Marija Vranic, professora do Instituto Superior Técnico, e o aluno de doutoramento, Óscar Amaro, integram a lista de investigadores que publicou (e mereceu honras de capa) recentemente na prestigiada revista Nature Photonics um estudo de uma equipa internacional. Ambos integram o Grupo de Lasers e Plasmas do Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear (IPFN) e foram responsáveis pela parte teórica do estudo.
A partir do Centro de Ciência Laser Relativista (CoReLS) do Instituto de Ciência Básica, na Coreia do Sul, foi possível usar um dos sistemas laser mais potentes do mundo para demonstrar experimentalmente um fenómeno físico conhecido como dispersão de Compton não linear (em que um eletrão absorve múltiplos fotões e emite um único fotão de alta energia na região dos raios gama), demonstrado através da colisão de um feixe de eletrões de alta energia com um impulso laser de alta potência. Nesta experiência, – mil vezes mais brilhante do que os recordes anteriores para esta escala de energia – os investigadores usaram um feixe laser de tal modo intenso que se aproxima do chamado limite de Schwinger — uma intensidade de luz tão forte que pode “ferver” o vácuo do espaço, criando pares de matéria e antimatéria.
Embora a intensidade do laser mais alta alcançada até hoje (e atingida neste mesmo laser) esteja ainda um milhão de vezes abaixo deste limite físico, o método usado, baseado na Teoria da Relatividade de Einstein, permitiu que os cientistas atingissem 50% deste limite no referencial do eletrão, desencadeando fascinantes efeitos quânticos não lineares.
“Aqui temos uma fonte de frequência naturalmente ajustável, que pode ser usada para várias coisas, por exemplo para ver objetos muito pequenos e mudanças muito rápidas”, explica Marija Vranic. A observação pode abrir caminho para uma melhor visualização do que “normalmente é difícil ver diretamente”, como os processos biológicos ou imagens da qualidade de peças críticas (como as peças de avião) antes de as instalar, ou para observar o estado de reatores nucleares antigos sem os abrir.
“Este estudo tem uma parte fundamental: a verificação dum efeito teoricamente previsto há décadas, e uma parte relevante para aplicações – o feixe de fotões obtido tem características benéficas para ser usado como fonte de radiação que permite obter imagens médicas e biológicas, de segurança e de controlo de qualidade”, aprofunda.
O trabalho da equipa que lidera “foca-se nos estados extremos dos plasmas, onde coexistem efeitos quânticos ao mesmo tempo que efeitos coletivos”. “Este regime extremo existe naturalmente no Espaço, mas poderá ser atingido em laboratório no futuro com os lasers mais potentes no mundo. Esta experiência é um passo importante nesse caminho”, contextualiza a investigadora.
A investigação que deu origem ao artigo: compreender a eletrodinâmica quântica
Este trabalho de investigação faz parte de um esforço global para compreender melhor a eletrodinâmica quântica (QED) em campos fortes — um ramo da física que normalmente lida com fenómenos encontrados em ambientes astrofísicos extremos, como pulsares, magnetares, supernovas e buracos negros. Baseia-se em experiências anteriores, como a realizada no SLAC (Centro de Aceleração Linear de Stanford, Estados Unidos da América) em 1996, mas o novo método utiliza apenas um laser, sem a necessidade de um grande acelerador. Estão previstas novas experiências em laboratórios de topo, como o DESY (Deutsches Elektronen-Synchrotron, Alemanha), SLAC e futuras instalações de lasers multi-petawatt em várias partes do mundo.
Na experiência, o laser foi dividido em dois feixes. O primeiro feixe foi focado numa câmara preenchida com gás, acelerando eletrões até quase (99,999999%) à velocidade da luz. O segundo feixe, com uma duração de apenas 20 femtossegundos (20 milionésimos de um bilionésimo de segundo), foi direcionado para colidir com os eletrões acelerados.
A precisão necessária para esta colisão é impressionante: os feixes foram sincronizados numa região de apenas alguns micrómetros de largura, com uma sobreposição de apenas 10 femtossegundos. Este controlo preciso permitiu que os eletrões “dançassem” no campo do laser poderoso, absorvendo até 400 fotões de uma só vez e emitindo raios gama de energia elevada.
Os investigadores caracterizaram cuidadosamente esta energia, verificaram as assinaturas previstas pela teoria e compararam os resultados experimentais com modelos analíticos e simulações de grande-escala realizadas em supercomputadores. A concordância entre a experiência e a simulação confirmou, pela primeira vez, a ocorrência de dispersão de Compton não linear e permitiu à equipa deduzir a intensidade do laser em colisão, extraindo a sua “impressão digital” dos sinais de raios-gama.