A professora do Instituto Superior Técnico, Teresa Peña, é a nova representante portuguesa numa comissão da European Science Foundation, constituída por especialistas em física nuclear de vários países da Europa. Nomeada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), a representante nacional no Nuclear Physics European Collaboration Committee (NuPECC) sucede a Eduardo Alves, também investigador do Técnico. “Aceitei, tendo em conta o papel único da NuPECC no incentivo à formação e desenvolvimento de conhecimento em física nuclear, bem como à sua divulgação”, explica Teresa Peña, também investigadora no Laboratório de Física Experimental de Partículas (LIP). Entre as dimensões mais importantes do cargo estão as “recomendações estratégicas para as agências de financiamento de investigação nacionais” e difusão de uma mensagem importante: “as aplicações da física nuclear estão presentes em diversos sectores” como a saúde, a agricultura, a história de arte e a sustentabilidade ambiental.
Que comentário faz a esta nomeação?
Teresa Peña (TP): É sempre bom ser reconhecida por pares, e melhor ainda é poder participar em equipas internacionais, muito diversas e motivadas para a colaboração a grande escala e focadas na realização de metas. Ser representante nacional na NuPECC dá acesso a pontos de vista diversos e discussões sobre ideias diferentes. Traz mais enriquecimento à minha vida de cientista.
A minha presença na NuPECC é, de certa maneira, um regresso: numa fase inicial da minha vida profissional, foi por convite da NuPECC que participei como co-autora no livro publicado pela editora Johns Hopkins, “Nucleus: A Trip into the Heart of Matter”. Os outros autores foram Ray Mackintosh, Jim Al-Khalili (conhecido divulgador de ciência na BBC, e autor de excelentes podcasts), ambos do Reino Unido, respetivamente da Open University e da Universidade de Surrey, e Björn Jonson, na altura da Universidade Chalmers de Tecnologia na Suécia.
Este livro teve amplo impacto internacional: foi traduzido em seis línguas. Além do português e do sueco, húngaro, francês, checo e coreano, o que nunca antecipei quando o escrevemos!
Que objetivos ou “visão para o futuro” traz a este cargo?
TP: Este cargo corresponde a dimensões várias. Uma é estruturar prioridades, em conjunto com colegas de outros países, e recomendações estratégicas para as agências de financiamento de investigação nacionais, no caso português a FCT. Outra é apoiar e promover o trabalho em rede de estruturas experimentais e laboratórios europeus, otimizando a sua utilização. A terceira dimensão é investir na formação e divulgação da física nuclear, de forma articulada com o resto da Europa e permitir que as novas gerações contribuam para mais inovação.
Por último, a quarta dimensão é contribuir no espaço europeu para a discussão sobre o futuro da Física Nuclear, não só do ponto de vista das metodologias e enquadramentos teóricos, mas também das metodologias de instrumentação e de computação, como novos algoritmos de aprendizagem automática e processamento de grandes volumes de dados da era da Inteligência Artificial.
Existiram já outros representantes portugueses da NuPECC que tenham também sido professores do Técnico?
TP: Sim, o representante anterior também era do Técnico. Foi o Investigador do Técnico (DECN, Departamento de Engenharia e Ciências Nucleares) Eduardo Alves. No Técnico, e no seu ecossistema de Unidades de Investigação associadas, existe atividade teórica e experimental na área de física nuclear e das suas aplicações, de grande impacto e dimensão internacional.
Qual a importância do envolvimento português na NuPECC?
TP: As aplicações da física nuclear estão presentes em diversos sectores. A começar na saúde e na sustentabilidade ambiental. A ideia de que as tecnologias nucleares possibilitam o reforço da sustentabilidade é estranha ao grande público, mas é uma realidade que temos de divulgar e utilizar para vantagem competitiva. Por exemplo, na agricultura, permitem a valorização de resíduos agroindustriais, a desinfestação de produtos alimentares sem poluição química ambiental, a avaliação da contaminação de plásticos nos oceanos; fornecem também ferramentas essenciais para a investigação em história da arte e preservação do património.
O sector do espaço e da radiação cósmica é outro sector onde as tecnologias nucleares são importantes, e o estudos dos efeitos biológicos das mesmas essencial.
No Técnico, no Centro de Ciências e Tecnologias Nucleares (C2TN) e no Departamento de Engenharia e Ciências Nucleares (DECN), existe equipamento que permite fazer estas aplicações que são muito importantes para o país e o seu desenvolvimento sustentável.
É no Técnico, no Campus Tecnológico e Nuclear, em Loures, que existe a única infraestrutura nacional de física nuclear.
O envolvimento português na NuPECC facilita o acesso a outras infraestruturas internacionais, mais equipamentos e a redes de investigadores experimentais e teóricos, consolida mais e potencia a contribuição de Portugal para o desenvolvimento da área.
De que forma é que o Técnico interage ou poderá vir a interagir com esta iniciativa? Que impacto poderá ter em estudantes, professores e investigadores?
TP: A NuPECC organiza encontros pelos vários países participantes, com sessões que podem ser abertas a investigadores, incluindo os mais novos, dando-lhes visibilidade.
A NuPECC também elabora periodicamente, com a participação de toda a comunidade, documentos estratégicos designados “Long Range Plans” (uma prática também comum nesta área nos Estados Unidos) com a visão sobre os desenvolvimentos esperados a médio prazo, e recomendações para as instituições científicas, as agência ou organizações financiadoras de ciência e os decisores.
Esta planificação das atividades científicas em conjunto com o resto da Europa é muito importante. Criar sinergias catalisa o desenvolvimento para o qual a colaboração entre equipas internacionais é fundamental. Os “Long Range Plans” permitem aos investigadores traçarem rotas de desenvolvimento para o seu trabalho com alinhamento internacional e a utilização de grandes equipamentos e infraestruturas europeias.
A NuPECC, como rede de conhecimento e de instituições, traz novas oportunidades de mobilidade internacional e programas de intercâmbio com estadias curtas para os investigadores no início de carreira – o que implica maior capacitação científica e impacto.
Para estudantes e professores, por outro lado, a física nuclear fundamental é um domínio fascinante para alimentar a imaginação, motivar estudantes e definir desafios. Há questões fundamentais que podem trazer aplicações ainda não imaginadas.
Por exemplo, o núcleo atómico não é só a base de aplicações como a ressonância nuclear magnética (o que no diagnóstico médico já é fantástico!). É um sistema de matéria em condições extremas de dimensão e densidade.
Do ponto de vista de dimensão, o núcleo está para o átomo como um mosquito numa catedral. Do ponto de vista de densidade, o núcleo tem a densidade que teria uma laranja em que todos os átomos do Empire State Building fossem comprimidos. Há perguntas fascinantes ainda sem resposta: Quais são os limites desta existência extrema dos núcleos? Que formas podem os núcleos assumir? Qual é o papel da interação nuclear na formação e nas propriedades de sistemas compactos extremos, como estrelas de neutrões? Como compreender a síntese de elementos pesados e a evolução química do universo visível?