A circulação de veículos, a gestão de energia e a organização dos serviços urbanos dependem cada vez mais de processos automáticos que analisam informação em tempo real. Estes sistemas – discretos, mas disseminados – revelam como a inteligência artificial (IA) se tornou parte integrante das operações que sustentam a vida urbana. Este foi o ponto de partida para a sessão “Cidades e Casas Inteligentes: Como a Inteligência Artificial transforma o espaço comum”, realizada a 21 de novembro no Técnico Innovation Center powered by Fidelidade, integrada no ciclo de conversas “A Inteligência Artificial em interação no mundo físico”.
O encontro reuniu João Paulo Costeira (Instituto Superior Técnico e Instituto de Sistemas e Robótica ISR-Lisboa/LARSyS), Ernesto Morgado (SISCOG), e Miguel Carvalho (Watt-IS), com moderação de Paulo Ferrão (Técnico e Centro de Estudos em Inovação, Tecnologia e Políticas de Desenvolvimento IN+/LARSyS), num diálogo centrado na forma como territórios inteligentes e domicílios conectados estão a emergir através da análise de dados e da automação.
Ernesto Morgado abriu a discussão enquadrando a evolução dos transportes públicos num cenário onde previsões, perturbações e variabilidade moldam as decisões operacionais. A necessidade de “planear uma oferta para cada procura” exige modelos capazes de interpretar ritmos diferenciados de utilização e configurações de trânsito. A “complexidade urbana”, afirmou, torna necessário organizar e tratar dados recorrendo a processos de “otimização multi-objetivo” que conjuguem fatores económicos, ambientais e sociais. Sublinhou ainda que a infraestrutura tecnológica já permite processar grandes volumes de dados em tempo real, mas que a adoção deve ser progressiva: “A inteligência artificial não pode ser imposta”. A definição de protótipos e métricas que acompanhem a evolução dos sistemas foi apresentada como condição para reforçar a confiança de operadores e utilizadores.
Já Miguel Carvalho, alumni de Engenharia Informática e de Computadores do Técnico, trouxe ao debate o ponto de vista da eficiência energética e do papel dos dados na gestão de redes elétricas em bairros e cidades. Explicou como medições de consumo realizadas “a cada 15 minutos” permitem identificar padrões de utilização, apoiar ajustes informados por parte dos consumidores e reforçar a flexibilidade e a resiliência das infraestruturas, acrescentando que o objetivo de “maximizar o autoconsumo” resulta de uma trajetória que passa da recomendação à atuação automática em tempo real, capaz de “reduzir custos mantendo o conforto do utilizador”.
No mesmo contexto, apontou para a evolução do sistema energético português, marcada pela “partilha de energia e pela expansão de soluções fotovoltaicas descentralizadas”. A análise contínua de dados e a capacidade da rede para se ajustar, são “fundamentais para integrar renováveis e reduzir emissões de CO₂”, defendeu.
A observação do espaço urbano voltou ao centro das atenções com a intervenção de João Paulo Costeira, que abordou a análise visual aplicada ao tráfego, à deteção de anomalias e à modelação de comportamentos urbanos. “O vencedor vai ser híbrido”, afirmou, referindo-se à combinação entre abordagens clássicas e sistemas baseados em dados. O investigador alertou ainda para a importância de tornar os algoritmos acessíveis e compreensíveis, alertando para o risco de dependência de soluções de “grandes plataformas proprietárias” e reforçando que essa é “parte da sua missão enquanto cientista”.
Ao longo da sessão, a discussão cruzou temas como manutenção preventiva, participação cidadã, gestão de recursos e adaptação em tempo real, compondo um retrato de cidades em que a IA atua sobre mobilidade, energia, serviços públicos e segurança. A reflexão estendeu-se à integração de diferentes tecnologias num ambiente urbano complexo. Ernesto Morgado afirmou que a “resolução de problemas urbanos exige a conjugação de várias tecnologias”, sublinhando a necessidade de equilibrar automação, supervisão e tomada de decisão humana.
A sessão terminou com uma convergência de posições dos intervenientes sobre a importância de integrar a inteligência artificial de forma gradual e transparente, orientando-a para necessidades concretas e apoiando-a em mecanismos de supervisão que garantam o funcionamento fiável dos sistemas, em articulação com as infraestruturas existentes e com os usos quotidianos da cidade.
O ciclo “A Inteligência Artificial em interação no mundo físico” prossegue no dia 12 de dezembro, com o tema “Redes Inteligentes para um Futuro Sustentável: Energia, Água, Ambiente e Agricultura”, também no Técnico Innovation Center powered by Fidelidade, com entrada livre.