O ponto de partida do artigo dos investigadores do Instituto de Telecomunicações (IT), Bruno Mera e Yasser Omar, também docente do Técnico, e Krzysztof Sacha, docente da Universidade de Cracóvia, é o comportamento topológico e a sua quantização. A ideia deste trabalho, que se revela agora disruptivo e surpreendente, surgiu após questionarem quais seriam as consequências se “num sistema que tivesse umas propriedades análogas às dos isolantes topológicos, ou seja, tivesse um hiato no espetro de energia, e onde fosse possível arranjar um twist não trivial da função de onda, mas no espaço-tempo em vez de no momento linear cristalino”. A resposta é: completamente diferentes e fisicamente inesperadas. “Se tivermos um átomo que se move numa dimensão espacial e se ele estiver a interagir com um campo magnético com uma certa periodicidade temporal e espacial, e também com uma onda eletromagnética com essas mesmas propriedades, podemos fazer as coisas de maneira a conspirar, e conseguimos encontrar uma função de onda com esse twist”, explica o Bruno Mera, investigador do IT e antigo aluno do Programa doutoral em Física e Matemática da Informação do Técnico.
“O que descobrimos é que de facto os efeitos do campo eletromagnético variável no tempo com uma certa periodicidade e o twist da função de onda tem uma consequência: o átomo sente um campo elétrico efetivo na direção do seu movimento que tem umas propriedades muito interessantes, nomeadamente, a média do trabalho deste campo elétrico é quantizado em unidades da frequência do campo eletromagnético inicial”. Sendo que o movimento deste átomo contém a informação sobre a função de onda estamos perante uma dinâmica semi-clássica, ou seja, um efeito da teoria quântica numa dinâmica clássica, e esta é talvez a descoberta mais intrigante deste artigo publicado na passada terça-feira, 9 de julho.
“O que é fantástico é que descobrimos que se deformarmos um bocadinho o sistema mudando o campo magnético ou mudando o campo elétrico a quantização do trabalho permanece. Podemos alterar os parâmetros e ele está estável, está protegido topologicamente contras as alterações, há uma robustez. E acho que para isso é a principal conclusão deste artigo”, destaca Bruno Mera. O professor Yasser Omar concorda, salientando de seguida que “termos graus de liberdade clássicos a codificar informação quântica é surpreendente”. Apesar de parecerem apenas comprovações teóricas, este trabalho abre portas a inúmeras e interessantes possibilidades do ponto de vista da informação quântica, embora para já sejam apenas simples especulações de dois cientistas entusiásticos e apaixonados pelo que fazem. Deste trabalho e das conclusões que apresenta pode resultar o desenvolvimento de um novo candidato a bit quântico, mais robusto, que fará com que a computação quântica passe a ser uma realidade do nosso dia a dia. “É certamente uma ideia que vale a pena explorar, mas para já são apenas especulações”, assinala o professor Yasser Omar.
Mas voltemos ao artigo que já pode ser consultado na prestigiada Physical Review Letters: “através deste trabalho nós podemos dizer imediatamente qual é a classe de funções de onda que podemos esperar num sistema”. “Fazer medidas de funções de onda em geral não é uma coisa simples, mas nós podemos, sabendo este invariante topológico, dizer qual é a classe de função de onda que lá temos”, explica Bruno Mera. “É possível dizer coisas imediatamente sobre a função de onda, olhando para a dinâmica clássica”, acrescenta, de seguida. O trabalho tem como base uma grande bagagem de física teórica, mas nas conclusões do artigo os autores apresentam uma proposta experimental para a medição. “O artigo propõe algumas ideias que podem ter continuidade a vários níveis”, realça o professor Yasser Omar.
A colaboração entre os três autores do artigo “Topologically protected quantization of work”, nasce no âmbito de um projeto europeu- Theory-Blind Quantum Control – em que Portugal participa através do Physics of Information and Quantum Technologies Group do Instituto de Telecomunicações. “Tivemos uma reunião do projeto e a partir de uma apresentação sobre os cristais temporais do professor Krzysztof Sacha, começamos a questionar os efeitos topológicos”, recorda o professor Yasser Omar, frisando que o engraçado da ciência reside mesmo nessa descoberta constante de novos problemas. O resultado é esta componente disruptiva e surpreende do artigo. “A Physical Review Letters é uma revista muito selectiva e conceituada e só artigos com essas características é que são aceites”, evidencia ainda o docente. Bruno Mera faz questão de lembrar algo que faz desta escolha muito mais que prestigiante: “os próprios editores o escolheram para uma sinopse. Nem todos os artigos que são aceites têm direito ao destaque da sinopse e isso reflete o valor excepcional do artigo”. As sinopses de que o docente fala são breves resumos, da autoria de experts que destacam o valor científico de artigos que podem mudar o rumo da investigação, inspirar uma nova maneira de pensar ou despertar a curiosidade.
E por falar em futuro, o professor Yasser Omar está em diálogo com “colegas experimentalistas” para a implementação deste trabalho. Mas se houver quem o ouse fazer, e a teoria não se comprovar? “É verdade que em rigor a prova está no teste experimental. Mas toda a teoria que está no artigo foi validada experimentalmente, e se a teoria está correta, os nossos resultados deveriam ser verificados experimentalmente. Se não se verificar é bom sinal porque pode revelar aspetos que a teoria não tinha previsto”. O investigador Bruno Mera complementa: “se o sistema for realizado exatamente com as condições que temos no artigo, o mais que pode acontecer é o hiato ser mais pequeno do que aquilo que estamos à espera, mas se isso acontecer vai haver excitações para os níveis superiores e a diferença da quantização há-de ser muito pequena”. Ainda assim, e se algo não se verificar nas condições esperadas, é só mais um problema estimulante para decifrar a que os dois investigadores não saberão dizer que não. “Isso para nós seria excelente porque seria um problema novo para pensarmos. Mais desafios, coisas novas são sempre bem-vindas”, conclui Bruno Mera, sob o olhar totalmente concordante e entusiasmado do colega de equipa.