Ciência e Tecnologia

100 anos depois do eclipse que confirmou a Teoria da Relatividade

Uma conferência organizada pelo CENTRA celebra o momento e a importância da relatividade geral.

Ilha do Príncipe, Roça Sundy, 29 de maio de 1919. Astrónomos ingleses liderados por Arthur Eddington observam e fotografam um eclipse total do Sol, confirmando pela primeira vez experimentalmente a Teoria da Relatividade Geral de Einstein. No mesmo local, mas 100 anos depois, realiza-se por estes dias a conferência “From Einstein and Eddington to LIGO: 100 years of gravitational light deflection”, que tem o cunho do Centro de Astrofísica e Gravitação (CENTRA), unidade de investigação do Técnico. A iniciativa está a decorrer desde o dia 26 de maio terminando apenas na quinta-feira, dia 30, e tem como palco o Resort Bom Bom na Ilha do Príncipe, a 2,5 Km do local das observações.

O eclipse total do Sol que pasmou a população da ilha do Príncipe durou apenas 302 segundos, ou cinco minutos e dois segundos, que serviram na perfeição para o astrónomo inglês Arthur Eddington conseguir capturar as “chapas” que constituíram a primeira prova direta da Teoria da Relatividade, que Einstein apresentara em novembro de 1915 à Academia de Ciências da Prússia. Depois de terminado o eclipse os astrónomos regressaram a casa para se debruçar sobre as imagens recolhidas.  Através de vários instrumentos, Eddington e a sua equipa testaram se e em que medida a massa do Sol desviava a luz emitida por estrelas distantes, devido ao efeito da gravidade. Seis meses depois, os resultados revelavam que as estrelas observadas perto do disco solar durante o eclipse estavam ligeiramente deslocadas em relação à sua posição normal no céu, na medida prevista pela teoria de Einstein, isto é, 1,75 arcos-segundo.

Este que é um dos mais aclamados eventos da história da ciência celebra-se por todo o mundo, e o CENTRA também não quis deixar a icónica data a passar em vão. “Eu e os professores Vítor Cardoso e Carlos Herdeiro, consideramos oportuno ligar a descoberta às atividades científicas do CENTRA realizando uma conferência científica no Príncipe para celebrar o centenário da descoberta”, explica o professor José Sande Lemos, docente do Técnico e presidente do CENTRA. Sendo os testes experimentais da Teoria da Relatividade Geral e da gravitação uma das áreas de investigação da unidade de investigação torna-se percetível- mas igualmente notável- este envolvimento na organização do evento.

A escolha do local da conferência foi óbvia, como explica o professor José Sande Lemos, “dada a importância histórica destas observações, o lugar natural para se realizar a conferência e celebrar o centenário é no Príncipe”. Tendo como objetivo a celebração da data “juntando especialistas internacionais para refletir o legado deixado por Einstein e Eddington relacionado com o eclipse”, a iniciativa permitirá fomentar a discussão em torno dos “desenvolvimentos subsequentes impressionantes em astrofísica e gravitação, nomeadamente, em buracos negros, ondas gravitacionais e cosmologia”, como também realça o docente do Técnico. “É uma conferência para trilhar a história, partilhar os extraordinários avanços científicos e vislumbrar o futuro”, acrescenta ainda. Além disto, o evento pretende ainda “atrair a atenção da população do Príncipe para a importância das observações de 1919 e para a ciência em geral”, destaca ainda.

Para os cinco dias em que a conferência se realiza a organização teve o cuidado de colocar o foco em temas relacionados com “a confirmação da deflexão da luz num campo gravitacional, e temas de ponta em relatividade geral atuais como buracos negros e ondas gravitacionais”, afirma o docente.  Do Técnico são vários os oradores que marcam presença, o que é uma consequência do facto da organização científica do evento ser do CENTRA, mas do conceituado trabalho desenvolvido na unidade de investigação. “O CENTRA tem desenvolvido investigação notável de nível internacional de frente nesta área e os seus investigadores são líderes ou pertencem a grupos de liderança de investigação internacional”, sublinha o professor José Sande Lemos. “Em conjunto com especialistas de renome de universidades como Cambridge, Chicago, e Paris, entre outras instituições, organizámos uma conferência que inclui também membros do CENTRA e da Universidade de Lisboa especialistas em áreas pertinentes para celebrar este evento”, salienta de seguida.

O projeto científico e educacional “Eddington na Sundy: 100 anos depois” tem também destaque no programa do evento, sendo várias as iniciativas que decorrem sob o chapéu do mesmo. Por exemplo, hoje, às 13h30 locais, haverá uma teleconferência com Sobral, Brasil- onde ocorreu a expedição “irmã” dos astrónomos britânicos – para uma celebração conjunta. “Nessa conferência falarão cientistas de ambos os lados assim como políticos de São Tomé e Príncipe e do Brasil”, explica o docente do Técnico.

A Teoria da Relatividade mudou fundamentalmente a nossa compreensão da Física e da Astronomia, e sustenta tecnologias modernas críticas, como o Sistema de Posicionamento Global (GPS) baseado em satélites. Salientando o grande número de outros testes que a Teoria da Relatividade Geral “passou de forma impressionante” ao longo de todos estes anos, o professor José Sande Lemos relembra “o mais recente e notável”: a deteção pelo LIGO da primeira onda gravitacional, em 2015. “Esta onda, por seu lado, foi gerada pela colisão de dois buracos negros de 30 massas solares cada um a distâncias cosmológicas”, salienta o docente. Ainda este ano, a divulgação da primeira imagem real de um buraco negro voltou a assumir-me como um marco na consolidação desta teoria, abrindo portas para a medição do diâmetro do corpo do buraco negro, e eventualmente, da sua velocidade de rotação.

Mais do que comprovar a Teoria da Relatividade, o acontecimento do dia 29 de maio de 1919 demonstrou mais uma vez que pessoas de diferentes países podiam unir-se num objetivo comum. “Nessa época, a primeira guerra mundial tinha terminado há pouco tempo, e cientistas ingleses e alemães deram as mãos olhando para um futuro melhor”, relembra o professor José Sande Lemos. E, hoje, o mundo da Física volta a unir-se para o celebrar.