
Recrutamos portugueses, de preferência, porque são melhores. Os nossos licenciados são do melhor que há no mundo.

Mas é preciso que a universidade tenha uma relação mais e streita com as empresas?
Há um gap cultural muito grande R entre a empresa e a universidade. Uma empresa não depende do orçamento do estado. As universidades, em geral, dependem. Nós temos uma cultura de urgência e de resultado imediato que é incompatível com a cultura académica que tem que existir numa universidade: a acumulação de conhecimento. É essa a missão da universidade, o conhecimento. E às vezes, demora muito tempo. Existem na forma de pensar e de agir dos académicos compassos de espera que não podem existir na cabeça do gestor ou do empresário. Há salários a pagar no fim do mês.

Então como podem colaborar?
É conhecermos, coexistirmos, convivermos e colaborarmos.

Falando em colaborações: ao longo dos anos, têm existido na Hovione alguns estágios para alunos do Técnico…
Sim. Temos com o professor Herold, do Técnico, uma colaboração de décadas em que acolhemos estudantes propostos pelo Instituto Superior Técnico.

Só na área da Química?
Nós fomos cem porcento Química Orgânica durante várias décadas, agora deixámos de ser e é muito mais divertido. O nosso último recrutamento foi de um doutorado em aeronáutica. Passámos a ter muitas disciplinas porque é no interface dos conhecimentos e das disciplinas que há faísca e nós temos que estar sempre a provocar faíscas intelectuais.

E para isso ir buscar os melhores graduados das várias escolas, como o Técnico?
O Técnico é uma escola que dá uma preparação técnica que é talvez a mais forte do País. É conhecido por isso. O desafio é um entendimento do mercado e aí voltamos àquele gap cultural de que lhe estava a falar: um académico tem dificuldade em entender o mercado.

E ao contrário?
Eu também tenho dificuldade em perceber, por vezes, a forma como pensa um universitário. É normal, eu vivo na empresa. Por isso é que nos temos que nos aproximar para nos entendermos melhor: nós temos o problema e eles têm a chave do problema. Nós, na Hovione, ensinamos a inovação como uma disciplina, e a primeira lição desse curso é: comece por caracterizar o problema. Se não tem problema, não há inovação possível.

Como é que vê o futuro das colaborações com o Técnico e outras universidades?
Temos que estar mais próximos da universidade porque aquele sentimento de urgência que temos, temos que o passar para a universidade. A universidade tem que acelerar um bocadinho. Não deve transformar-se num agente económico a não ser no mercado da educação, as empresas é que são aos players do mercado, mas é importante que nós, empresas, sejamos mais sensíveis aos problemas da universidade e que a universidade seja mais sensível aos problemas da empresa. Um politólogo dividiu a investigação em quatro áreas, segundo dois vetores, o do conhecimento e o da aplicabilidade dos resultados. Onde é que nós nos devemos situar? Na área do conhecimento fundamental com aplicabilidade para a sociedade.