As Junior Research Fellowships (JRF), atribuídas pelo Trinity College da Universidade de Cambridge, são oportunidades únicas de um recém-doutorado ter acesso aos meios e ao apoio necessários para que se possa concentrar exclusivamente num projeto de investigação independente, ao longo de um período de 6 anos. Pelo suporte que faculta e por ser também uma ponte para um futuro ligado à investigação este é, como se pode imaginar, um concurso muito concorrido, sendo a seleção dos contemplados bastante rigorosa e exigente – não fosse esta instituição um universo de mentes brilhantes. Rita Costa, antiga aluna de Engenharia Física Tecnológica no Técnico, conseguiu a proeza de estar na restrita lista dos 8 nomeados deste ano como “Junior Research Fellow”.
Para a alumna do Técnico, fazer parte deste leque é “uma grande honra”. “A Universidade de Cambridge é uma instituição fantástica para fazer investigação em Matemática e Física, e o Trinity College ainda mais. Desde o Isaac Newton até aos muitos prémios Nobel e medalhas Fields de hoje, Trinity tem uma reputação muito forte, e bem merecida, nestas áreas”, vinca.
Além do número elevado de candidaturas, a antiga aluna partilha que um dos grandes desafios deste tipo de concursos “é que as vagas não estão, à partida, destinadas a suportar nenhuma área do conhecimento em particular”. Os candidatos de Ciências, Artes e Letras são julgados em simultâneo por um painel composto por representantes de todas essas áreas. “Por isso mesmo, é importante saber comunicar muito bem, para um público-alvo vasto, a importância da nossa investigação”, destaca a antiga aluna, que acredita que esta foi uma das suas grandes vantagens no concurso. Neste aspeto, valeu-lhe o seu gosto pela divulgação científica que começou a explorar ainda no Técnico, contribuindo com vários artigos para a revista PULSAR do Núcleo de Estudantes de Física (NFIST). “A minha investigação é também, por natureza, muito interdisciplinar, o que ajuda imenso”, realça.
A investigação da antiga aluna centra-se na teoria matemática da Relatividade Geral. Rita Costa acabaria por descobrir o gosto pela Matemática ainda no decorrer do curso do Técnico, rumando depois a Cambridge para o explorar, fazendo o mestrado em Matemática. “No segundo ano, tive a sorte de ganhar uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian do programa Novos Talentos em Matemática, o que me permitiu fazer um pequeno projeto de Geometria com o Professor João Pimentel Nunes”, recorda a alumna. “Gostei muitíssimo do que aprendi, mas sentia que faltava um bocadinho de Física”, confessa. Por isso mesmo, no ano seguinte decidiu tentar aprender Relatividade Geral, a teoria física mais ligada à geometria: “fiz um pequeno projeto com o Professor Vítor Cardoso, para o qual me valeram também muitas conversas com o Professor José Natário, docente do Departamento de Matemática”.
Mas voltando àquilo que é a sua investigação no Trinity College- algo que realmente a fascina como se percebe nas suas palavras – Rita Costa explica que “como modelo da Física, a Relatividade Geral é uma teoria muito bem-sucedida, que passou todos os testes rigorosos a que tem sido submetida desde que Einstein a introduziu em 1915”. “Mas a Relatividade Geral é também uma teoria com uma formulação matemática muito rica, que combina Geometria e Análise: o cerne da teoria são as equações de Einstein, que são Equações Diferenciais que regem a geometria do nosso espaço-tempo”, clarifica a jovem investigadora citando John Wheeler: ‘na Relatividade Geral ‘matter tells spacetime how to curve, spacetime tells matter how to move’[a matéria diz ao espaço-tempo como curvar, o espaço-tempo diz à matéria como se mover’]”.
No doutoramento, sob a orientação do professor Mihalis Dafermos, Rita Costa focou-se nos misteriosos devoradores de estrelas, os buracos negros. “Os cientistas acreditam que todas as estrelas supermassivas terminam a sua vida como buracos negros que são, por isso, um estado de equilíbrio. Mas este só poderá ser o caso se o equilíbrio for estável, isto é, se um buraco negro, quando ligeiramente perturbado, conseguir voltar a tomar a forma de um simples buraco negro, talvez mais ou menos massivo”, evidencia. “Caso contrário, se pequenas perturbações de buracos negros dessem origem a outros tipos de objetos então, no caos do nosso universo, os buracos negros seriam apenas estados transitórios. Apesar de termos evidências numéricas de estabilidade, não existe ainda nenhum teorema que o confirme”, declara a jovem investigadora.
Foi esta perturbação do equilíbrio que quis explorar ao longo do doutoramento, e que lhe exigiu olhar de muito perto para os buracos negros. “Se atirarmos algo para o buraco negro, será que ele absorve, mexe um pouco e volta a ser um buraco negro normal? Ou será que se transforma em algo novo?”, são as perguntas que se colocam e que exigem que quem lhes tenta dar resposta, olhe de muito perto para os buracos negros. “Mas se afastarmos de um buraco negro no universo, vemos muitos outros objetos à sua volta. E se afastarmos ainda mais o zoom, todos eels se desfocam e o universo parece um caroço homogéneo. De facto, os cientistas sabem que, em escalas muito grandes, um nódulo homogéneo é um excelente modelo do universo”, denota Rita Costa. “Infelizmente, não é inteiramente claro se este modelo de grande escala pode ser rigorosamente derivado da nossa descrição do universo em escalas mais pequenas, ou seja, perto de estrelas e planetas, etc. Compreender como ligar matematicamente a escala pequena e a escola grande é outra linha de investigação que estou ansiosa por começar a explorar como JRF em Trinity”, afirma.
Na entrevista que deu ao site do Trinity College, já enquanto membro da comunidade JFR, Rita Costa fez questão de evidenciar o papel que o Técnico teve na sua formação. A antiga aluna considera que a saída de Portugal lhe deu plena noção “de quão boa é a educação que recebemos no Técnico”. “Está perfeitamente no nível de muitas universidades europeias com mais projeção internacional e, em alguns aspetos, acima dele. A meu ver, um desses aspetos é a bagagem matemática que no Técnico se espera de todos, mesmo engenheiros e físicos”, afirma. “As minhas cadeiras de Cálculo e Álgebra Linear com os Professores Miguel Abreu e Luís Magalhães tiveram um rigor sem paralelo com os de cursos de Física ingleses, por exemplo, já para nem falar nos de Engenharia. A melhor prova disso é que, o conhecimento que me ficou deles, me bastou para – com muitas horas de esforço- concluir o mestrado em Matemática em Cambridge”, salienta, em seguida.
Para além da preparação do curso, a aluna não deixa de reiterar a importância, neste seu percurso, de “ter podido experimentar fazer investigação em várias áreas, tanto em Matemática como em Física”. “Essa disponibilidade do corpo docente do Técnico para discutir ideias e apoiar os alunos com projetos fora das aulas também foi extremamente importante”, garante.