“Espírito de líder, de inovador e de reformador”. “Uma impecável conduta ética, cumprindo e excedendo as suas obrigações académicas”. “A pessoa do Técnico que mais contribuiu para o ensino da informática”.
Estas foram algumas das declarações ouvidas no Centro de Congressos do campus Alameda do Instituto Superior Técnico, a 19 de dezembro, por ocasião da lição de jubilação de José Alves Marques. O professor da área de engenharia informática foi recebido por amigos e colegas numa cerimónia onde foram recordados os seus feitos académicos e profissionais. Para além dos discursos de diversas figuras ligadas ao ensino e à investigação do Técnico, o próprio José Alves Marques conduziu uma apresentação intitulada ‘4 paixões e uma reflexão ad-hoc ou talvez não’.
“Se dúvidas houvesse sobre o impacto do professor José Alves Marques no Técnico, no país e internacionalmente, bastaria olhar para este anfiteatro”, afirmou Rogério Colaço, com um gesto amplo que varreu a audiência que preenchia a sala. Na sua declaração inicial, o presidente do Técnico agradeceu o percurso de José Alves Marques no Técnico ao longo das décadas. Para si, o professor agora jubilado “é um exemplo daquilo que deve ser um académico – e estou a medir com cuidado as palavras”. Afirmando-o como um professor, investigador e gestor académico “de excelência”, Rogério Colaço elogiou ainda Alves Marques com um último gracejo – “pedi que me enviassem a nota biográfica do professor e devo ter recebido a versão resumida, porque só tem seis páginas”.
A ligação de José Manuel da Costa Alves Marques ao Instituto Superior Técnico estende-se por várias décadas até à atualidade. Com a conclusão do seu doutoramento em Arquitetura de Computadores no Institut Nationale Polytechnique de Grenoble em 1980, iniciava a sua atividade no Técnico no ano seguinte. Foi proponente, em 1982, do perfil de Computadores do Mestrado em Engenharia Eletrotécnica e de Computadores. Mais tarde, em 1988, efetuou a sua agregação no Técnico. No ano seguinte, viria a ser proponente da Licenciatura em Engenharia Informática e de Computadores.
Alves Marques esteve envolvido na criação de diversas unidades curriculares (UCs), bem como de um MOOC (Massive Open Online Course) de Sistemas Operativos que incide sobre a UC com o mesmo nome. Foi o primeiro funcionário do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores (INESC), do qual foi Diretor Nacional entre 1990 e 2000, estando a seu cargo a Área de Computadores e Informática. Foi ainda proponente do Departamento de Engenharia Informática em 1997, tendo presidido este órgão no seu ano de fundação, em 1998, e tendo completado mais três biénios no cargo – 1999-2000, 2005-2006 e 2017-2018.
A carreira e as recordações de colegas e estudantes
Na sua intervenção durante a cerimónia, João Pavão Martins, professor do Técnico também jubilado este ano, recordou estes e muitos outros pontos do percurso académico de Alves Marques. Destacou “o privilégio de ter trabalhado durante mais de 20 anos” com o docente, que considera ser “a pessoa do Técnico que mais contribuiu para o ensino da informática”.
Num outro momento do evento, foi traçada a ‘descendência académica’ de Alves Marques no Grupo de Sistemas Distribuídos do INESC – Investigação e Desenvolvimento (INESC-ID), partindo do conjunto de seis pessoas cujos doutoramentos o professor originalmente orientou – alguns dos quais se tornaram, entretanto, professores eles próprios. Repetido o exercício para cada um dos estudantes que estes docentes orientaram, foi produzida uma ‘árvore genealógica académica’ que, atualmente, conta já com vários ‘bisnetos’ a dar aulas e até mesmo um ‘trineto’.
Numa primeira fase, José Tribolet, igualmente um professor jubilado do Técnico, tentou recorrer à inteligência artificial para redigir o seu discurso. “Fui ao ChatGPT ver o que eu poderia dizer sobre o Alves Marques”, confessou. “A primeira coisa que ele escreveu foi ‘A razão dos meus cabelos brancos deriva do facto de que trabalho com o Alves Marques desde 1980’ [risos]. Aí, desliguei o ChatGPT [mais risos]”, acrescentou. Passando, nas suas palavras, “à inteligência natural” na sua restante intervenção, falou do “contributo pioneiro” de Alves Marques para “o desenvolvimento e consolidação das dinâmicas de transferência de tecnologia e do empreendedorismo tecnológico em Portugal”.
José Tribolet disse-se “extremamente de acordo” com a apreciação feita pelo presidente do Técnico ao percurso académico “exemplar” de Alves Marques, aproveitando para reforçar as competências deste último enquanto engenheiro – destacou a contribuição para os primeiros chips nacionais e a digitalização das estações de correio em meados dos anos 80, altura em que defende que houve “um salto quântico” graças “aos engenheiros da escola do Alves Marques”. Relembrou ainda o envolvimento do docente com a AITEC, “a primeira incubadora tecnológica [do país] na área das Tecnologias de Informação e Comunicação”.
Quando, por fim, chegou a vez do próprio José Alves Marques fazer a sua apresentação, o professor fez questão de agradecer à assistência, aos oradores que o antecederam e ao Técnico. A sua palestra estruturou-se em torno de quatro pontos – (1) ‘saltos quânticos’, referindo-se à evolução disruptiva da tecnologia; (2) ‘desenvolver fileiras’, apelando ao uso da engenharia para resolver problemas reais; (3) ‘criar mundos virtuais’, dando o exemplo da cloud como uma ferramenta ímpar da digitalização; e (4) ‘criar ficções’, denotando o poder das organizações enquanto impulsionadoras de mudança. Acrescentou ainda que, no seu entender, a designação ‘engenharia informática’ tornou-se redutora. Defendeu que o título atualizado que a área merece é ‘engenharia da digitalização’, uma vez que a tecnologia tem ganhado contornos cada vez mais transformadores da sociedade.
A sua palestra terminou ao som de ópera, uma das suas paixões, enquanto projetava uma compilação de fotografias retratando diversos momentos da sua vida. Invocando os instantes finais de Der Rosenkavalier de Strauss, Alves Marques relembra que Marschallin, uma das personagens principais, deixa cair um lenço no chão do palco antes de se retirar de cena finalmente, com as palavras “é um sonho / não pode ter sido verdade”. O docente partilha a declaração da personagem, confessando que se sentiu incrédulo perante o conjunto de memórias que a fotomontagem encerra – memórias de um professor do Técnico que deixou a sua marca, o seu lenço no chão do palco, antes da cortina fechar.