O bioengenheiro Jonathan S. Dordick foi laureado com o grau Honoris Causa da Universidade de Lisboa numa cerimónia que decorreu a 12 de abril no Centro de Congressos do campus Alameda do Instituto Superior Técnico. Joaquim Sampaio Cabral, professor do Técnico que viria a tornar-se emérito no mesmo dia, apadrinhou a atribuição e, no seu discurso durante o evento, apelidou Dordick de “amigo de longa data”, destacando uma carreira que levou à criação de diversas empresas, à publicação de cerca de 430 artigos científicos e à orientação de 70 estudantes de doutoramento. É o primeiro grau Honoris Causa a ser atribuído por iniciativa de um membro do Departamento de Bioengenharia.
Jonathan Dordick, em entrevista no dia anterior à cerimónia, detalhou este percurso e a sua relação com o Técnico, incidindo sobre a origem da sua paixão pela bioengenharia e relatando o seu envolvimento na procura da síntese do anticoagulante heparina, fármaco essencial em ambiente hospitalar, mas que, até à data, é obtido primariamente a partir do intestino de porcos. Com a síntese em laboratório, a substância tornar-se-á menos passível de ser contaminada e seguirá uma trajetória semelhante à feita pela insulina, anteriormente extraída de porcos e atualmente produzida inteiramente em laboratório.
Como sumarizaria a sua carreira?
Jonathan Dordick (JD) – Suponho que a caracterizaria como um ‘percurso bastante diverso através da biotecnologia’. Comecei a trabalhar em áreas referentes à biocatálise – e ainda o faço -, mas foi esse o meu foco durante a primeira metade da minha carreira. Depois, debrucei-me sobre aplicações mais biomédicas. Em particular, foquei-me na engenharia em torno do cultivo de células. Mudei-me para a otimização de processos de biofabrico e em como miniaturizar esses processos. Esta abordagem já levou a avanços na área da descoberta e análise de fármacos – criámos algumas empresas nestes domínios.
Também investigámos modos de identificar novos tipos de enzima que possam ter usos farmacêuticos. Por exemplo, desenvolvemos enzimas que são muito úteis para eliminar bactérias específicas. Podem vir a ser muito úteis para a saúde humana, porque estamos a matar a bactéria-alvo, mas não o que está à sua volta. Isto é importante porque o uso excessivo de antibióticos leva à criação de bactérias resistentes, e aquilo que estamos a usar aqui é mais semelhante ao que “a Natureza usa” para matar organismos invasores – tal como cada bacteriófago ataca um tipo específico de bactéria.
Como é que surgiu o seu interesse pela ciência?
JD – Sempre me interessei por ela. Foi desde sempre a minha disciplina favorita. Fiz o meu percurso pela universidade e não tinha bem a certeza do que queria fazer. Cheguei a pensar que talvez devesse tornar-me médico, mas a ideia de ter de atender pacientes não me entusiasmava muito [risos]. Lembro-me de, um dia, ter ido ao gabinete do meu conselheiro durante o curso e de lhe ter dito que não sabia aquilo que queria fazer, mas que queria uma coisa mais quantitativa. Na altura, estava a estudar Bioquímica e ele disse-me “bom, talvez devesses seguir Engenharia Bioquímica”, coisa da qual nunca tinha ouvido falar. Decidi candidatar-me ao MIT (Massachusetts Institute of Technology), entrei e fiz o curso de Engenharia Bioquímica, [área] que consiste em usar sistemas biológicos para desenvolver tecnologias para benefício da produção farmacêutica, da medicina, da indústria alimentar e de áreas de sustentabilidade.
Que pontos destacaria na sua carreira?
JD – Acho que o mais relevante será ter orientado cerca de 70 estudantes de doutoramento. Ao fim e ao cabo, isso é o mais importante porque depois eles criam as suas próprias carreiras, seja na academia, na indústria… até já tenho “netos académicos” a desenvolver as suas carreiras. Também publiquei bastantes artigos – cerca de 440 – e, naturalmente, os meus orientandos também publicaram os seus. Criei seis empresas, todas na área da biotecnologia, e esse é um ponto interessante porque se desenvolve novas tecnologias que levam a novas formas de criar fármacos usando sistemas biológicos.
E sobre criar fármacos de novas maneiras…
JD – Recentemente, temo-nos focado na produção de heparina, um anticoagulante usado em ambiente cirúrgico e no tratamento de muitas doenças. O problema é que é extraída do intestino de animais, especialmente de porcos. Anualmente, é extraída a heparina de mil milhões de porcos [(que frequentemente são aproveitados para fins alimentares em simultâneo – os dois processos não se impedem mutuamente)]. Ora, a Food and Drug Administration (FDA) [órgão norte-americano que regula fármacos, alimentos e outras substâncias para consumo humano e veterinário] quer separar as cadeias alimentar e farmacêutica. Outro problema é a contaminação com substâncias que parecem heparina mas não o são. Isso causou problemas enormes no fornecimento deste fármaco, que está na lista de medicamentos mais importantes [da Organização Mundial de Saúde]. Sem heparina, não é possível fazer várias coisas – diálise, cirurgias ao coração… portanto, quisemos encontrar uma forma de biofabrico de heparina e desenvolvemo-la. Neste momento, está a aguardar aprovação pela FDA. O nosso objetivo é fazer algo muito parecido com o que aconteceu com a insulina, que anteriormente também era extraída de porcos.
Como conheceu Joaquim Sampaio Cabral?
JD – Eu estudava no MIT e ele, na altura, era pós-doutorado. Fazíamos parte do chamado ‘Grupo de Engenharia Bioquímica e Microbiologia Aplicada’. Entretanto, o professor Sampaio Cabral mudou-se para cá [i.e., para o Técnico], mas já me visitou algumas vezes e eu já fiz muitas mais visitas a Lisboa. Em alguns casos, vim a reuniões, noutros por ocasião de intercâmbio de estudantes e programas doutorais. Mantivemos esse contacto desde meados da década de 80.
O que é que este grau Honoris Causa representa para si?
JD – Este tipo de graus não é muito comum, pelo que representa uma honra significativa. É-nos atribuído devido ao trabalho que fazemos e reconhece não apenas a minha pessoa mas também todos os que trabalharam comigo, incluindo esta interação de longa data com o Técnico. Tem um ‘sabor muito doce’ por já ter estado cá muitas vezes e conhecido muitas pessoas.
Que palavras dirigiria aos estudantes desta área?
JD – O mais importante é seguirmos o que mais nos entusiasma. É frequente perseguirmos aquilo que nos dará financiamento porque temos de fazer isso – não conseguimos trabalhar sem ele, certo? No entanto, ao mesmo tempo, procurem sempre oportunidades de fazer coisas entusiasmantes. Usem o financiamento como ‘rampa de lançamento’ para outras coisas que vos estimulam. Por vezes, as duas coisas ocorrem em simultâneo – conseguem financiamento numa área de interesse, mas isso não acontece sempre. Certifiquem-se de que seguem as vossas paixões porque, se o fizerem, mesmo que haja altos e baixos, estarão sempre motivados.