Em Portugal, milhares de pessoas não conseguem alimentar-se sozinhas, precisando sempre de recorrer à ajuda de terceiros na hora das refeições. A robótica pode ajudar como bem demonstra o Feedbot, um braço robótico que pretende autonomizar pessoas com paralisias – cerebrais ou provocadas por doenças degenerativas – a alimentarem-se autonomamente. Depois de percecionar o ambiente e localizar em tempo real a cabeça do seu utilizador, este “braço amigo” robótico consegue colocar os alimentos numa posição segura para serem ingeridos. O projeto é liderado pelo investigador do Instituto de Sistemas e Robótica (ISR) do Instituto Superior Técnico, Manuel Marques, e tem como co-investigadores principais o professor Nuno Nunes do Interactive Technologies Institute (ITI), o professor João Paulo Costeira, também investigador do ISR, e a professora Manuela Veloso da Universidade Carnegie Mellon (CMU, na sigla em inglês) que lidera atualmente a equipa de investigação em Inteligência Artificial do banco J. P. Morgan.
A vontade de desenvolver o Feedbot não é apenas uma consequência do desejo de ajudar pessoas ou da paixão pela área da visão computacional combinada com a robótica, é também o resultado de uma necessidade individual- e a precisar de ser solucionada- sentida pelo próprio Manuel Marques. O jovem e talentoso investigador é portador de paralisia cerebral e ciente do problema, resolveu conjugar o seu engenho com o da equipa que o rodeia para resolver um problema que afeta inúmeras pessoas. “A ideia surgiu aquando da minha estadia na Carnegie Mellon University com a professora Manuela Veloso”, começa por recordar Manuel Marques. “O problema sempre existiu: eu não consigo almoçar ou jantar de forma autónoma e apercebemo-nos que quer a Robótica, da qual a professora Manuela Veloso é uma especialista, quer a Visão Computacional, na qual o professor João Paulo e eu temos competências, poderia oferecer contributos muito significativos para uma solução inovadora”, prossegue o investigador do ISR.
Assim, através da conjugação dos algoritmos de geração de trajetórias, desenvolvidos na CMU, e algoritmos de perceção 3D, desenvolvidos no ISR/Técnico, o braço robótico começou a ganhar a capacidade de movimento e de adaptação às necessidades dos futuros utilizadores. “Em vez de o braço robot efetuar movimentos pré-definidos, os métodos já desenvolvidos pela equipa de investigação permitiriam que o robot se adaptasse aos movimentos de cada utilizador e identificar, por exemplo, se este quer comer ou falar. Isto permite, não só, alimentar o utilizador, mas transformar a refeição num ato social, isto é interagir com outras pessoas”, explica Manuel Marques.
A magia do movimento coordenado com a necessidade e vontade do utilizador acontece através de plataforma de baixo-custo (impressão 3D e open-source) e uma câmara 3D, de uso comum, e também destes algoritmos que permitem que a comida seja levada, com uma colher, desde o prato até à boca do utilizador. “Ou seja, o Feedbot já é capaz de alimentar uma pessoa de forma autónoma e eu já fiz várias vezes esta experiência”, afirma Manuel Marques que faz questão de salientar que os algoritmos usados são o resultado de Teses de Mestrado e Doutoramento desenvolvidas no Técnico e na CMU, e, na sua maioria, no âmbito do programa CMU Portugal. “No caso do Feedbot, os algoritmos desenvolvidos são de enorme importância, pois permitem utilizar hardware de baixo custo e ultrapassar a inerente falta de precisão dos mesmos”, destaca ainda o investigador do ISR.
O projeto teve início em setembro de 2018, e no mesmo ano seria um dos projetos exploratórios financiados pela Fundação para a Ciência e Tecnologia no âmbito do programa CMU Portugal. A fase de testes que se seguiu revelou-se crucial para cumprir o objetivo de aumentar o conhecimento sobre o movimento humano e criar uma base de reconhecimento de imagem e análise de movimentos. “Desenvolvemos uma metodologia que permite, a partir de vídeos, classificar diferentes padrões de movimentos do tronco e da cabeça. Por exemplo, somos capazes de identificar pessoas com movimentos com grande amplitude, mas com pouca precisão ou, pelo contrário, pouca amplitude, mas grande precisão. Esta metodologia foi validada com utentes do CRPCCG [Centro de Reabilitação de Paralisia Cerebral Calouste Gulbenkian]”, sublinha o líder do projeto.
O público alvo do Feedbot é bastante abrangente e abarca além dos portadores de paralisia cerebral, doentes com Parkinson e outras doenças neurológicas que afetem a capacidade de movimentos dos membros superiores. “Para além dos referidos e porque o braço robótico adapta-se aos movimentos de cada pessoa, esta plataforma também será adequada para quem sofreu um AVC ou diferentes tipos de acidentes e fique impossibilitado de usar, temporariamente, as mãos e os braços”, refere Manuel Marques. De forma resumida, o Feedbot pode ser um braço amigo para quem tenha dificuldades de movimentos dos membros superiores, permanente ou temporariamente.
Neste momento, a equipa tem já dois Feedbots a funcionar: um no Técnico e outro no CRPCCG, gerido pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) e que está a colaborar diretamente com o projeto. O objetivo central da equipa passa por fazer chegar o braço robótico ao maior número de pessoas, “dando um grande contributo para a sua autonomia e, mais importante, para a sua independência”, como sublinha Manuel Marques”. Esta mesma motivação foi encontrada pelo professor Nuno Nunes no estudo interação pessoa-máquina (HCI), realizado no âmbito do projeto com utentes do CRPCCG e potenciais utilizadores do Feedbot”, adiciona ainda o líder do projeto.
Além desta notável motivação e dos avanços incríveis atingidos que vão estimulando a equipa diariamente, o projeto valeu já um prémio à equipa de investigação, vencendo uma menção honrosa da Exame Informática para “Os Melhores do Portugal Tecnológico” na área de Software. Manuel assume a importância do mesmo, sobretudo porque foi “um reconhecimento da relevância quer do problema quer da solução proposta”.