Campus e Comunidade

“A igualdade de género é um problema de todos”

A afirmação é do reitor da Universidade de Lisboa, mas a ideia que lhe está subjacente foi sendo lembrada por vários dos intervenientes do seminário ”Porque é que ainda temos de falar da Igualdade de Género em Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática?".

Os números que retratam a presença feminina nas Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática (STEM, em inglês) continuam a ser preocupantes. De acordo com dados publicados pela UNESCO no relatório “Decifrar o código: educação de meninas e mulheres em ciências, tecnologia, engenharia e matemática (STEM)”, apenas 28% do total de investigadores de todo o mundo são mulheres”. Frisar a importância de reverter este quadro e recordar que esta deve ser uma determinação de todos nunca é demais,  e por isso mesmo o Técnico organizou, em parceria com o CMU Portugal Program, o seminário “Porque é que ainda temos de falar da Igualdade de Género em Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (CTEM)?“. O evento decorreu esta quarta-feira, 23 de outubro, e contou com a participação de vários oradores nos diferentes painéis, abordando-se a questão através de diversas perspetivas, e lembrando-se que a diversidade é uma mais-valia que deve tocar  a todos.

Precisamente reconhecendo a importância deste debate , o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, marcou presença na sessão de abertura. Para começar, o governante lembrava que este “não é um tópico novo, mas é uma questão que se tem vindo a tornar cada vez mais relevante”. Recorrendo a vários números, o titular da pasta Ciência, Tecnologia e Ensino Superior mostrava como ainda é diminuta esta representação feminina das mulheres nas STEM, apesar de através dos mesmos ser possível percecionar a evolução registada ao longo dos tempos.“Nos últimos 25 anos aumentamos seis vezes o número de mulheres doutoradas em Portugal”,  evidenciava. “No que respeita aos professores catedráticos, apenas 25% são mulheres. Este é um problema que precisamos abordar e tentar resolver, em Portugal e no Mundo”, salientava a determinada altura, Manuel Heitor.

Mais à frente, o ministro realçaria que por detrás destes números amplos da desigualdade de género “existem questões disciplinares muito específicas”. “Há áreas como a Engenharia Aeroespacial ou a Engenharia Eletrónica que são, claramente,  dominadas por alunos do sexo masculino e este não é um problema tipicamente português, é um dilema mundial”. Para terminar o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior voltava a salientar a importância deste debate “numa altura em que Portugal tem oportunidades únicas de desenvolvimento de carreira, e este deve ser um foco central nos próximos anos na política de Ciência e Ensino Superior”.

Seria depois a altura da convidada especial da sessão, a professora Lenore Blum, presentar a audiência com a sua experiência no aumento da participação das mulheres na área das ciências. De forma muito assertiva, a professora de ciência da computação na universidade de Carnegie Mellon (CMU, na sigla em inglês) explicou que medidas foram implementadas na sua universidade e que fazem com que 50% dos alunos admitidos nos cursos de Computer Science sejam mulheres. Mas antes disso, e mostrando que fez o “trabalho de casa” a oradora mostrava alguns dados que demonstravam os bons resultados de Portugal no equilíbrio de género nestas áreas, posicionando-se de forma muito positiva no contexto europeu, e sendo até “classificado como um dos melhores países para mulheres em STEM em 2018”, evidenciava a oradora. Posteriormente a oradora explicava que uma das chaves do sucesso do trabalho feito na Carnegie Mellon e que permitiu este equilíbrio de géneros passou por “tornar a vida no campus universitário mais favorável para as mulheres, para que se sentissem bem-vindas e apoiadas durante a experiência académica”.

A existência de role-models que inspirem as jovens a seguir o caminho da ciência e tecnologia, a existência de conexões na comunidade que façam as raparigas sentir-se integradas nestes cursos, a promoção de programas para raparigas do ensino básico e o envolvimento dos professores das escolas primárias na promoção do gosto por estas áreas, são para a docente da CMU medidas cruciais para atrair mais mulheres para as mesmas. “Lembrem-se a microcultura e o ambiente desempenham um papel mais importante do que propriamente as diferenças de género e sustentam uma comunidade de mulheres na ciência da computação”, fazia questão de salientar ao terminar.

Ainda durante a manhã, foram envolvidos novos protagonistas no debate cujas experiências profissionais e pessoais diversas permitiriam acrescentar novos tópicos ao debate. Teresa Fragoso, presidente da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, a professora Isabel Sá Correia, docente do Técnico, Cristina Fonseca, co- fundadora da Talkdesk, o professor Pedro Lima, docente do Instituto Superior Técnico, e Mariana Araújo, aluna de doutoramento da escola e vencedora do Prémio Maria de Lourdes Pintasilgo, foram orientando as suas intervenções mediante as perguntas colocadas pela moderadora Catarina Carvalho, diretora do jornal Diário de Notícias. Através das suas perspetivas, ou do conhecimento adquirido no exercício das suas funções, os intervenientes foram levantando várias questões importantes.

“ É preciso mostrar que as mulheres podem ser boas na ciência tal como são em outras áreas”

Os muitos estereótipos que regulam as escolhas profissionais, a influência da educação e do suporte familiar nessas escolhas, as mudanças que chegaram com os tempos, e a importância de passar a mensagem de que “as mulheres podem ter muito sucesso na ciência” foram sendo levantadas aos poucos. “Quando há uma mulher a trabalhar num mundo de homens, a tendência é gerar-se uma surpresa e por vezes até questionarem-se as nossas capacidades, mas a solução passa por ter confiança no nosso valor e até brincar com isso”, declara Cristina Fonseca. “Às vezes este afastamento das mulheres destas áreas tem a ver com ideias provenientes da própria sociedade, pequenos gestos que não encorajam as mulheres para estas áreas. É preciso mostrar que as mulheres podem ser boas na ciência tal como são em outras áreas”, salientava, por sua vez, Mariana Araújo.

O debate prosseguiu na parte da tarde, colocando-se a tónica do lado das universidades. O professor António Cruz Serra, reitor da Universidade de Lisboa, a professora Maria das Dores Guerreiro, vice-reitora do Instituto Universitário de Lisboa, e o professor Arlindo Oliveira, presidente do Técnico, apresentaram o panorama nas instituições que lideram. Lígia Amâncio, coordenadora do projeto europeu SAGE (Systemic Action for Gender Equality), foi a moderadora da mesa redonda em que os vários oradores expressaram a vontade de contribuir para a melhoria do cenário da igualdade de género nas instituições universitárias. A realidade em cada uma das instituições no que respeita à igualdade de género, a paridade nos órgãos de gestão, as expetativas para o futuro e as possíveis estratégias para cativar mais raparigas para estes cursos e a progressão de carreira no contexto académico foram alguns dos pontos a que se circunscreveu a conversa. “No Técnico temos trabalhado para combater este problema com várias medidas”, evidenciava o professor Arlindo Oliveira na sua intervenção.  “A igualdade de género é um problema de todos, e precisamos ter mais homens na sala quando estamos a discutir estas questões. Isto tem de ser uma luta de todos”, denotava em jeito de desafio o reitor da Universidade de Lisboa.