Quando arrancou em 2016 o projeto FIThydro – Fishfriendly Innovative Technologies for hydropower, propunha-se a melhorar a ecologia dos rios afetados por aproveitamento hidroelétrico (AH), em particular no que se referia às populações piscícolas – melhorando simultaneamente as tecnologias e dispositivos existentes para avaliar o comportamento dos peixes na presença dos obstáculos associados a esses aproveitamentos ou para facilitar a sua migração ao longo dos rios afetados. Treze instituições de investigação, entre as quais o CERIS, e treze empresas uniram-se em torno desses objetivos ao longo dos últimos 4 anos. Terminado o projeto, o balanço final é muito positivo, e tanto os resultados como os avanços obtidos são bastante significativos. Para este êxito, foram diversos os contributos da equipa de investigação do CERIS- Civil Engineering Research and Innovation for Sustainability, liderada pelo professor António Pinheiro, ao longo das várias etapas em que se dividiu o projeto.
Com um financiamento de 7,2 milhões de euros por parte do programa Horizonte 2020, o projeto FIThydro, estudou os efeitos dos AHs nos ecossistemas fluviais, em particular na população piscícola, em 17 casos de estudo distribuídos por oito países. Através destes estudos, pretendeu-se identificar e colmatar lacunas ao nível do conhecimento, perceber como poderiam ser melhoradas as ferramentas existentes até então, e desenvolvidas novas soluções mitigadoras. Um desses casos de estudo ficou a cargo equipa de investigadores do Técnico, e os resultados do mesmo chegaram a ser publicados na revista PLoS ONE.
Este estudo, realizado num canal experimental no Laboratório de Hidráulica do Instituto Superior Técnico (LHIST), teve como objetivo simular as rápidas alterações de caudal que ocorrem nos rios a jusante das centrais hidroelétricas. De acordo com a investigadora Isabel Boavida “é importante compreender os efeitos que têm as alterações dos caudais, nos diferentes locais, sobre o comportamento dos peixes”. “Para isso, foram realizados ensaios para verificar se os peixes utilizavam as estruturas instaladas no canal para se refugiarem dos caudais elevados, tal como o fariam num rio utilizando as pedras como abrigo”, acrescenta a investigadora.
Através de uma sonda desenvolvida por investigadores da Tallinn University of Technology, cuja forma se assemelha à de um peixe e que mimetiza a linha sensorial lateral dos peixes, foi possível medir os gradientes da pressão induzidos pelo escoamento, de forma similar ao que deverá ser percecionado pelos peixes. Caraterizando as interações água-corpo do peixe é possível simular o padrão de escoamento a que os peixes estariam sujeitos em condições naturais.
A doutora Maria João Costa, também investigadora do LHIST, explica no comunicado enviado pelo consórcio do FIThydro que “relacionar respostas ao stress e comportamentos de mobilidade com alterações específicas nos caudais permitiu-nos estabelecer uma relação causa-efeito entre essas alterações e alterações comportamentais”. Em colaboração com a Hidroerg – Projetos Energéticos Lda, que faz parte do consórcio do projeto, os resultados laboratoriais foram transpostos para outro caso de estudo, desta feita na central hidroelétrica de Bragado. Através de um sistema de telemetria instalado a jusante desta central, os investigadores testaram o impacto das variações de caudal sobre o habitat e o movimento dos peixes.
Através deste estudo foi possível verificar “que o uso de habitats pelas espécies piscícolas ibéricas, designadamente, o escalo e a boga do norte, diferia entre a época em que ocorriam os turbinamentos – a primavera – e a época em que a central hidroelétrica estava parada – o verão”, tal como evidencia a investigadora Isabel Boavida. “As espécies usavam menos a área imediatamente a jusante da restituição da central hidroelétrica nos períodos em que ocorriam os turbinamentos, sendo encontradas nesses períodos na zona mais a jusante do troço em estudo”, adiciona.
A equipa do CERIS aliar-se-ia novamente à Hidroerg para analisar a perceção do público europeu relativamente aos AHs em albufeira significativa, tendo os inquéritos sido realizados no concelho de Vila Real e em outros locais na França, Alemanha e Suécia. O estudo permitiu avaliar a perceção dos inquiridos relativamente aos AHs do tipo referido. De acordo com o que é referido por Pedro Eira Leitão, gerente da Hidroerg, em comunicado, “o estudo mostrou que as opiniões acerca da hidroeletricidade a fio-de-água não são homogéneas, variando segundo o tipo de região (há mais semelhanças entre a Suécia e a Alemanha do que entre aqueles dois países e a França e Portugal) e segundo a idade dos entrevistados”.
O professor António Pinheiro sublinha “que a maior parte dos inquiridos em Portugal tinha opinião sobre vários aspetos relacionados com a produção hidroelétrica em aproveitamentos a fio-de-água. “Não obstante, algumas das respostas dadas espelharam lacunas de conhecimento sobre a matéria, nomeadamente sobre a forma como a produção hidroelétrica se processa e é regulada em Portugal”, salienta, em seguida.
Entre as principais conclusões retiradas pela equipa de investigadores do CERIS está a ideia de que “a perceção pública portuguesa sobre a produção hidroelétrica é polarizada entre as pessoas com opinião genericamente positiva, associada ao contributo da hidroeletricidade para a mitigação das alterações climáticas e para o desenvolvimento local/regional, independentemente da propriedade dos aproveitamentos, e as pessoas com posição particularmente crítica, que relevam os impactos dos aproveitamentos hidroelétricos, em particular os de grande dimensão, nos ecossistemas naturais e na atividade agrícola e florestal”, tal como destaca professor António Pinheiro.
Ferramentas de apoio à decisão com cunho do Técnico
A segunda etapa do projeto explorou possíveis medidas para o reequipamento de centrais hidroelétricas, tais como turbinas mais adequadas à passagem dos peixes, bem como de instrumentos de apoio às decisões a serem tomadas por parte de operadores e responsáveis pelo planeamento de AHs.
Para determinar os impactos da exploração em regime de hydropeaking e identificar medidas de mitigação adequadas, cientistas do CERIS, juntamente com investigadores do SINTEF (Noruega) e SJE (Alemanha), desenvolveram e adaptaram uma ferramenta informática que permite avaliar o impacto do hydropeaking num curso de água.
“A ferramenta informática foi desenvolvida inicialmente na Noruega para o salmão. No projeto adaptámos a mesma ferramenta às espécies mais comumente encontradas nos rios ibéricos e do centro da Europa”, refere a doutora Isabel Boavida, que teve a seu cargo o desenvolvimento da ferramenta informática por parte do CERIS. Este instrumento permite analisar, acima de tudo, o impacto de uma central hidroelétrica na população piscícola, tendo em conta o estado de vulnerabilidade do curso de água e o esquema de operação de uma central hidroelétrica. “A ferramenta é bastante útil para avaliar os impactos de uma central hidroelétrica funcionando em regime de hydropeaking no ecossistema ribeirinho, permitindo também avaliar os efeitos das medidas de mitigação a propor, se tal se justificar”, clarifica.
Entre os principais resultados do projeto encontra-se o Sistema de Apoio à Decisão FIThydro, que pode ser utilizado no planeamento e avaliação de aproveitamentos hidroelétricos. Através da inserção dos dados relativos ao tipo de aproveitamento, à sua localização, às populações piscícolas presentes nos cursos de água, entre outras características, o utilizador poderá perceber o nível de risco ambiental e a perigosidade representada para as populações de peixes. Além disto, o sistema fornece também recomendações quanto às medidas de mitigação a adotar.
Os impactos negativos da produção hidroelétrica que é preciso ter em consideração
As alterações climáticas são hoje consideradas a maior ameaça ambiental do século XXI, constituindo uma preocupação transversal e levando ao forte desenvolvimento de energias renováveis, seja pela implementação de novos sistemas ou pelo aumento da capacidade energética dos mesmos.
A hidroeletricidade é uma das fontes de energia renováveis mais importantes e mais utilizadas. Talvez por ter uma grande vantagem associada: depende muito menos das condições meteorológicas do que a energia eólica ou a energia solar, sobretudo em aproveitamentos com capacidade de armazenamento e em regiões com regimes de escoamento regulares ao longo de todo o ano. Contudo, a produção hidroelétrica acarreta impactos ambientais negativos, nomeadamente: a regulação do caudal dos rios, alterações diversas nos habitats aquáticos e a mortalidade dos peixes causada por turbinas, descarregadores e grelhas.
“Os aproveitamentos hidroelétricos com albufeira de regularização, devido à sua capacidade de armazenamento, conseguem responder aos picos de procura de energia, para os quais, tanto a energia solar como a eólica não têm capacidade de resposta. Desta forma, a energia hídrica deverá ser sempre uma prioridade estratégica, num sistema de produção híbrido, com diferentes fontes de energia renovável”, explica a investigadora Isabel Boavida. Ainda assim, e apesar de ser uma energia dita “limpa”, “as consequências para os ecossistemas que as suportam são diversas”, tal como alerta a investigadora do CERIS. Por isso mesmo, “é necessário desenvolver medidas de mitigação que atenuem esses impactos sob pena de se verificar a degradação dos habitats, com potenciais custos para a biodiversidade”, conclui a doutora Isabel Boavida.