John Russell viu-a pela primeira vez quando cavalgava pela margem de um canal – uma massa de água que se elevou numa única crista e que prosseguiu ao longo do curso do canal por várias milhas, naquilo que descreveu como uma “elevação solitária” ou “onda de translação”. Corria o ano de 1834 quando este engenheiro naval observou uma versão macroscópica de um solitão, uma onda solitária capaz de viajar pelo espaço mantendo a sua forma (semelhante ao que pode ser observado nos canais de água junto aos ‘vulcões’ do Parque das Nações em Lisboa).
Quase duzentos anos depois da observação de Russell, uma equipa internacional – que inclui Marco Piccardo, professor no Instituto Superior Técnico – publicou um artigo na revista Nature que propõe a replicação deste fenómeno à escala de um chip, recorrendo a pulsos de luz em anéis semicondutores. Esta redução de tamanho numa tecnologia que antes exigia maiores dimensões poderá ser crucial, especialmente em campos onde o espaço e a eficiência são importantes, como nas áreas de monitorização ambiental, diagnósticos médicos e de segurança. O trabalho foi desenvolvido por uma equipa que inclui também investigadores das universidades TU Wien, Harvard e de um consórcio de institutos de investigação italianos.
Marco Piccardo, também investigador no Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores para os Microsistemas e Nanotecnologias (INESC MN) e co-supervisor deste trabalho, explica: “Quando começámos a explorar esses lasers de anel semicondutor [em chip] em 2020, observámos uma física interessante, mas a ideia de criar pulsos solitários nessas cavidades parecia improvável”. A descoberta entretanto concretizada “miniaturiza os solitões para uma escala portátil”, sendo também possível a sua extração “graças a uma porta ativa” projetada pela equipa e “acoplada ao anel”. A arquitetura desse acoplador externo é descrita detalhadamente num artigo complementar a ser publicado na revista Nature Communications.
Os lasers de solitões, conhecidos por gerarem impulsos ultracurtos de luz, são tipicamente volumosos. A descoberta desta equipa de investigação permitiu miniaturizar estes lasers de solitões em anéis microscópicos com novas aplicações numa forma compacta. Operam na região do infravermelho médio, crucial para aplicações na área da saúde e do ambiente, uma vez que nesta gama do espectro eletromagnético existem impressões digitais moleculares de muitas substâncias, um dado essencial para a utilização desta tecnologia como ferramenta de espetroscopia.