Quando explica a sua profissão a crianças do ensino primário, Gerrit Kroesen descreve-se como “um professor de raios e trovões”.

Em visita ao Instituto Superior Técnico, o professor e investigador da Universidade de Tecnologia de Eindhoven (TU/e) não se dedicou a falar desses fenómenos, mas dirigiu uma IST Distinguished Lecture intitulada “Plasmas in the semiconductor industry: modern trends, opportunities and diversity”. O evento decorreu no Centro de Congressos do campus Alameda, a 15 de dezembro e abordou alguns dos desafios da indústria de semicondutores, incidindo também sobre a experiência de Kroesen em tentar promover a diversidade de género no Departamento de Física Aplicada da TU/e, durante o período em que foi Reitor deste.

A respeito de plasmas e semicondutores, traçou um perfil histórico da indústria, referindo os chip acts – momentos nos quais potências como os Estados Unidos da América e a União Europeia afinaram estratégias para manter a sua competitividade no mercado dos semicondutores. Comparando o sucesso destas iniciativas nos anos 80 com o dos chip acts mais recentes (aproveitando para criticar o facto de que a palavra ‘plasma’ não surge no documento europeu), Gerrit Kroesen caracterizou o ‘estado da arte’, destacando que um dos maiores problemas na área de plasmas é a falta de mão de obra qualificada.

Na segunda parte da sua Distinguished Lecture, Gerrit Kroesen partilhou algumas das suas experiências quando ocupou o cargo de Reitor do Departamento de Física Aplicada da TU/e. Relativamente ao combate à desigualdade na contratação de homens e mulheres, defendeu que “‘publicar e rezar’ não funciona” – anunciar a procura de candidatos de uma forma fria, formal e distante não solucionará a discrepância entre géneros. Afirmou a necessidade de tornar o contacto com os candidatos “mais pessoal”, incluindo mensagens “de pessoas com autoridade” no processo de seleção, para encorajar quem pode vir a concorrer à posição. O objetivo é, no fundo, impedir que quem possui as competências necessárias se abstenha de candidatar-se.

Em jeito de exercício, o investigador distribuiu um texto pela audiência, no qual era anunciada uma posição fictícia na carreira de investigação. Analisando o texto em conjunto com a audiência, Kroesen destacou as boas e más práticas (os ‘dos & don’ts’) do texto, rasurando frases que considerou restritivas como “é desejável que a sua investigação seja relevante para o contexto regional da faculdade” ou “são esperadas publicações internacionais e sucesso na aquisição de financiamento externo”. 

Gerrit Kroesen, do interesse pelas ciências à relação com o Técnico

“Cresci numa era em que a eletrónica era analógica”, conta Gerrit Kroesen em entrevista dada antes da Distinguished Lecture. “Durante a adolescência, já andava a desmontar relógios e rapidamente percebi que preferia as ciências”. As melhores notas eram a matemática, física e química, com especial predileção para esta última – “tinha o meu próprio laboratório num casebre nas traseiras da casa, com centenas de frasquinhos, balões de Erlenmeyer e diferentes químicos”, complementa.

Quando foi altura de escolher a via de estudo, no entanto, a decisão foi outra. “Em 1977, quando se estudava química, estudava-se para o desemprego. Havia uma enorme abundância de químicos na altura. Depois de visitar Dias Abertos de algumas universidades, acabei por escolher Física em Eindhoven”, explica o investigador. “A minha primeira experiência com ‘física a sério’ foi durante o meu primeiro ano como estudante, em 1977, quando fiz um projeto no grupo de física de plasmas. Portanto, comecei muito cedo nessa área e nunca a deixei”.

A maior diferença que aponta entre esses tempos e a atualidade? “A investigação deixou de ser motivada apenas pela curiosidade. Passou a ser investigação com relevância social”. Olhando para o trabalho que desenvolve atualmente, Kroesen afirma que “quase todas as coisas que [o grupo de física de plasmas faz] têm essa relevância para a sociedade. Há sempre uma aplicação que traz resultados a longo prazo, cinco ou dez anos depois”.

A relação com o Técnico surgiu no ano seguinte. “A minha primeira visita foi em 1978, no meu segundo ano. Anualmente, a nossa associação de estudantes organizava uma excursão para os seus membros. Nesse ano, viemos a Lisboa e, por coincidência, um dos destinos foi o grupo de física de plasmas no Técnico”. “Era a equipa do Carlos Matos Ferreira“, acrescentou Luís Lemos Alves, professor do Técnico que acompanhava a conversa, referindo-se ao antigo presidente da Escola, com quem Kroesen viria a cruzar-se mais tarde em conferências científicas da área.

Quanto ao cenário atual, o professor comentou que “a principal tarefa das universidades deve ser treinar trabalhadores. Se olharmos para a indústria, a tecnologia de plasmas está a ‘explodir’ em várias vertentes. Esta indústria gigantesca – porque falamos de dezenas de milhares de pessoas e de bilhões de euros à escala global – precisa de físicos de plasma treinados”. Kroesen adiantou um dos tópicos que viria a abordar minutos depois durante a Distinguished Lecture, os referidos chip acts. “Há quarenta anos, a principal questão da indústria era ‘dêem-nos tecnologia’, e foi nisso que as universidades se focaram. A questão que a indústria levanta agora é ‘dêem-nos pessoas’, e ainda não estamos a responder a isso de forma suficiente. Tenho a sensação de que também temos de mudar um pouco o nosso foco – não apenas tentar fazer a investigação necessária, mas também treinar as pessoas de maneira adequada. Qualquer pessoa nos Países Baixos que tenha educação em física de plasmas é ‘sugada’ para a indústria – até os piores estudantes!” [risos].

A diversidade de género na Física de Plasmas

Em relação à segunda parte da Distinguished Lecture, onde abordou a diversidade de género na sua área de pesquisa, o investigador relembrou uma iniciativa de meados de 2010, quando a TU/e propôs a contratação de seis novos membros para a equipa – apenas mulheres. “Quando comecei a olhar em volta à procura de candidatas, rapidamente me apercebi de que havia muito poucas. Na altura, tínhamos duas professoras num total de dezasseis docentes do departamento”. Não estava satisfeito com esta realidade. “Pensei ‘isto é absurdo!’. Em França, a participação das mulheres em Física é de 35%, em termos de pessoal e estudantes. Comecei a perguntar-me porque é que isto é assim e não encontrei nenhuma justificação para além do facto de que já há uma base, uma cultura de que ‘estudar Física não é só para rapazes'”.

A solução para este problema não lhe parece fácil nem de rápida execução – “Acho que o maior obstáculo está no recrutamento e em conseguir que as candidatas que possam existir efetivamente se candidatem. É aqui que as coisas falham em quase todos os sítios que conheço”. O professor referiu ainda uma ‘questão cultural’. “Também é preciso uma mudança de cultura, coisa que não vai acontecer em dez anos – é algo que demora uma geração inteira ou mais, até. É uma estrada que pode demorar 40 anos a percorrer (assumindo que uma geração são 20 anos, aproximadamente). Temos de criar um estímulo”.

Que medidas aplicar de momento, contudo? “Uma das coisas que fiz no nosso departamento foi organizar uma reunião com algumas alumnae e perguntar-lhes ‘o que podemos fazer, enquanto departamento, para melhorar a receção de estudantes do género feminino?’. Fiquei surpreendido com algumas respostas”. Na génese dessa surpresa estariam ideias como “desincentivar as atividades de recrutamento exclusivamente focadas em raparigas”, dando preferência, em vez disso, a que as mulheres que fazem parte do pessoal tenham maior ‘exposição’. “Certifiquem-se de que as alunas de liceu que nos visitam vêem professoras a andar por lá” e “certifiquem-se de que as pessoas que lhes darão as palestras são mulheres” foram alguns dos exemplos sugeridos durante essa reunião. Alguém avançou também a ideia ‘riam-se mais!’. Kroesen explicou que a alumna propôs a sugestão apelando a um aligeirar de formalidades e um relaxamento do ambiente dentro do departamento.

Munido das ideias introduzidas nessa reunião, Gerrit Kroesen passou à prática. Em 2015, à data do encontro, 5% das admissões feitas pela equipa eram mulheres. Em setembro de 2022, decorridos sete anos desde a reunião, o valor subiu para 30%. “O curioso é que [as medidas tomadas] são coisas sobre as quais nós [homens] nunca pensamos. Precisamos da perspetiva do grupo-alvo. Demora tempo, mas pode ser feito. Sei de outros sítios onde estes números também subiram de alguns pontos percentuais para 15% ou 20% – eles têm todo o tipo de medidas, mas esqueceram-se do primeiro passo que referi, a questão do recrutamento”.

Mesmo com estes resultados – que referiu durante a Distinguished Lecture como um indicador de sucesso – o professor admite que ainda “é preciso um bocadinho de sorte” para “encontrar os mecanismos corretos”. Não obstante, talvez sejam alguns dos passos nessa “estrada que pode demorar 40 anos a percorrer”.