Campus e Comunidade

“Toda a minha carreira é motivada por curiosidade intelectual”

Entrevista com o professor catedrático do Instituto Superior Técnico que se jubilou recentemente, professor Luiz Braga Campos.

A janela do gabinete do professor Luiz Braga Campos dá-nos uma vista privilegiada sobre o céu de Lisboa. lá dentro a vista é para o conhecimento. Os livros, os dossiers de investigação, as folhas repletas de apontamentos, mas principalmente o discurso do docente jubilado do Técnico, são estímulos que nos espicaçam a vontade não parar- algo que aliás caracteriza bem o entrevistado.

A recente jubilação do docente do Departamento de Engenharia Mecânica, mas acima de tudo os 50 anos de carreira servem de mote para uma conversa longa onde nos falou do passado e da sua visão privilegiada- pelo saber que detém- sobre o futuro. Com a frontalidade que todos lhe conhecem, recordou a paixão pela tecnologia que o trouxe até à Engenharia e as vozes que teve que calar quando a sua vontade de voar mais alto foi mal interpretada.  Sabe o papel determinante que teve na génese do curso de Engenharia Aeroespacial, mas prefere destacar “o gozo” que lhe deu criar o curso que gostava de ter tirado. A sua obra fala por si, mas ainda assim continua a vir todos os dias para o Técnico com vontade de a ampliar.

Viajemos um pouco atrás no tempo, e a primeira paragem pode mesmo ser a altura em que surge a sua paixão pela Aeronáutica.  

Professor Luiz Braga Campos (B.C): Comecei a interessar-me desde muito cedo por Aeronáutica. Devia ter os meus 10 anos quando despertou a minha curiosidade para as questões geoestratégicas e a política a nível mundial, comecei a tentar saber mais sobre tecnologias militares, e depois a certa altura foquei-me então na Aeronáutica. Foi aí que percebi o quanto a tecnologia me entusiasmava.

Podia ter estudado o que quisesse dado as suas excelentes notas e gostos diversificados. Escolheu a Engenharia por causa desse entusiasmo pela tecnologia?

B.C: De certo modo, mas não só. A decisão de seguir Engenharia vem de outro aspeto, porque de facto tenho quer interesses técnicos, quer interesses humanísticos, embora estes últimos sejam menos conhecidos por todos. Mas sempre soube, e tendo vivido no período de ditadura isso tornou-se ainda mais claro, que queria ter uma carreira profissional que fosse válida em qualquer parte do mundo, e que se um dia a conjetura política não me agradasse eu poderia ir para outro país, não estando dependente de nenhuma instituição, nem de nenhum país. A Engenharia dava-me essa segurança. A tecnologia é universal, e a aeronáutica é uma paixão por ser a tecnologia mais avançada e interdisciplinar.

Na altura não pôde tirar o curso de Aeronáutica porque o mesmo não existia em Portugal. Mais tarde haveria por ser o principal responsável por cobrir essa lacuna…

B.C: É verdade, o que não deixa de ser curioso! Contribui para o curso que eu gostava de ter tirado. E quando estávamos a construir o curso, pensei exatamente no que é que gostava de ter se ainda fosse aluno, e a surpresa mais agradável nisto tudo foi chegar à conclusão que havia muitos jovens que tinham os mesmos gostos que eu. Procurámos criar um curso que desse uma visão global para o futuro. Quando pensamos em Engenharia é essa preocupação que temos que ter.

E dos tempos de aluno guarda boas recordações?

B.C: Boas e más, e tinha tudo muito a ver com os professores que tinha. O Técnico na altura era uma escola a tempo parcial.  Não havia, no país em geral, nenhuma preocupação com o sucesso escolar.  Os alunos vinham às aulas e como não tinham sítio para estudar iam-se embora. A grande maioria dos docentes tinha outro emprego, vinha ao Técnico despejar as folhas arcaicas das sebentas e ia embora. Mas havia exceções e as boas recordações vêm daí. Havia docentes como o professor António Falcão que fazia umas folhas extremamente cuidadas, e havia outros como o professor Gouvêa Portela que mesmo tendo uma carreira dupla, na indústria e academia, se dedicava aos seus alunos.

“Sempre fui extremamente independente, é a minha forma de ser”

Essa despreocupação com o ensino desmotivou-o ou melindrou-o?

B.C: Não. Sempre fui extremamente independente, é a minha forma de ser. Faço aquilo em que acredito e não sou permeável nem à pressão, nem a “balelas”. Estudava por mim. Claro que lia as folhas que comprava na associação dos estudantes, e lia os livros recomendados, mas não me limitava a isso, estudava também por livros de referência. Nem sempre isso foi bem aceite por alguns professores, nomeadamente os menos competentes que achavam que era uma ofensa o aluno dizer algo diferente do que tinham ensinado, e tentavam dar-me notas mais baixas do que aquilo que merecia. Por outro lado, havia felizmente professores que valorizavam o facto de terem um aluno que era interessado e que estudava por si, não se limitando a despejar a matéria.

E foram esses professores que mais tarde o inspiraram a ser docente, ou ensinar foi algo que sempre se viu a fazer?

B.C: A minha opção foi por uma carreira tecnológica e com qualificações válidas em qualquer parte do mundo, e podia ter ido para uma empresa ou seguido este lado académico. Mas sim, talvez tenha havido algumas influências do professor Gouvêa Portela e do Professor Sir James Lighthill, duas das pessoas mais excecionais que encontrei na minha vida e que claramente estão muito acima de tudo o que eu vi.

“Aprendi ao longo da vida, que as pessoas mais competentes eram também as pessoas humanamente mais profundas”

Foi com o professor Gouvêa Portela que começou a ser monitor?

B.C: Já era monitor de física, e um dia o professor Gouvêa Portela desafiou-me a ser monitor de mecânica aplicada. Dava-me coisas para estudar e costumava dizer: “o dia mais feliz na nossa relação é quando tu fizeres alguma coisa que eu não sei fazer, ou quando fores além do que conheço”. E este é que foi o grande exemplo que recebi. Muitas vezes as pessoas julgam que os grandes cientistas são pessoas que vivem na lua, mas não é nada disso os grandes cientistas são grandes humanidades, porque para se chegar muito longe em qualquer domínio, é preciso um grande sacrifício e dedicação pessoal, e só pessoas com grande estofo humano é que o fazem. Aprendi ao longo da vida, que as pessoas mais competentes eram também as pessoas humanamente mais profundas.

Foi também o professor Gouvêa Portela que o desafiou a ir para Cambridge, certo?

B.C: Exato, disse-me que aqui já não aprendia nada e desafiou-me a ir fazer um doutoramento. O professor António Falcão que tinha feito o doutoramento em Cambridge deu-me a carta de recomendação, a que se juntou claro a carta do professor Gouvêa Portela.

Então a sua carreira académica acabou por ser fruto do caminho que foi fazendo e do seu sucesso académico?

B.C: O que me atraiu para a carreira académica primeiro foi o facto de gostar de investigação porque isso saciava a minha curiosidade científica. Por outro lado, acaba por ser das carreiras mais independentes que existe e tem uma certa segurança associada também. E atenção que não vejo a segurança de uma forma passiva, vejo-a como a forma de eu seguir os meus próprios princípios, não tendo que assumir muitos compromissos com os quais não me identifico. Com esta carreira eu podia ter a minha independência e fazer aquilo que eu gosto, sendo ao mesmo tempo útil ensinando e fazendo investigação.

Quando acabou o doutoramento, a conjetura politica e social em Portugal não era a melhor. Podia ter ficado em Cambridge, mas decidiu regressar…

B.C: Sim, por uma questão de princípio. O meu doutoramento em Cambridge foi um bocadinho caro, e achei que Portugal não sendo um país rico e tendo feito um investimento grande em mim, eu devia retribuir. O contrato que assinei com o Instituto de Alta Cultura que me deu a bolsa dizia que havia a obrigação de voltar e lecionar durante 10 anos, mas não havia nenhuma punição para quem não voltasse. Aliás, umas boas centenas nunca voltaram. Há até quem ache que os nossos melhores cientistas são os que ficaram lá fora e não os que voltaram… ( sorri)

“As condições de investigação não eram boas nem más, simplesmente não existiam”

O professor foi um dos que voltou apesar das dificuldades que adivinhava e das condições que não existiam. Ficar teria sido mais fácil…

B.C:  Teria claro, mas tinha o dever de voltar, mesmo as perspetivas não sendo muito boas. As condições de investigação não eram boas nem más, simplesmente não existiam. Além disso, sabia que ia ter uma quantidade enorme de problemas quando voltasse, porque simplesmente eu não seguiria o método de ensino que existia porque não me identificava com ele.

E a sua vontade de mudança foi bem-recebida?

B.C: Para muitos eu era um objeto estranho. Aquilo que eu fazia é aquilo que é banal hoje, mas naquela altura era o contrário de tudo. Fui muitas vezes criticado e até sabotado. Mas nunca ninguém me conseguiu pôr em causa cientificamente e isso acabou sempre por prevalecer.

O panorama no Técnico alterou-se um bocadinho nos anos 90?

B.C: A mudança no Técnico aconteceu com a alteração do estatuto da carreira docente universitária que deu incentivos para as pessoas ficarem em permanência na Universidade, e isso muda tudo completamente. Mesmo fisicamente a diferença foi colossal, porque a área do Técnico multiplicou por três ou quatro. Os docentes passaram a ter gabinetes. Começaram a existir laboratórios, projetos de investigação e toda essa dinâmica. Alguns dos doutorados portugueses decidiram regressar, os que vieram para o Técnico e conseguiram sobreviver ao deserto foram os que criaram os grupos que existem hoje.

Outros para além disso, ainda ajudaram a criar cursos de sucesso, como foi o seu caso. Como surge a ideia de criar o curso de Engenharia Aeroespacial?

B.C: Como lhe disse aeronáutica sempre foi a minha paixão, mas eu tomava esses interesses como um gosto meu apenas. A ideia da criação do curso em si veio do professor Otto Gerlach que era simultaneamente professor de Mecânica de voo em Delft e diretor do NLR [instituição de investigação aeronáutica holandesa] que fez uma visita ao Técnico.  Ele disse, e bem, que tínhamos aqui umas boas centenas de engenheiros, que ajudavam a construir aviões, operavam aviões e satélites, e alertou para que isso era mais do que justificação para haver um curso na área.  Tinha toda a razão.

“Percebi que era uma ideia com sentido e potencial, mas fui considerado o maluquinho dos aviões”

O professor tomaria essa luta como sua e conseguiu arrancar com o curso.

B.C: Percebi que era uma ideia com sentido e potencial, mas fui considerado o maluquinho dos aviões. Depois houve o programa de aeronáutica europeu, e o Técnico era a instituição que tinha mais projetos e calaram-se os críticos.  Depois tratei de defender o meu ponto de vista na criação do curso. Já que começámos tarde, não nos podíamos acomodar na herança histórica, tínhamos que fazer um curso virado para o futuro. Defendi um curso desde o primeiro ano porque Engenharia Aeroespacial é extremamente interdisciplinar, podendo os alunos a partir do terceiro ano diversificar.  E isto acaba por ser muito atraente para os estudantes porque os próprios têm muita dificuldade em escolher o curso no primeiro ano.

Esse é um dos fatores que contribui para o sucesso do curso?

B.C: Também, mas há outros. Aeronáutica e espaço são assuntos fascinantes, e são tecnologias avançadas muito multidisciplinares. Depois quando se chega ao mestrado o curso dá para tudo. Há também outros fatores como o facto de termos intercâmbio com o estrangeiro, termos programas de duplo grau, ou de o nosso curso ser válido em toda a parte, e ter empregabilidade total. Tem todos os fatores de atratividade.  O que é que se pode querer mais de um curso universitário? É trabalhoso sim, mas não é desumano. A maior parte dos alunos consegue fazer em 5 anos porque são muito bons.

Sente que este curso foi o seu grande contributo para o Técnico?

B.C: Penso que acabou por ser, embora eu tenha trabalhado muito para além disso e feito muitas coisas. Foi pelo menos a experiência mais gratificante para mim.

Qual é a sua maior obra, tudo o que ensinou ou os livros que escreveu e permitirão outros continuar a ensinar?

B.C: Ambos. Estes livros são talvez a obra que me deu mais trabalho ao longo da vida. Mas eu fiz muitas outras coisas. Publiquei artigos científicos, tenho muitas participações em comissões internacionais, estive envolvido em vários projetos internacionais, fui representante de Portugal em muitas instituições e também colaborador a título individual. Tenho uma carreira muito variada, e tudo isto dá uma carga de trabalho tremenda. Devo trabalhar 16 horas por dia, mas são tudo coisas interessantes e que gosto de fazer. Isso é o mais importante.  Os livros são a parte mais constante do meu trabalho, a mais trabalhosa… É provavelmente aquela que dá mais trabalho e menos benefício a curto prazo.

Se dependesse de si não se jubilaria?

B.C: (Sorri). Há certos países em que é ilegal discriminar com base na idade, como por exemplo em Inglaterra. É um princípio interessante. Acho curioso haver uma idade obrigatória de reforma. Não há a opção de a pessoa continuar depois da reforma voluntariamente. Até fiz uma carta ao primeiro ministro a sugerir que as pessoas pudessem trabalhar depois da reforma com duas condições: primeiro serem substituídos, portanto, não bloqueando a carreira de ninguém nem envelhecendo a instituição; por outro lado o vencimento era pago pelo fundo de reforma e não pela instituição. As pessoas continuavam ativas, ninguém perdia nada e aumentava-se a força de trabalho ao mesmo tempo porque as pessoas continuavam a produzir. Curiosamente recebi uma reposta do chefe de gabinete do ministro dizendo que tinha mandado a carta para o Ministro do Trabalho. Entretanto, saiu um decreto que não sei se tem a ver com a minha carta ou não que diz que as pessoas podem trabalhar para além da reforma se a instituição quiser, mas pelo que me parece faltam lá as cláusulas essenciais e que são desejáveis para que ninguém saia prejudicado, e para que a situação seja justa e equilibrada.

“Quando chego ao fim do dia pergunto-me sempre se fiz algo que pode ter algum valor duradouro”

Se há algo que consigo depreender desta conversa, é que é um eterno insatisfeito…

B.C: Isso também é um bocadinho verdade. Eu vou a uns jantares com os meus colegas de Liceu Pedro Nunes, e a maior parte dos meus colegas já se reformou há alguns anos, e aquilo que noto como principal diferença face aos mesmos, é que eles estão tão satisfeitos com eles próprios e eu não… (risos). Quando chego ao fim do dia pergunto-me sempre se fiz algo que pode ter algum valor duradouro.

É isso que o move?

B.C: Todos os dias procuro fazer alguma coisa que tenha algum valor intrínseco. É com essa motivação que venho todos os dias para o Técnico, e sinto muitas vezes que só consigo fazer isso quando todos os outros acabam de trabalhar, muito por causa de todas as burocracias, e todos os imprevistos que surgem no dia a dia. Os meus livros são muitas vezes o resultado do trabalho fora de horas, ao fim de semana, nas férias.

Aproveitando a sua faceta visionária, o que podemos esperar na área da Aeronáutica no futuro?

B.C: Muitas coisas, a maior parte delas boas, algumas podem ser más até porque as tecnologias têm sempre dois lados. Há até quem diga que a tecnologia não é neutra, eu não concordo. A tecnologia é neutra, nós é que a podemos usar de muitas maneiras. As tecnologias mais avançadas têm este efeito de forma redobrada. Os drones, por exemplo, podem ser uma coisa muito boa, ajudam-nos a detectar incêndios e uma data de coisas boas, mas também podem ser usados para fins menos positivos.

Mas a aeronáutica é uma área de expansão garantida?

B.C: Sim, a não ser que a humanidade retroceda. Se formos ver a evolução da aeronáutica é paralela à evolução do crescimento económico praticamente desde o início do século XX.  A aeronáutica cresce tipicamente 2 a 7% por ano dependendo da região do mundo. E assim continuará a ser.

Vamos ter mais aeronaves robotizadas?

B.C: O potencial destas aeronaves é muito grande, mas há muitos problemas associados. Quando aparecem estas tecnologias novas há uma grande tendência para os chamados “quadros cor-de-rosa”, metendo para debaixo do tapete todos os problemas, vendo apenas as vantagens. Costumo dizer que não faltam neste mundo os vendedores de “quadros cor-de-rosa”.  No caso da levitação magnética, por exemplo, é claro que vai acabar por acontecer, mas não é barato e não é daqui a 5 anos que vai acontecer, e nem vai substituir tudo de um momento para o outro. É preciso antever e analisar várias questões, vários riscos, e é preciso pensar tudo isso antes de o implementar.

E vai haver cada vez mais drones a dividir os céus com os aviões?

B.C: Há quem diga que os aviões elétricos de descolagem vertical vão substituir os carros, serão os táxis aéreos. Mas esses aviões elétricos têm um alcance de 30 quilómetros e uma velocidade de 100 quilómetros por hora. É pouco, não é? Um carro faz muito melhor. Atualmente os drones têm 3 limitações: só podem voar dentro do alcance visual, isto quer dizer que não podem voar de noite nem com mau tempo, nem podem sobrevoar pessoas. Porquê? Se os pusermos a voar juntamente com os aviões em princípio têm que ter os mesmos padrões de segurança destes, e teríamos que projetar um drone como se projeta um avião. Há muitas questões que têm que ser resolvidas antes de chegarmos até aí.

A outra grande evolução, porém, surgirá quando começarem as microtecnologias. O avião atual é uma espécie de grande pássaro, maior, com mais velocidade e com maior alcance, mas no futuro é capaz de haver o inverso: o avião do tamanho de uma mosca. E se for para transportar passageiros e carga usamos o “pássaro”, mas se for para transportar um sensor ou outra coisa qualquer de menor dimensão pode ser feito através da “mosca”.

“Se pensarmos no futuro da humanidade, este passa mesmo pelo espaço”

Já se falarmos do Espaço, o crescimento será sempre tremendo e incontornável, concorda?

B.C: Sim, o potencial de crescimento é enorme. O espaço já é muito importante para a terra, e hoje em dia já temos mais essa noção. A influência do espaço na vida na Terra é muito grande. A longo prazo há também a questão do futuro da humanidade no nosso planeta. Estamos a chegar aos limites da Terra, e a exploração do espaço é a solução para a humanidade. Se pensarmos bem a tecnologia espacial é o futuro da humanidade. E os problemas não são só tecnológicos, também temos os problemas fisiológicos de adaptação do corpo humano ao espaço. A longo prazo, a exploração do espaço vai requerer a capacidade para fazer grandes naves espaciais, mas também para criar condições para a adaptação do corpo humano e ter a capacidade de produzir alimentos e reciclar detritos. Isto é que é o grande desafio a longo prazo.  Se pensarmos no futuro da humanidade, este passa mesmo pelo espaço.

 

E Portugal tem potencial de crescimento nesta área?

B.C: Existe imenso potencial em Portugal. Isto é uma mensagem que eu tenho tentado transmitir há umas décadas.  Nós ouvimos os nossos políticos dizer que estamos a aproximar-nos dos países mais desenvolvidos, mas eu questiono-me como é que vamos fazer isso sem a capacidade de criar e investir em tecnologia de ponta. Enquanto comprarmos aviões, automóveis, comboios, telecomunicações como é que vamos apanhar os outros? Não vamos. Porque tudo o que tem alto valor acrescentado, nós não estamos a exportar. Nós evoluíamos se em vez de inaugurar um novo comboio que compramos o estivéssemos a construir.

O que é na sua opinião podemos fazer para avançarmos nesse sentido?

B.C: Podemos participar nos grandes programas internacionais que nos permitam fazer estes negócios. Isto não acontece ainda em Portugal porque as decisões são influenciadas por lobbies. Eu costumo dizer que por cá só falta o lobby do “fazer em Portugal”.  Se só comprámos coisas feitas não estamos a usar a nossa investigação. Nós temos capacidade para tudo isso: temos engenheiros, conhecimento, mercado, investigação, só nos falta coordenação.  Se o fizéssemos evitaríamos a ida de muitos dos nossos graduados para fora, porque muitos optam por ir para trabalhar naquilo que gostam e não encontram aqui e porque são melhor remunerados.

B.C: O que é que o continua a motivar depois de 50 anos de serviço?

Toda a minha carreira é motivada por curiosidade intelectual. Eu gosto de perceber as coisas essencialmente, e não aceito explicações de fachada e superficiais.

Como é que gostava que os seus alunos o recordassem?

B.C: Não me preocupo muito com isso. Uma das coisas agradáveis desta minha vida é que muitas vezes encontro antigos alunos meus, nos sítios mais variados, alguns têm cargos políticos, outros engenheiros em grandes empresas europeias ou trabalham em investigação. E isso é muito agradável.  Mas não tenho nem nunca tive a preocupação daquilo a que eu chamo “os penachos”, os títulos.  Acabei por ter bastantes distinções ao longo da minha vida, mas não foi porque as procurasse ou fizesse disso um objetivo, é sempre o resultado do meu trabalho. Tudo o que tenho é o resultado do meu trabalho. Havia uma coisa que o professor Gouvêa Portela dizia e com a qual concordo a 100%: “Eu não estou interessado em brilhar em luz refletida”. Portanto se eu tiver uma dúvida se o mérito de um trabalho é meu ou de outro eu prefiro que seja do outro. Não quero nada que não seja merecido, não quero nada que seja duvidoso.