No âmbito das comemorações dos 40 anos do Departamento de Física (DF), a comunidade do Técnico teve oportunidade de assistir esta quarta-feira, 16 de dezembro, através da plataforma Zoom ou do Youtube, à entusiasmante palestra de um dos vencedores do Prémio Nobel da Física 2020, o professor Reinhard Genzel, diretor do Max Planck Institute for Extraterrestrial Physics in Garching.
Perante esta ocasião única e dada a aproximação que o digital permite foram vários os curiosos pela área que se juntaram à comunidade do Técnico para assistir a esta “IST Distinguished Lecture”. Através da palestra “Testing the Massive Black Hole Paradigm and General Relativity with Infrared Interferometry: A Forty-Year Journey”, o orador permitiu uma viagem ao centro da nossa galáxia e ao trabalho de décadas que permitiu a descoberta de um objeto invisível extremamente pesado que puxa as estrelas, fazendo-as orbitar a velocidades vertiginosas. Do outro lado do ecrã, docentes, investigadores, estudantes universitários, mas também alunos do secundário assistiam impressionados à exposição do Prémio Nobel.
O professor Vítor Cardoso apresentaria o orador, frisando que “há 40 anos, quando o Departamento de Física nasceu, uma parte substancial da comunidade científica considerava os buracos negros como uma fantasia, e quem trabalhava nesta área ainda era considerado um sonhador”. “O trabalho premiado com o Nobel levou décadas a fazer, e é absolutamente espetacular”, vincava o docente do DF. Ao longo de mais de uma hora, foi possível perceber essa grandiosidade através da apresentação do professor Reinhard Genzel.
O orador começaria por referir que a “história” que teria para contar “tem tudo a ver com a relatividade geral” e ainda que “a física é extremamente rica e o universo que está associado a ela também”. Acerca do projeto Gravity Collaboration, o professor Reinhard Genzel salientou que o mesmo pretende criar melhores e mais precisos instrumentos que permitam aprofundar o estudo dos buracos negros”, realçando que através deste trabalho – que conta com uma equipa muito diversa e alguns portugueses- foi desenvolvido “um instrumento que nunca foi construído antes, juntando quatro telescópios de 8,2 metros e fazendo-os funcionar como um único telescópio gigante”.
Após explicar como surgiram os buracos negros, como se suscitou a investigação em torno dos mesmos, o professor Reinhard Genzel enunciaria vários acontecimentos dos últimos anos que fizeram este campo evoluir tanto, nomeadamente a observação de ondas gravitacionais. “Agora mais do que nunca, os instrumentalistas estão a apresentar provas e melhores provas destes objetos e compreendem qual é o seu papel no universo. E no final da palestra, posso mostrar-vos o que poderá vir a seguir”, sublinhou o orador.
Percorrendo também o caminho que foi feito na observação de buracos negros e a forma como se foi tentando provar a existência dos mesmos, o orador dividiu “a história” que tinha para contar em várias fases. “No início dos anos 90, tornou-se claro que precisávamos de olhar para as estrelas e não apenas para o gás, e depois aproximar-nos. E claro de construir instrumentos para isso”, declarou a determinada altura.
Voltando ao Gravity e a toda a complexidade do trabalho levado a cabo, o professor Reinhard Genzel explicava que o projeto tem uma estreita ligação com o progresso registado ao longo dos anos nos sectores da ótica adaptativa, que compensa os efeitos de distorção da atmosfera terrestre – o chamado seeing astronómico. “Este tipo de tecnologia, juntamente com os grandes telescópios, tais como o Very Large Telescope na Europa, e os telescópios Keck nos Estados Unidos, e muitos outros, são realmente a chave para se dar o próximo passo”, disse.
Ao longo da palestra além de mostrar a forma como as medições ao longo das últimas décadas evoluíram, permitindo provar a existência de um buraco negro tão maciço no Centro da nossa Via Láctea, o orador ajudou a perceber que estes dados fornecem informações fundamentais sobre as suas propriedades e ambiente. Segundo o investigador o próximo passo “no futuro é chegar mais perto nas medições”.
Antes de terminar a sua apresentação, o investigador laureado pela Academia Sueca partilhava o seu desejo de que “durante mais 40 anos haja muita física nova para explorar”, lançando a possibilidade de que “talvez seja possível encontrarmos desvios da relatividade geral num determinado ponto, o que seria de esperar certamente nas escalas mais pequenas, mas não necessariamente nas escalas que nos são acessíveis”, declarou.
No final, foi impossível não tentar derrubar os muros digitais e manifestar a admiração pelo trabalho do investigador através de um caloroso aplauso.
Quando a distância também nos pode aproximar do conhecimento
Para assistir a esta palestra em tempos de pré-pandemia, os alunos do Agrupamento de escolas Latino Coelho em Lamego e da Escola Secundária Jaime Moniz, na Madeira, teriam que fazer uma longa viagem. Graças às plataformas digitais, foi possível esbater a distância e permitir que se juntassem ao evento estudantes de ambas as escolas. Foram dos primeiros a chegar à sala Zoom que alojou a palestra e fizeram questão de saudar o Prémio Nobel. No final do evento, e como bons jovens curiosos que se assumem, não se coibiram de expor as suas dúvidas e saciar a sua curiosidade com o ilustre docente.
Rodrigo Jardim, estudante da Escola Secundária Jaime Moniz foi um dos alunos que fez questão de lançar no chat uma pergunta ao Prémio Nobel da Física. O aluno do 11.º ano admite que esta oportunidade de “ouvir um proeminente cientista” foi “única e muito interessante” e o ajudou a “compreender todo o processo necessário ao desenvolvimento do conhecimento científico”.
João Pedro Serrão, outros dos alunos madeirenses que teve oportunidade de assistir à palestra, declara que assistir à palestra de que “alguém que tenha tanto conhecimento” o aproximou e fascinou “ainda mais pela física porque tudo fica a parecer um pouco mais fácil e cada vez mais interessante”.
Confessando-se também fascinada com a oportunidade, Beatriz Gonçalves colega de turma de João Pedro e Rodrigo, revela que “não tinha ideia de que era assim tão árduo e trabalhoso o estudo dos buracos negros”. “A forma com que aparecem nos manuais é muito mais simplificada e faz parecer fácil o trabalho destes magníficos professores e cientistas”, acrescenta a aluna.
Mudamos de escola, mas o encantamento continua a dominar o balanço da participação no evento. Também os alunos entrevistados do Agrupamento de Escolas Latino Coelho definem esta oportunidade como “única”, “espetacular”, considerando-a “um privilégio”. Mariana Bernardo, aluna do 12.º ano afirma que a “palestra foi muito interessante e super esclarecedora sobre o estudo dos buracos negros”. “Ter oportunidade de ouvir sobre algo tão fascinante” despertou a curiosidade e o interesse de Francisca Quaresma, que frequenta o 11.º ano, para a área. “Foi uma oportunidade única, visto tratar-se de alguém com grande prestígio no mundo da Física”, assinalou a aluna.
Atividades “singulares” que aproximam os alunos dos protagonistas da Ciência
O professor Manuel da Silva, docente de Física e Química no Agrupamento de Escolas Latino Coelho, fez questão de mobilizar os seus alunos para assistir à palestra por a entender como uma “uma oportunidade singular, única e impensável de acontecer com alunos do ensino secundário, no passado, mesmo recente”. “Este tipo de atividade aproxima os jovens dos intérpretes e protagonistas da ciência, mais concretamente da Física, neste caso. Tem as características ideais para catalisar o interesse dos jovens pela Física”, defende o docente.
A professora Fernanda Freitas, também docente de Física e Química, mas na Escola Secundária Jaime Moniz, partilha da mesma opinião e não hesita em sublinhar que “atividades deste tipo são fundamentais para os alunos compreenderem a amplitude do processo científico, que é algo que se constrói, mas está sempre em aberto”. A docente acredita que “apesar dos alunos não compreenderem tudo o que lhes é transmitido, ficam cientes da importância do conhecimento científico e do trabalho em equipa”. “Esta oportunidade foi única, não só pela temática, mas também pelo facto de estarmos perante um Prémio Nobel, a falar do trabalho de uma vasta equipa, ao longo de muitos anos”, acrescenta. Além de ter ficado muito satisfeita com tudo o que ouviu, a professora partilha que sentiu “que os alunos se sentiram orgulhosos de terem participado na mesma”.