O Auditório do Campus Tecnológico e Nuclear (CTN) do Instituto Superior Técnico, em Loures, foi palco da exibição do documentário “Energia Nuclear Já!” do realizador e cineasta Oliver Stone, seguida de uma mesa redonda que debateu a importância da energia nuclear no combate às alterações climáticas e à crise energética. A sessão foi promovida no dia 27 de março e contou com 140 participantes.
Propondo-se a desmistificar preconceitos quanto a segurança, o documentário defende a adoção da energia nuclear como uma solução eficiente para combater a crise climática e garantir um futuro sustentável, invocando que esta pode contribuir significativamente para apoiar a descarbonização do setor energético global.
Será tudo isto rigoroso? Para responder a esta pergunta, após a exibição seguiu-se um debate moderado por Marta Almeida, vice-presidente do Técnico para a gestão do CTN e investigadora do Centro de Ciências e Tecnologias Nucleares (C2TN), que reuniu investigadores da Escola dedicados a esta área científica. Foram abordados os avanços da energia nuclear, incluindo a fusão nuclear, os desafios relacionados com os resíduos nucleares e o papel da energia nuclear na transição energética, em especial no contexto português.
Bruno Gonçalves, investigador e presidente do Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear (IPFN), centro de investigação associado à Escola, enfatizou que, mais do que convencer as pessoas, é necessário abrir as suas mentes para a compreensão de que a energia nuclear é uma alternativa válida e eficaz para enfrentar a crise climática. “Tem uma pegada de carbono extremamente baixa quando analisado o ciclo de vida de todas as fontes de energia – até a energia solar e a eólica exigem grandes quantidades de materiais, resultando em impactos ambientais consideráveis”, explicou o investigador.
José Marques, docente do Técnico e diretor-adjunto do Laboratório de Engenharia Nuclear do CTN, considerou que o documentário simplifica excessivamente a questão, comparando-o a um “conto de fadas” que não aborda de maneira profunda os complexos desafios relacionados com a energia nuclear, como a segurança e a gestão de resíduos. Para além disso, considerou que “não basta reduzir as emissões de CO2 para resolver as alterações climáticas”, criticando a visão excessivamente otimista do filme.
Nuno Barradas, consultor da Agência Internacional de Energia Atómica e investigador do Centro de Ciências e Tecnologias Nucleares (C2TN), por sua vez, argumentou que a resistência ao uso da energia nuclear resulta, muitas vezes, de preconceitos e desinformação. “O medo da radiação é desproporcionado, considerando que a poluição gerada pelos combustíveis fósseis mata milhões de pessoas anualmente, enquanto a energia nuclear causou um número muito menor de mortes ao longo de 50 anos”, sublinhou. Alertou, ainda, para os perigos potenciais associados aos acidentes nucleares em zonas de guerra, como evidenciado pelos acontecimentos na Ucrânia.
O debate também abordou os desafios relacionados com os resíduos nucleares. Bruno Gonçalves explicou que, apesar dos resíduos serem radioativos, a quantidade gerada é relativamente pequena. “Estima-se que, se a eletricidade consumida por um português ao longo de 80 anos fosse de origem nuclear, produziria em resíduos nucleares o equivalente a um terço de uma lata de refrigerante”. Para além disso, é a indústria que melhor monitoriza a gestão dos seus resíduos.
Portugal foi, também, tema de discussão. Marta Almeida questionou o papel que o Reator Português de Investigação teve para o desenvolvimento técnico e científico do país. José Marques refletiu sobre a história da energia nuclear em Portugal, lembrando que, apesar de ter tido acesso à tecnologia de ponta nos anos 50, o país não conseguiu dar continuidade ao investimento na área. “O reator está parado desde 2016 e não voltará a ser posto em funcionamento”, lamentou.
Frederico Carvalho, investigador aposentado, que desempenhou um papel crucial na génese e operação do Reator Português de Investigação, estava na plateia e , na sua intervenção, destacou a importância da energia nuclear para alcançar os Objetivos da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.
A sessão foi encerrada com uma reflexão sobre as energias renováveis e a necessidade de uma abordagem equilibrada para a transição energética. Bruno Gonçalves criticou as notícias que confundem a capacidade instalada com a produção real de energia, enquanto José Marques ressaltou os desafios de implementar a energia nuclear no contexto de um país com limitações como Portugal.