Quando se mistura ar quente com ar frio, passado algum tempo atinge-se um estado de equilíbrio, onde as velocidades das moléculas dependem apenas da temperatura a que essa mistura final de ar ficou. Este é um resultado já conhecido da física clássica, desde o final do séc. XIX. No entanto, o mesmo princípio já não se aplica em sistemas relativistas (i.e., em que as partículas se movem com velocidade próxima da velocidade da luz) que estejam expostos a campos magnéticos extremamente fortes, de acordo com descobertas feitas por cientistas do Instituto Superior Técnico inseridos no Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear (IPFN). As conclusões – que surpreenderam os investigadores – foram publicadas num artigo na revista científica Science Advances.
De acordo com o trabalho destes investigadores, quando os eletrões arrefecem nestes cenários relativistas, a sua entropia, uma medida da desordem de um sistema, diminui. De forma a respeitar a segunda lei da termodinâmica – que dita que a entropia de um sistema não pode diminuir ao longo de um processo espontâneo – observa-se que a redução de entropia dos eletrões é compensada pela emissão de luz, cuja entropia aumenta.
São resultados que ajudam a compreender a emissão de luz (incluindo ondas de rádio) a partir de estrelas de neutrões com campos magnéticos extremos. Nestas condições, lê-se na publicação, a distribuição de velocidades (o conjunto de valores que a velocidade das partículas do ar pode atingir) das partículas carregadas, como é o caso dos eletrões, diverge do esperado, gerando também emissões coerentes de luz – uma forma de luz altamente organizada, como um feixe laser. “Uma parte desta luz ocorre em comprimentos de onda capazes de explicar a radiação observada em estrelas de neutrões com campos magnéticos colossais”, descrevem os autores.
Segundo Luís Oliveira e Silva, professor do Técnico e coautor do trabalho, “este resultado abre caminho para explorar um vasto domínio de física de plasmas em condições extremas, tanto em laboratório com lasers de alta intensidade como em ambientes astrofísicos, por exemplo em torno de estrelas de neutrões e buracos negros”. Para o investigador do IPFN, estes ambientes “são sistemas fortemente não lineares [(isto é, altamente complexos e que desafiam a nossa compreensão)], governados por múltiplas escalas e fenómenos físicos diversos, o que os torna simultaneamente desafiantes e fascinantes.”
Pablo Bilbao, estudante de doutoramento do Técnico, sublinha o impacto astrofísico da descoberta. ”Foi uma surpresa; continuávamos a notar um efeito invulgar nas nossas simulações e só após uma investigação cuidadosa percebemos a sua importância”, explica. “O que encontrámos revela uma nova forma de os plasmas converterem energia em radiação coerente, abrindo um caminho inexplorado”, afirma.
Thales Silva, também investigador do IPFN, reforça que “simulações desta magnitude só se tornaram viáveis muito recentemente” devido a exigências computacionais, neste caso satisfeitas pelo supercomputador Deucalion, em Guimarães, integrado na Rede Nacional de Computação Avançada.
A descoberta reforça a importância do estudo da física dos plasmas relativistas, juntando as áreas de computação de alto desempenho, teoria fundamental e observações astrofísicas, com potenciais aplicações na compreensão de fenómenos de alta energia em todo o Universo.