Imagine um Engenheiro Aeroespacial que sonhava trabalhar em Fórmula 1, com uma apetência nata para ser um ótimo engenheiro de pessoas, e que talvez por isso acabou por descobrir a sua realização profissional numa série de desenhos animados para ajudar as crianças a comer melhor. É mais ou menos assim, com um gostinho de humor à mistura – como o próprio faz questão – que podemos resumir o percurso sui generis de Rodrigo Carvalho, fundador da Nutri Ventures, desde o Técnico até ao empreendedorismo.
Rodrigo Carvalho era o conhecido “brasuca” da primeira edição do curso de Engenharia Aeroespacial do Técnico. Queria muito ser “aeordinamicista de carros de Fórmula 1” e o Técnico veio como uma etapa a ultrapassar na conquista do sonho: “escolhi o Técnico porque era a única universidade em Lisboa que oferecia este curso e pela excelente reputação que possui”, relembra. Por cá, esperava encontrar a “cromolândia e realmente encontrei”, diz com o sorriso contagiante que o carateriza. Rapidamente percebeu, porém, que este seria apenas um estereótipo e que tinha tudo para ser feliz, “afinal eramos apenas malta jovem, porreira, à procura do seu lugar ao sol, ou, neste caso, no espaço”. Essa mesma “malta” que acabou por se tornar o que de melhor guarda desses tempos. “O melhor foi, e ainda são, as pessoas! As recordações especiais prendem-se todas com a parte humana e emocional de viver e sobreviver ao Técnico”, frisa o co-fundador da Nutri Ventures.
Depois do Técnico, Rodrigo Carvalho foi conseguindo tudo o que queria, mas o que queria foi mudando. Fez um mestrado em Aerodinâmica em Cranfield, uma das melhores no setor da aviação, e o seu supervisor da tese descortinou-lhe um dos seus verdadeiros talentos: “és um bom engenheiro de coisas, mas podes ser ainda melhor como engenheiro de pessoas”. Rodrigo como um bom adepto de desafios que é, foi procurar saber se era mesmo assim. “Depois de várias e divertidas tentativas, que quase dariam para escrever um livro, acabei por ‘tropeçar’ no processo de recrutamento da Procter & Gamble que, sem olhar para o background, dava a oportunidade aos finalistas de experimentar, na prática, várias áreas da empresa – Marketing, Vendas, Logística, etc.”, relata Rodrigo Carvalho. Seguiram-se outras experiências, todas elas com um prazo de validade definido pela sensação de que “já não estava feliz”. “Parecia que faltava sempre qualquer coisinha que eu não sabia o que era”, conta o alumnus do Técnico.
A qualquer “coisinha”, como lhe chama, sempre esteve lá, afinal Rodrigo Carvalho sempre foi um empreendedor em “part-time” como o próprio se intitula. Criou ONGs enquanto estudava, duas empresas que geria à noite enquanto trabalhava durante o dia e “vários projetos de ‘empreendorismo por conta de outrém’ nas organizações por onde passei”, partilha. Sabia que queria criar, mas tinha medo de arriscar, e por isso preferia “engravidar só um pouquinho”, brinca. Depois de ultrapassado o medo de arriscar, o “grande parto” chega com a Nutri Ventures, a sua quarta empresa, mas a primeira que realmente atingiu uma grande dimensão. “Conseguimos não só atingir uma impressionante notoriedade internacional, como ficou provado que ajudamos as crianças a terem comportamentos alimentares mais saudáveis e fez com que pelo menos dois gigantes da indústria alimentar desenvolvessem promoções focadas em alimentos saudáveis”, realça o co-fundador da empresa. “Para mim, estas sim foram as grandes conquistas da Nutri Ventures e, diria eu, mais importantes do que a marca em si ou a meta de ter sido vendida para 47 países”, assinala posteriormente.
Porque o espírito empreendedor assim o dita e porque o “querer” do alumnus continua a regenerar-se com a aprendizagem, Rodrigo Carvalho está a preparar-se para abraçar outro desafio: está prestes a lançar uma nova empresa chamada Little Cities. “Será o primeiro guia turístico digital para famílias baseado em storytelling”, revela. O projeto arranca em fevereiro, em Nova Iorque, “e é lá que durante este ano vamos aprender sobre esta ferramenta, fazê-la crescer e procurar ser felizes enquanto fazemos isso”, diz.
“Isto de ser empreendedor é tão duro que no mínimo tem que acabar por ser divertido”, é uma das máximas de Rodrigo Carvalho para “sobreviver” ao lado menos positivo do empreendedorismo. “Ao empreender estamos sempre a buscar o SIM, mas rapidamente nos apercebemos que estes momentos são uma belíssima exceção”, expõe. Apesar do ar descontraído, da leveza com que narra os obstáculos, acredita e quer ter impacto com aquilo que faz: “o que quer que venha a ser o mundo no futuro, vai depender muito das empresas que criamos agora”, afirma. “Ter na génese das startups uma forte e verdadeira cultura de empreendedorismo social, é uma responsabilidade que todos os fundadores deveriam assumir. Acredito sinceramente que é uma forma muito eficaz de mudar o mundo”, colmata.
Apesar das funções que hoje exerce estarem muito distantes de todo o conteúdo que absorveu em Aeroespacial, não se arrepende da escolha que fez há uns anos atrás. “O Técnico ensinou-me a ser desenrascado e a aprender a aprender, que são características essenciais num empreendedor”, declara o alumnus. Além disto a engenharia é sempre um ótimo argumento para ter em carteira: “permite-me sempre ter uma grande e divertida resposta para quando alguém está a tentar armar-se em espertinho comigo e usa a expressão ‘this is not rock science”.