“Espero ser capaz de corresponder à confiança que os meus confrades depositaram em mim”, é assim que o professor Carlos Salema, docente do Departamento de Engenharia Eletrotécnica e de Computadores do Instituto Superior Técnico, introduz a conversa que gira em torno da sua recente eleição como presidente da Academia das Ciências de Lisboa para o triénio de 2019-21. Escolhido quase por unanimidade pelos membros efetivos e correspondentes, o professor Emérito do Técnico sucede assim ao professor Artur de Oliveira Soares. Segundo os estatutos da Academia o cargo de presidente é exercido de forma rotativa entre as classes de Letras e Ciências, e assim foi mais uma vez, acumulando o professor Carlos Salema o novo cargo com o de presidente da classe das Ciências. “O meu mote é: atos não palavras”, declara o docente, abrindo as portas a uma conversa sobre o passado e o presente da instituição que agora lidera.
Fundada a 24 de dezembro de 1779, a Academia das Ciências, à semelhança das suas congéneres internacionais, tem como objetivo central a promoção da investigação científica e a divulgação dos seus resultados, assim como o cruzamento de ideias entre os promotores do conhecimento das diversas áreas. “As academias são criadas na altura em que na Europa se tornou importante em que as diferentes pessoas que faziam ciência comunicassem entre si e mostrassem o que faziam e discutissem os seus trabalhos com os colegas. As Academias de Ciências eram o palco onde isso acontecia”, declara o novo presidente da Academia de Ciências de Lisboa. Foi com este intuito que foi criada e é ainda sob o mesmo que se guia, porém, algumas dificuldades têm surgido com o tempo, como explica o professor Carlos Salema: “hoje em dia existem outros meios, outros palcos. Primeiro há uma coisa chamada internet e depois há outra coisa que chama aviões e, por isso atualmente, a comunicação é feita em reuniões internacionais que existem um pouco por tudo o que é sítio e, portanto, o papel das Academias das Ciências passou a ser muito secundário, principalmente naquelas que deixaram que assim fosse.
Dando alguns exemplos de Academias que se continuam a nortear pelo sucesso, o docente do Técnico refere que é “difícil fazer muito com pouco”. “A Academia das Ciências da Áustria tem um orçamento de cem milhões e nós nem chegamos a meio milhão”, assinala o professor Carlos Salema. Ainda assim a prossecução da grande missão da Academia continua a ser prosseguida: “A nossa ideia é que haja comunicação e troca de conhecimento entre pessoas de todas as ciências, incluindo as ciências sociais e humanas, letras e belas-artes”. “A Academia de Ciências de Lisboa não faz ciência porque não tem meios para o fazer, mas divulga ciência, e sobretudo permite que pessoas de áreas cientificas diferentes que normalmente não conversam entre si, a trocar ideias”, frisa de seguida.
No decurso da conversa, outras dificuldades vão sendo expostas pelo novo presidente, não num tom mordaz de crítica, mas sim de quem sabe o que precisa fazer para retirar a Academia das Ciências da letargia em que tem caído, e a vontade que tem de o mudar: “além do orçamento, acho que o facto de os membros efetivos o serem até morrer é algo que também tem que ser mudado, porque há um número de vagas limitado para ser membro da Academia, e isto restringe muito o acesso de novos membros”, refere. “Porém, isso exige uma mudança estatutária que é muito complicada de conseguir”, esclarece, acrescentando o espontâneo comentário: “vontade não me falta, ainda assim”. Por acreditar que a mudança passa por trazer “sangue novo” está também a conceber a criação de uma Academia jovem( com um limite de idade de 40 anos) dentro da Academia das Ciências.
A modernização da Academia que quer fazer passa também pelo encontro com as plataformas digitais como forma de divulgar o que se faz por lá: “espero muito em breve que as sessões das academias das ciências estejam acessíveis a todos, usando os meios modernos”. Sobre as restantes atividades e valências que a instituição detém relembra: “existem conferências muito frequentes e interessantes que organizamos ou das quais somos parceiros, há uma biblioteca muito boa, com obras preciosas, há um pequeno museu com peças etnográficas e restos de coleções. E depois há as instalações que são espetaculares”. O adjetivo talvez se torne redutor dadas as magnânimas instalações que dão abrigo à Academia das Ciências: antigo Convento de Nossa Senhora de Jesus da Ordem Terceira de São Francisco. “Há pessoas que vão lá e que não acreditam que aquilo existe. É quase uma falha cultural não conhecermos, não sabermos do que é feito, o que guarda. Estamos a perder história”, afirma o professor Carlos Salema.
Voltando à escolha que fez dele o novo líder da instituição, acredita que na aprovação que teve por parte dos seus confrades, com certeza passou a carreira paralela de gestão que foi exercendo em diversas unidades: “fui gestor de uma série de coisas que correram felizmente bem, nomeadamente a presidência da Fundação para a Computação Científica Nacional(FCCN), da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) e claro o Instituto de Telecomunicações (IT)”. “Depois o facto de ser engenheiro ajuda, porque nós engenheiros sabemos desligar o ‘complicómetro’ e isso é benéfico, claro”, completa de seguida. Dos anos de docência e de investigação leva também algumas aprendizagens que lhe serão úteis no exercício das novas funções: “da experiência do Técnico levo sempre a aprendizagem na gestão das pessoas, a liderança de equipas e capacidade de entusiasmar alguém com um determinado projeto ou ideia porque é isso a essência da docência”.
Rapidamente abandonamos o percurso pessoal para voltar aos projetos que tem para tão sua Academia das Ciências. “Quero que a academia se torne uma coisa viva, com pessoas que façam as coisas funcionar, fazendo circular ideias e maneiras de pensar diferentes. Quero e vou trabalhar para uma instituição mais visível, que faz coisas úteis e que chega às pessoas”. Dizem que querer é poder, e olhando para o currículo e a convicção do professor Carlos Salema bem acreditamos.