Ciência e Tecnologia

A forma como os Nobel da Medicina, Física e Química melhoraram as nossas vidas

Alguns docentes do Técnico cuja investigação está relacionada com as áreas distinguidas falam-nos da importância destas descobertas e como abriram caminho a novos desenvolvimentos.

Alfred Nobel, químico sueco que inventou a dinamite, reservou 94% da fortuna à criação de cinco prémios – o de Economia só surgiu em 1969 por iniciativa do Banco Central da Suécia –  que deveriam ser entregues “àqueles que trouxeram o maior benefício para a humanidade”. Ano após ano a comunidade científica aguarda ansiosamente para saber quem foram os eleitos em Medicina, Física e Química. Após muita expectativa e com algumas surpresas à mistura, já são conhecidos os sete laureados. Fomos saber juntos de alguns docentes do Técnico, com ligação às áreas de estudo contempladas , qual o impacto destas descobertas que ao longo desta semana tanto se ouviu falar.

Prémio Nobel de Medicina para descobertas sobre sensores do corpo

Seguindo a ordem estabelecida, logo na segunda-feira, 4 de outubro, o mundo conhecia o nome dos vencedores do Prémio Nobel de Fisiologia ou Medicina de 2021. David Julius e Ardem Patapoutian foram os galardoados “pelas suas descobertas de recetores para a temperatura e o tato”. “As descobertas revolucionárias pelos laureados com o Prémio Nobel deste ano permitiram-nos compreender como o calor, o frio e a força mecânica podem iniciar os impulsos nervosos que nos permitem perceber e adaptar-nos ao mundo”, informou o júri Nobel.

O professor Tiago Fernandes, docente do Departamento de Bioengenharia (DBE) e investigador do Instituto de Bioengenharia e Biociências (iBB), confessa que foi apanhado de surpresa com o anúncio dos vencedores do Prémio Nobel de Fisiologia ou Medicina de 2021, lembrando que muitos previram que o comité “iria distinguir o trabalho realizado no desenvolvimento das vacinas de RNA”. “Em todo o caso, o prémio é inteiramente merecido”, acrescenta de imediato, referindo que este é “um caso paradigmático de investigação científica inicialmente movida pela curiosidade e pela busca do conhecimento pelo conhecimento, mas que a médio prazo teve um alcance prático enorme”.

David Julius utilizou capsaicina, um composto químico e um componente ativo de pimenta malagueta que induz uma sensação de ardor, para identificar um sensor nas terminações nervosas da pele em resposta ao calor. Por sua vez, Ardem Patapoutian usou células sensíveis à pressão para descobrir uma nova classe de sensores que respondem a estímulos mecânicos na pele e nos órgãos internos. Estes avanços, tal sublinha o comunicado, conduziriam a um rápido aumento de conhecimento sobre a forma como o nosso sistema nervoso sente o calor, o frio e os estímulos mecânicos.

“A nossa capacidade de sentir o calor, o frio e o toque é essencial para a sobrevivência da nossa espécie, e está na base da nossa interação com o meio ambiente”, destaca o docente do DBE. “A partir da curiosidade original dos galardoados deste ano, a elucidação dos mecanismos e funções destas células e sensores tem vindo a permitir desenvolver tratamentos para uma ampla gama de doenças, incluindo, por exemplo a dor crónica”, adiciona.

Nobel da Física de 2021 para a física do clima e outros sistemas complexos

Syukuro Manabe, Klaus Hasselmann e Giorgio Parisi são este ano os vencedores do Prémio Nobel da Física pelas “contribuições inovadoras para a nossa compreensão de sistemas físicos complexos”. Metade vai para os dois primeiros, especificamente “pela modelagem física do clima da Terra, quantificando a variabilidade e prevendo o aquecimento global de forma confiável”. A outra metade vai para o último pela “descoberta da interação da desordem e flutuações nos sistemas físicos das escalas atómicas até escalas planetárias”. 

Para o professor Tiago Domingos, docente da área científica de Ambiente e Energia do Departamento de Engenharia Mecânica do Técnico e investigador do MARETEC, a “atribuição do galardão à Física ‘à nossa escala’ é muito importante por assinalar a importância desta Física, assim contribuindo para atrair jovens físicos para trabalhar numa área como as alterações climáticas, um desafio crucial para a Humanidade que é simultaneamente um problema fascinante do ponto de vista científico”.

A professora Joana Gonçalves,  também do docente do DBE e investigadora do Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas(LIP) realça que o “trabalho de Parisi mostra como se podem encontrar padrões no meio de sistemas muito desorganizados, imprevisíveis e ‘frustrantes’. Ao pensar num problema particular, inventou uma técnica muito contraintuitiva: em vez de partir o problema em pequenas partes multiplicou-o para perceber o que se passava no todo”. Segundo a investigadora do LIP “é importante notar que este não é o primeiro prémio Nobel a ser dado ao campo dos Sistemas Complexos, mas é a primeira vez que a conservadora – e por vez retrógrada – Academia Sueca, usa o termo e o assume como parte fundamental da Física, abrindo caminho a que esta área tenha o reconhecimento que há muito merece”.

A “engenhosa ferramenta para fabricar moléculas” distinguida pelo Nobel da Química

Os dois cientistas premiados este ano com o Nobel da Química, Benjamin List e David W.C. MacMillan, desenvolveram uma nova e engenhosa ferramenta para a construção de moléculas: a organocatálise.

Como lembra a professora Matilde Marques, docente do Departamento de Engenharia Química (DEQ) e investigadora do Centro de Química Estrutural (CQE), “ate há cerca de duas décadas, a maioria dos catalisadores para reações assimétricas seletivas eram enzimas ou compostos contendo metais”.  “As enzimas são catalisadores biológicos, com enorme seletividade, que funcionam muito bem nos organismos vivos, mas cuja utilização nas condições requeridas para a química sintética, a nível laboratorial e industrial, tem dificuldades que restringem uma aplicação generalizada. Por outro lado, são conhecidos catalisadores contendo metais que dão excelentes resultados, mas cuja utilização coloca problemas ambientais consideráveis, para além de muitos requererem condições de trabalho difíceis -por exemplo ausência de água e oxigénio -que tornam a sua utilização em larga escala muito dispendiosa”, explica.

A descoberta galardoada com o Nobel da Química deste ano dá resposta a estes desafios “de um modo que é quase um ‘ovo de Colombo’”,  como salienta a professora Matilde Marques. Tal como destaca “os dois laureados foram pioneiros na demonstração de que moléculas orgânicas assimétricas muito simples têm a capacidade de catalisar reações enantio-seletivas complexas, com resultados que rivalizam e conseguem mesmo superar os obtidos com enzimas ou catalisadores contendo metais”.

O trabalho dos laureados não é nada estranho ao professor Nuno Maulide, alumnus  do Técnico, docente da Universidade de Viena e professor convidado do DEQ, uma vez que além dos dois cientistas pertencerem à área em que trabalha diretamente,  a Química Orgânica-  Benjamin List, foi também seu mentor quando começou a sua carreira académica no Instituto Max-Planck, em 2009. “É muito impressionante ver um colega com quem trabalhei diretamente no dia a dia  durante quase 5 anos ser galardoado ao mais alto nível”, declara.

Já em 2001 tinha sido atribuído um Prémio Nobel para a catálise assimétrica por catalisadores metálicos, o que por si só é demonstrador da importância deste campo. O professor convidado do DEQ evidencia essa mesma preponderância lembrando o papel da catálise “não apenas na produção de novos fármacos, mas também para toda a indústria agroquímica, no fabrico de cosméticos, na área dos materiais”.

Para o professor Nuno Maulide, este Prémio Nobel vem reforçar a importância que a Química tem em muitas áreas da nossa vida e no desenvolvimento de soluções mais simples e com enorme impacto no nosso quotidiano. “Até já escrevi livros sobre isso”, diz, entre sorriso. “Os avanços tecnológicos e as soluções para os problemas mais prementes da Humanidade dependerão crucialmente do muito que a Química ainda tem para descobrir – e das surpresas que nos poderá oferecer”, frisa.