A luz demora três yoctosegundos a atravessar um protão. Para termos uma ideia da exiguidade deste tempo podemos pensar que se a idade do universo fosse apenas um segundo, este tempo seria ainda um milhão de vezes mais pequeno que um piscar de olhos. Ainda assim este tempo ínfimo é aparentemente suficiente para que, em colisões de iões pesados no Large Hadron Collider do CERN (LHC), quarks e gluões percam a sua coerência quântica, interajam entre si e formem o estado da matéria em que todo o universo se encontrava microsegundos depois do Big Bang, o plasma de quarks e gluões.
À ambição do projeto intitulado ‘Yoctosecond imaging of QCD collectivity using jet observables’ (YoctoLHC), junta-se agora a atribuição de uma Advanced Grant, no valor de 2.5 milhões de euros para um período de 5 anos, pelo European Research Council (ERC). O YoctoLHC é liderado pelo professor Carlos Salgado, docente de Física Teórica da Universidade de Santiago de Compostela e diretor do Instituto Galego de Física de Altas Energias (IGFAE), e será desenvolvido por uma equipa internacional que integra investigadores do Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas (LIP) – de entre os quais estão docentes do Técnico-, e da Universidade de Jyväskylä, na Finlândia.
“O objetivo do projeto é perceber o mecanismo dinâmico de formação do plasma. Os resultados experimentais obtidos ao longo das duas últimas décadas, conjuntamente com avanços teóricos muito significativos, permitem-nos saber que o plasma é formado durante os primeiros 5 yoctosegundos após a colisão. Este plasma expande-se e arrefece e volta a ser matéria ‘normal´ cerca de 30 yoctosegundos depois da colisão”, declara o professor Guilherme Milhano, docente do Técnico e investigador do LIP. “Apenas esta matéria ’normal’ é vista pelos detetores instalados no LHC. Embora a expansão e arrefecimento sejam razoavelmente bem entendidas, o mecanismo pelo qual o plasma é formado não o é de todo. O objetivo desta investigação passa por entender esta transição entre iões (núcleos de chumbo no LHC) que chocam e o plasma”, acrescenta de seguida. A complexidade emergente desta transição é, como explica o docente do Técnico, “um problema profundo e com implicações em muitas outras áreas da física e tecnologia: na compreensão da história do universo, no comportamento de materiais avançados.
O projeto YoctoLHC propõe a utilização inovadora de um tipo de sondas, jatos de partículas muito energéticos, para construir uma imagem temporal dos primeiros 10 yoctosegundos da colisão e assim desvendar o processo de emergência de complexidade a partir de constituintes mais fundamentais da Natureza.
A muito longo prazo a compreensão de complexidade emergente- ambição central deste projeto- poderá estar na base do desenvolvimento de novas tecnologias”, destaca o professor Guilherme Milhano, mesmo sabendo que a afirmação tem traços especulativos. “Este projeto envolve a medição de fenómenos que ocorrem em escalas de tempo muito mais pequenas que aquelas medidas, em geral, por métodos convencionais. Se as técnicas a desenvolver pudessem ser aplicadas noutros domínios – o que não é de todo garantido – isto representaria um enorme avanço no que toca a resolução temporal da nossa capacidade de medida” explica de seguida, o investigador do LIP. Acima de tudo, trata-se de um projeto de investigação de ciência fundamental: “guiado por curiosidade e destinado a estender a compreensão da Natureza”, como reitera, aliás, o professor do Técnico.
A equipa do LIP, liderada pelo professor Guilherme Milhano terá a seu cargo o desenvolvimento de técnicas inovadoras que permitam identificar as propriedades dos jatos com sensibilidade aos instantes iniciais da colisão. Com a atribuição desta Advanced Grant, chega também a hipótese da equipa se reforçar com novos investigadores, como adianta o docente do Técnico. “Durante os últimos anos, o nosso grupo tem-se vindo a afirmar como uma referência internacional na interface teoria-experiência do estudo do plasma de quarks e gluões com jatos de partículas”, frisa o investigador do LIP. “É este trabalho passado que levou Carlos Salgado (PI do projeto), com quem colaboro pessoalmente há mais de 15 anos, a considerar a mais-valia dada pela nossa equipa para a conceção do projeto agora reconhecido pelo ERC”, partilha de seguida.
Definindo o YoctoLHC como “um projeto de alto risco”, o professor Guilherme Milhano espera que este permita ainda “obter uma descrição clara de como interações fundamentais podem, muito rapidamente, criar um sistema com propriedades coletivas”. “Nós vivemos rodeados por sistemas com comportamento complexo, logo qualquer contribuição para perceber de onde vem essa complexidade pode – espero que deva – alterar a forma como todos olhamos para o que nos rodeia”, remata o docente do Técnico.