“Uma manhã não vai chegar de certeza para explorarmos tudo o que queríamos sobre esta matéria”, antevia Ricardo Florência, CEO da Multipublicações, a quem coube abrir a XV Conferência Executive Digest que se realizou esta quarta-feira, 28 de novembro, no Técnico. O CEO não podia estar mais certo: o tempo voou, o que foi dito despertou a vontade de ouvir muito mais, e o conhecimento transbordou nos vários momentos que se sucederam. As expetativas estavam altas tendo em conta a atualidade e preponderância da temática – “Inteligência Artificial e Blockchain: Os Mitos e a Realidade”-, e também a qualidade dos oradores convidados, mas tornou-se possível superá-las como, aliás, o é sempre que se fala sobre tecnologia.
Desligando o botão da ficção científica, tentando contornar um pouco toda a especulação que se gera em torno da questão o leque de convidados predispôs-se a pensar o futuro, mas com os pés bem assentes no presente, não esquecendo o papel dos antecessores dos robôs – os humanos-, e preferindo colocar o foco nas mudanças positivas ou no que teremos que fazer para que assim o sejam.
O professor Srinivas Devadas, docente do MIT EECS, foi o primeiro orador a subir ao palco para explicar as duas teorias-base que sustentam os novos desenvolvimentos relacionados com o Blockchain. E para o docente do MIT a perceção desta tecnologia passa e muito pela palavra “consenso”. Na abordagem das duas teorias que sustentam o Blockchain, o orador ia explicando os prós e contras de ambas. De acordo com o professor Srinivas Devadas, o desafio passa por juntar as mesmas unindo o lado democrático e igualitário de uma ao lado mais rápido de outra. O resultado será um protocolo mais justo, uma espécie de “Permissionless Byzantine Consensus”, sendo nisso que o docente está a trabalhar em parceria com Ling Ren – o protocolo Solida.
Pedro Pombo, managing director da Accenture Digital, partilharia com a audiência uma perspetiva mais descontraída da temática, abordando aspetos da tecnologia tão triviais no nosso quotidiano que “quase nos passam ao lado”, mas que já representam incontornavelmente o impacto da Inteligência Artificial (IA) no mundo. De forma descontraída e recorrendo a várias histórias, o orador mostrava que o processo de aceitação destas novas tecnologias já está a decorrer mesmo que não nos tenhamos dado conta: “Quando aceitamos que a máquina nos reconheça através da nossa cara está tudo em mudança”. Explicando que esta invasão foi feita de forma flexível “graças ao design” e à forma como se soube fazer das rotinas uma inspiração para criar novos produtos e serviços, o orador referiu que: “estamos a dar poder às máquinas para tomar decisões por nós”. “As marcas vão ter de se adaptar e perceber como poderão tirar partido destas novas valências”, referia ainda. Focando algumas das novas categorias de trabalho a que a tecnologia abrirá portas, vincou que as máquinas irão sim substituir-nos em tarefas rotineiras, “permitindo libertar-nos de tempo para sermos mais humanos», assegura. Para o managing director da Accenture Digital, esta dicotomia “homem vs máquina” nem existe. “Temos que pensar a colaboração e não a competitividade, e por isso acredito num futuro do homem com a máquina”.
Para estimular ainda mais a troca de ideias, passava-se de seguida para o formato da mesa redonda, convidando-se os representantes de 4 conceituadas empresas a debruçar-se sobre os últimos desenvolvimentos e qual o limite da IA e do Blockchain. Sob a moderação do docente do Técnico, o professor Miguel Correia, os convidados Francisco Duarte (Industry 4.0 Coordinator da Bosch Car Multimedia Portugal), Frederico Vaz (Director of Engineering and Network Operations da Altice Portugal), João Pedro Machado (Director for Transformation da Fidelidade) e José Ataíde (Advisor to the Board – Industry 4.0 da The Navigator Company) explicaram algumas das dinâmicas seguidas pelas empresas que integram, as equipas e as parcerias que têm sido criadas no sentido de inovar e responder aos desafios da revolução digital. Como não podia deixar de ser, e quase espontaneamente veio à conversa o reflexo de tudo isto no mercado de trabalho. “Em Portugal, a substituição dos humanos em determinadas tarefas vai ser muito útil porque se olharmos para os índices demográficos percebemos que precisamos mesmo de máquinas para manter a economia num nível estável”, declarava Francisco Duarte. “Dificilmente haverá limite para a IA. E se os criarmos estamos a dificultar a criatividade. Os limites terão, sim, que ser impostos pelas entidades governamentais”, assinalava, por sua vez, Frederico Vaz.
O formato manteve-se e se a janela de conversa foi a mesma, a paisagem que a mesma permitiria alcançar tinha tons diferentes, não fossem os convidados do painel profissionais de áreas tão diferentes como a academia, a banca e a tecnologia. Paula Panarra (General Manager da Microsoft Portugal), António Ramalho (CEO do Novo Banco) e o professor Luís Correia, vice-presidente do Técnico, protagonizaram um debate cativante onde se tocou sem rodeios no porquê destes medos todos em torno da tecnologia, frisando a preponderância do “factor humano”. “Este medo é normal. Temos robôs que trabalham mais depressa que os humanos, 24 horas por dia e não se alimentam. Não há ninguém que não perceba que este cenário coloca trabalhos em risco. Até o de CEO”, referia António Ramalho. Sobre os desafios que estas inovações colocam às empresas e sobretudo sobre os recursos humanos, o professor Luís Correia apontava uma das soluções: a formação ao longo da vida. “A iniciativa Técnico+ vem tapar o buraco que se está criar: o de atualizar as pessoas que já estão no mercado de trabalho. A ideia é darmos formação a essas pessoas no sentido de se atualizarem, de se reconverterem ou de terem noção do que são estes conceitos que estão em voga”, partilhava o docente do Técnico. Concordando com a importância de requalificar as pessoas que estão dentro das empresas, Paula Panarra referiu que em todo este processo evolutivo “será cada vez mais importante a inteligência emocional”. “No fim do dia continuarão as ser as pessoas a gerir e continuará a ser para as pessoas que estaremos a trabalhar. Honestamente acho que o caminho será cada vez mais a maquina a aumentar o engenho do homem”, rematava a General Manager da Microsoft Portugal.
Para encerrar com chave de ouro a conferência onde a IA foi a vedeta e ofuscou o Blockchain, subiu ao palco o presidente do Técnico, professor Arlindo Oliveira. “A IA já existe e vai continuar a existir e a ser desenvolvida; o Blockchain, por sua vez, ainda é algo que pertence ao futuro e que está à procura do seu caminho”, começava por frisar. E o docente do Técnico sabe do que fala, não fosse a IA além da sua área de investigação e simultaneamente uma paixão cujo crescimento foi acompanhando. Sabendo do que fala, o professor Arlindo Oliveira, não deixou de fazer questão de assinalar que “é difícil prever a dimensão e os contornos que a Inteligência Artificial irá tomar, tal como é difícil prever o que acontecerá com qualquer tecnologia”. Lembrando a Lei de Amara e vários acontecimentos do passado, o presidente do Técnico assinalou “que temos tendência para sobrestimarmos o impacto da tecnologia no curto-prazo e subestimamos a sua influência a longo-prazo”. Com o humor que lhe é caraterístico pelo meio, o presidente do Técnico foi partilhando algumas caraterísticas da IA e demonstrando porque é que o machine learning “é uma tecnologia tão disruptiva”. Expondo alguns casos em que a tecnologia já sobrepôs a eficiência humana, não esqueceu os desafios sociais e legais, referindo também as objeções e especulações que existem em torno da matéria. Para o professor Arlindo Oliveira“antes de ambicionarmos atingir a Super Inteligência, devemos garantir que os computadores estão alinhados connosco”. “Ser a segunda espécie mais inteligente do planeta não é assim tão interessante”, afirmava, encerrando assim e com o repto ideal uma conferência que pretendia alinhar o conhecimento com a dimensão da revolução que já está a acontecer.