Os brinquedos que tinham algum nível de “inteligência” ou “semelhança com vida”, como os Tamagotchi ou os robôs Furby, sempre despertaram em Iolanda Leite, antiga aluna de Engenharia Informática e de Computadores no campus do Taguspark, um certo fascínio, mesmo quando ainda não conseguia entender o que estava por detrás destes sistemas. Hoje em dia, o encantamento continua e reflete-se numa carreira de sucesso além-fronteiras, e no KTH Royal Institute of Technology, onde é docente e investigadora, a alumna procura conferir mais inteligência social aos robôs.
Este interesse por sistemas inteligentes e a ligação do seu pai à área da Informática fizeram com que o curso de Informática estivesse sempre na sua mira, “mas não sabia se era por ser das áreas que mais conhecia ou se era porque gostava mesmo”, confessa. Os testes psicotécnicos que fez no 9. ° ano não foram muito conclusivos e até acabaria por escolher Desporto ao entrar no secundário, mas rapidamente percebeu que a atração pela Informática era mais forte. Uns meses depois, mudou de escola para frequentar o curso Tecnológico de Informática, uma decisão de que não se arrepende e que acabou por tornar “natural” a escolha do curso de Engenharia Informática e de Computadores no ingresso na Universidade. “Escolhi o campus do Taguspark como a minha primeira opção por ser mais perto de casa”, recorda.
A caminhada no Técnico começou em 2002, naqueles que seriam os primeiros anos do campus do Taguspark, quando “praticamente toda a gente se conhecia”, como lembra. “O ambiente era bastante familiar entre alunos, professores e pessoal não docente. Penso que não só o número de pessoas tem impacto neste ambiente familiar, mas também a disposição do edifício e o facto de haver pouca coisa por perto, o que faz com que os alunos se ‘dispersem’ menos”, partilha.
Numa retrospetiva a esses tempos, não tem dúvidas de que “foram anos bastante intensos”, e sobram-lhe certezas de que que foi a exigência do Técnico que a ajudou “a ter um ritmo de trabalho e sentido de organização que tenho hoje na minha vida profissional”. “Tenho recordações muito boas, principalmente das alturas de projetos”, recorda. “Tenho amizades para a vida que fiz nesses tempos”, adiciona.
O gosto pela robótica surge mesmo no decorrer do percurso enquanto estudante do Técnico, ao frequentar cadeiras como por exemplo Inteligência Artificial ou Agentes Inteligentes, “onde os projetos eram muito interessantes e os professores me inspiraram bastante”, partilha. Durante o mestrado, escolheu a especialização em Intelligent Systems e “foi provavelmente nessa altura que considerei seriamente uma carreira de investigação nesta área”, partilha.
No último ano do 2.º ciclo acabaria também por descobrir o gosto por ensinar ao ser monitora da cadeira de “Programação por Objetos”. “Foi uma experiência bastante positiva”, recorda. Depois do doutoramento decidiu que queria continuar uma carreira académica e “saber que gostei de ensinar teve sem dúvida impacto nessa decisão”.
Uma carreira além-fronteiras
A oportunidade de colaborar com o Grupo de Agentes Inteligentes e Personagens Sintéticas (GAIPS) surgiu logo no mestrado e estendeu-se pelo doutoramento a fora, permitindo-lhe colaborar em projetos europeus e aprofundar o gosto pela robótica. “A rede de contactos que estabeleci durante esses anos e a visibilidade que o meu trabalho teve – muito por pertencer ao GAIPS – permitiu-me depois ter oportunidades de investigação no estrangeiro, até chegar onde estou hoje no KTH”, destaca a alumna.
Antes de se instalar em Estocolmo onde tem feito a sua carreira, Iolanda Leite ainda passou pela Disney Research, um laboratório de investigação financiado pela Walt Disney Imagineering, pertencendo a um grupo designado “Language-based Character Interaction”. “A nossa área de investigação era focada no diálogo entre crianças e personagens artificiais – robots ou agentes virtuais. O trabalho desenvolvido ia desde o desenvolvimento de algoritmos que permitissem essas interações de forma natural e divertida até à avaliação da experiência dos utilizadores mais novos ao interagir com os protótipos”, partilha.
“Na altura era um ambiente bastante académico – aliás, estávamos mesmo no campus da Carnegie Melon University, em Pittsburgh”, recorda. “A motivação para os projetos era baseada nos objetivos das unidades de negócio da Disney, mas o objetivo principal não era trabalharmos em projetos de retorno imediato, mas sim desenvolver tecnologias que pudessem ser úteis para a empresa a longo prazo. Aprendi bastante tecnicamente, e também foram tempos muito divertidos”, evidencia a alumna.
O pós-doutoramento foi feito na Yale University, em New Haven, e em 2017, surge a oportunidade de lecionar e fazer investigação no KTH Royal Institute of Technology, onde é professora associada e faz investigação de ponta na área da robótica social no Language-based Character Interaction Group.
No seu dia a dia, a antiga aluna do Técnico procura construir robôs sociais autónomos que possam capturar, aprender e responder adequadamente à dinâmica subtil de situações do mundo real, permitindo interações verdadeiramente úteis e eficientes a longo prazo com as pessoas. “No meu grupo, estamos interessados em investigar o que acontece depois dos primeiros contactos [entre o robô e o utilizador], onde há inevitavelmente um ‘efeito novidade’ bastante grande”, explica Iolanda Leite. “Olhamos para esta questão não só do ponto de vista de como as pessoas percecionam os robôs depois de várias interações, mas também em como desenvolver algoritmos que permitam os robôs sociais agir nestas situações”, salienta.
Aprimorar a interação humano-robô
Irão de facto um dia os robôs conseguir demonstrar emoções e ser mais afáveis no contacto com o ser humano? A resposta a esta questão é desejada por muitos e apesar de acreditar que será possível, Iolanda Leite lembra que mais importante do que isso “é o facto de eles conseguirem interpretar as emoções ou a disposição das pessoas que os rodeiam de modo a que possam tomar as decisões mais apropriadas”.
Ainda que seja difícil prever a evolução desta área, a alumna acredita que a robótica social “estará espalhada um pouco por todo o lado”. “Não apenas onde haja robôs cuja função principal é interagir socialmente com pessoas, mas também em todas as aplicações onde há robôs perto de pessoas”, partilha.
Aliás, Iolanda Leite é detentora de uma visão globalmente positiva sobre os “desenvolvimentos recentes em robótica e inteligência artificial” e em como estes “podem ter impacto na nossa sociedade”, mas tem a perfeita noção que “nem tudo é positivo” e sublinha que há ainda muito trabalho a fazer. “Não apenas nas áreas mais técnicas, mas também ao nível das ciências sociais, para perceber o impacto da tecnologia – robôs e não só – nas nossas vidas”, salienta.
Além da investigação, onde se denota o encanto por aquilo que faz, Iolanda Leite é também uma entusiasta pelo ensino, revelando o seu gosto em “dar aulas e ver os alunos a implementar com sucesso o conteúdo que eu lhes transmiti”. “Gosto muito de conversar com os alunos, perceber as motivações deles para as suas escolhas e futuras ambições a nível profissional”, declara.
Para aumentar ainda mais as probabilidades de este ser um percurso profissional auspicioso, a alumna do Técnico conquistou em 2020 um prémio da Fundação Sueca para a Investigação Estratégica para a utilizar na sua investigação durante um período de 5 anos.