O Nobel da Física de 2024 foi atribuído a John Hopfield e Geoffrey Hinton pelo trabalho que desenvolveram em torno de redes neuronais e aprendizagem automática.
Frederico Fiúza, professor do Instituto Superior Técnico e investigador do Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear, contextualiza a atribuição deste prémio, descrevendo o trabalho de Hopfield e Hinton e traçando possíveis futuros na área da aprendizagem automática e inteligência artificial, bem como a sua relação com a Física, a sua área de estudo.
O que são redes neuronais?
As redes neuronais (naturais ou virtuais) são conjuntos de neurónios (ou nós) ligados entre si que, apesar de muito simples individualmente, conseguem descrever processos altamente complexos como um todo.
Os trabalhos destes dois investigadores estão relacionados com o desenvolvimento de redes neuronais, inspiradas por processos físicos e por técnicas da Física Estatística, que tiveram um contributo fundamental para o desenvolvimento da aprendizagem automática e para a forma como esta está a revolucionar as mais diversas áreas, desde a Computação à Medicina e à própria Física.
John Hopfield desenvolveu um modelo de redes neuronais, também conhecidas como redes de Hopfield ou memória associativa, para descrever como é que o cérebro reconstrói certas memórias através de informação parcial ou ruidosa. Mostrou que o comportamento destas redes se assemelha à forma como certas propriedades dos átomos (spin) se afetam mutuamente.
Geoffrey Hinton desenvolveu um modelo de rede neuronal baseado em Física Estatística, a que chamou máquina de Boltzmann (em homenagem a um dos mais importantes físicos do século XIX e pioneiro da Física Estatística), em que os nós da rede têm um peso estocástico e que nos permite associar probabilidades a diferentes modelos.
Que avanços para a ciência resultaram do trabalho de Hopfield e Hinton? Que benefícios poderão ainda trazer no futuro da aprendizagem automáticas?
Estes trabalhos inspiraram muitos cientistas a explorar redes neuronais e foram contributos muito importantes para o desenvolvimento das técnicas mais modernas de inteligência artificial e aprendizagem automática que estão a revolucionar a forma como vivemos e trabalhamos. Acima de tudo, parece-me que o maior contributo, e que está subjacente à atribuição do prémio Nobel da Física, é a fundação destas técnicas na Física Estatística. Estas bases formais sólidas, assentes na Física (e na Matemática), são críticas para podermos compreender, ganhar confiança e tirar o máximo partido do poder destas redes neuronais para descrever processos altamente complexos. Acho que esta é uma mensagem importante para o futuro da aprendizagem automática e para os benefícios que estas poderão trazer.
De que forma é que antecipa que a aprendizagem automática pode impactar o futuro próximo?
A inteligência artificial e a aprendizagem automática já estão a revolucionar as nossas vidas pela forma como estes sistemas conseguem automatizar tarefas repetitivas e fazê-lo de forma muito mais rápida e acertada que os humanos. Isto já está a ter um grande impacto na economia e na natureza de muitas profissões, impacto esse que será ainda maior nos próximos anos. Por outro lado, estou convencido que vamos assistir a avanços importantes na capacidade destes sistemas desenvolverem processos cognitivos mais avançados que terão um impacto ainda mais profundo (e imprevisível tanto ao nível da magnitude como da escala de tempo) nas mais diversas áreas, incluindo áreas do conhecimento como a Física ou a Medicina.
Que outros avanços na física gostaria de ter visto serem laureados com o Nobel deste ano?
Há vários avanços que certamente mereciam ser premiados com o Nobel da Física também. Em áreas mais próximas da minha investigação em Física dos Plasmas, gostaria por exemplo de ver o prémio Nobel atribuído à ignição por fusão nuclear obtida na National Ignition Facility em 2022, onde pela primeira vez foi produzida mais energia de forma controlada por fusão nuclear do que aquela que foi usada para iniciar as reações de fusão. Este resultado representa um marco histórico não só na nossa capacidade de reproduzir os processos fundamentais responsáveis pela produção de energia nas estrelas como no caminho para tirarmos partido destes processos para gerar energia limpa, segura, e virtualmente ilimitada.
De que forma é que o trabalho que desenvolve se relaciona com o dos premiados? Qual a ponte/relação entre a física e a aprendizagem automática?
Estou bastante interessado em perceber como é que a aprendizagem automática pode complementar as técnicas tradicionais que usamos para estudar e simular sistemas físicos. Ferramentas como redes neuronais são muito poderosas a analisar grandes conjuntos de dados de sistemas complexos e encontrar relações não-lineares entre estes que nos podem, por exemplo, informar de quais as leis que regem o comportamento desses sistemas. No entanto, nem todas estas relações são necessariamente úteis. Como físico, preciso que estas relações respeitem certos princípios, como por exemplo a conservação de energia. Por isso, estou interessado em explorar como é que podemos garantir que estas técnicas de aprendizagem automática respeitam princípios físicos. A capacidade de garantir que estas ferramentas obedecem a certos princípios (ou simetrias) pode ter um impacto importante na nossa forma de interpretar e generalizar o seu uso noutras áreas fora da física, tal como aconteceu nos trabalhos associados ao Nobel da Física este ano.
Docentes e investigadores do Técnico comentaram também a atribuição deste prémio nos órgãos de comunicação social: