Um indicador que permite tirar uma “fotografia mais realista” da evolução da pandemia, englobando vários indicadores pertinentes e que têm em atenção as circunstâncias atuais de saúde pública, foi desenvolvido conjuntamente pelo Instituto Superior Técnico e a Ordem dos Médicos (OM) e apresentado na manhã desta quarta-feira, 14 de julho, na sede da OM, em Lisboa. O modelo, que funciona por pontos, permitirá fazer uma avaliação da gravidade da situação pandémica e determinar que medidas devem ser adotadas.
De forma mais simples e prática: a ferramenta permitirá “medir a temperatura” da situação pandémica em Portugal, assim como acontece com um doente de COVID-19, permitindo determinar quando podemos apenas manter as precauções e a vigilância, ou quando devemos tomar medidas mais apertadas ou mesmo drásticas para olhar pela nossa Saúde.
O novo “Indicador de avaliação do estado da pandemia e impacto global na saúde” assenta em cinco indicadores parciais, continua a ter em conta a atividade da pandemia considerada na matriz usada atualmente, a partir da incidência e da transmissibilidade (Rt), mas engloba também a gravidade da doença, determinada em função da letalidade, dos internamentos em enfermaria e cuidados intensivos.
“Este indicador não é uma matriz de risco, é um indicador que tem uma formulação bastante mais complexa, em particular daquela que atualmente usamos, contudo, é muito mais simples de entender”, evidenciava o presidente do Técnico, professor Rogério Colaço, na sessão de apresentação. “É um contributo importante e inovador em termos nacionais e internacionais”, vincou.
O sistema é também flexível, permitindo inserir novas variáveis sempre que se verifique tal necessidade.
De acordo com os autores, outro detalhe diferenciador, é o cálculo da incidência e transmissibilidade. Ao contrário do que tem sido a norma até agora, no modelo proposto passa a ser utilizado o número de novas infeções a sete dias, e não a 14, e um Rt diário, quase automático.
A ferramenta que em breve estará disponível nos sites do Técnico e da Ordem dos Médicos resulta de um “trabalho de equipa”. Aos engenheiros e matemáticos do Técnico, os professores Henrique Oliveira, Rogério Colaço, José Rui Figueira e a professora Ana Paula Serro, juntaram-se as competências médicas do bastonário da OM, doutor Miguel Guimarães, e do pneumologista e coordenador do gabinete de crise COVID-19 da OM, doutor Filipe Froes.
Tal como explicou o professor Henrique Oliveira, docente do Departamento de Matemática (DM) e especialista em sistemas dinâmicos, “a pandemia em Portugal tem sido dinâmica”, e por isso mesmo é preciso juntar aos indicadores de transmissibilidade e incidência, outros dados que marcam a pandemia em Portugal, e cujas proporções “não têm sido constantes”.
O docente evidenciaria ainda que “a atual matriz de risco contendo apenas dois indicadores começa a dar só uma visão parcial do problema”. Uma ideia que seria sublinhada pelo bastonário da OM que considera que a matriz usada está “ultrapassada” e “não consegue acompanhar a dinâmica da evolução da pandemia”.
Portugal quase a ferver
Miguel Guimarães explicou que este novo indicador é “democrático” e poderá ser feito “em casa” por qualquer cidadão. “Qualquer pessoa pode ir lá e verificar em que ponto estamos”, afirmou, explicando que “é só colocar os dados que a Direção-Geral de Saúde publica – o Rt, a incidência, os internamentos em enfermaria, os internamentos em cuidados intensivos e também os óbitos”. Disso resultará “o indicador global que permite saber, em cada circunstância em que fase estamos relacionando com a gravidade da situação”.
A ferramenta pode ser usada para qualquer sítio e a qualquer escala, desde que os dados de internamentos em enfermaria e unidades de cuidados intensivos sejam disponibilizados pelas autoridades de saúde, permitindo assim que as medidas adotadas possam ser adaptadas ao nível de gravidade atingido por regiões ou concelhos,
O impacto da pandemia é nivelado de 0 a 180, com um gradiente de cores que começa no verde e vai até ao encarnado escuro a preto, associando-se as medidas necessárias em cada fase às respetivas cores.
Segundo o indicador global apresentado, Portugal está, neste momento, muito próximo do patamar “crítico” estabelecido, determinado pelos 100 pontos – mais precisamente “92,3, um bocadinho abaixo da ebulição”, partilhou o professor Henrique Oliveira.
Antes da fase crítica, existem as fases residual (10 a 40 pontos), de “alerta” (40 a 80) e “alarme” (80 a 100). Acima dos 120 atinge-se mesmo o estado de rutura. “Depois dos 100, resta-nos apenas praticamente o confinamento geral. É isso que pretendermos evitar”, denotou o docente do Técnico.
Ainda que as notícias não sejam as melhores, o docente do Técnico evidenciou que “a vacinação está a ter efeito e a puxar os indicadores para baixo” evitando um cenário pior. Segundo o professor Henrique Oliveira, mesmo se a incidência subir aos quatro mil casos por dia – algo que já não lhe parece “tão provável”, o indicador subirá “ao máximo de 94/95 e depois vai descer”.
A importância da vacinação, com um impacto direto sobre a letalidade e os internamentos na enfermaria e também em cuidados intensivos seria destacada por todos os intervenientes da sessão, nomeadamente o presidente do Técnico que vincou que “se não houvesse vacinas, as circunstâncias neste momento seriam comparáveis às que vivemos em janeiro e fevereiro”.
Competências médicas e técnicas da equipa de autores “colocadas ao serviço do país”
Na sessão de apresentação do novo indicador marcaram presença todos os elementos da equipa responsável por este trabalho. Na mesa, estiveram os professores Henrique Oliveira e Rogério Colaço, ladeados pelo doutor Filipe Froes e pelo bastonário da ordem dos médicos.
As primeiras palavras ficariam a cargo do presidente do Técnico que realçou que este indicador resulta da conjugação de “competências médicas da Ordem dos Médicos e as competências técnicas dos engenheiros e dos matemáticos do Instituto Superior Técnico, colocadas ao serviço do país neste esforço de combate à pandemia”.
O presidente do Técnico reiterou que este novo modelo “permite compreender o estado em que pandemia ocorre e com base nesse indicador poderemos ter indicações sobre quais as medidas a tomar em determinado momento”.
Na sua intervenção, o doutor Filipe Froes evidenciou que esta colaboração abriu “portas do futuro para parcerias e sinergias das quais todos saímos vencedores e sobretudo nos permitem criar mais valor para o nosso país”.
O pneumologista frisou ainda a importância de apostar em algumas medidas, e na sua eficiência, tais como: vacinas, testes e pesquisa de novas estirpes do vírus, dizendo que “os testes de diagnóstico nos indivíduos sintomáticos têm que ser feitos com maior precocidade, idealmente nas primeiras 12 horas”. “A sequenciação genómica das variantes é uma medida que tem que acompanhar sempre desde o nível zero até ao nível máximo”, afirmou, referindo ser importante dar atenção “a situações que dão mais informação, como os indivíduos que estão vacinados e que se infetam, nos indivíduos que tiveram infeção e que se voltam a infetar e monitorizar os imunodeprimidos, porque muitas vezes são a origem das variantes”.
O bastonário da OM informou ainda que “este indicador vai seguir hoje mesmo para a ministra da Saúde” e que será também dado conhecimento a todas as entidades oficiais. “Temos aqui uma ferramenta interessante para continuarmos a fazer aquilo que desde o início defendemos que é achatar a curva”, colmatou.