Dos mais de 39 mil casos de coronavírus ativos em Portugal, mais de 90% encontram-se a receber tratamento em casa, sendo a monitorização da sua situação clínica feita através de telefonemas regulares do médico ou do delegado de saúde local. A estes juntam-se ainda os milhares de pessoas sob vigilância que também são contactados pelas entidades de saúde para a identificação e controlo de possíveis sintomas. Numa altura em que toda a ajuda é pouca, e perante um futuro que não se adivinha fácil, a aplicação e-CoVig será uma ajuda crucial em todo este processo, permitindo recolher os vários dados clínicos para avaliação da situação do doente ou do contacto em vigilância. Aquilo que há uns meses era apenas um projeto ambicioso, transformou-se numa solução diferenciadora com muito potencial para ser uma importante ferramenta na capacidade de controlo da COVID-19.
Desenvolvida em plena pandemia, por uma equipa multidisciplinar composta por alunos, professores, e profissionais, esta solução tecnológica de baixo custo permite fazer o acompanhamento remoto e em tempo real da sintomatologia dos indivíduos contaminados ou em vigilância. O download da aplicação é gratuito, contudo, para já, apenas poderá ser utilizada por pacientes registados.
Aos pacientes é atribuído um código QR único que pode ser utilizado nos diferentes componentes da aplicação e no website e-CoVig. Quase todos os dados clínicos necessários à monitorização do estado de saúde são recolhidos através das várias funcionalidades do nosso telemóvel, nomeadamente a respiração, o pulso, o nível de saturação de oxigénio, etc. “O foco foi precisamente a utilização do smartphone como ‘o’ sensor efetivo, minimizando o número de dispositivos externos utilizados pela pessoa”, refere o professor Hugo Silva, docente do Técnico, investigador do Instituto de Telecomunicações (IT) e um dos responsáveis pelo projeto. “Existem, no entanto, algumas variáveis que o smartphone não permite medir, nomeadamente a temperatura e a oximetria de pulso”, adiciona.
Por isso mesmo além do telefone, foi desenvolvido pela equipa do e-CoVig um wearable que permite a medição de temperatura, oximetria de pulso e frequência cardíaca, que trabalha em conjunto com a app. “Este desenvolvimento é destinado a doentes em que seja necessária uma medição mais periódica, ou densa, dos parâmetros fisiológicos”, explica o professor João Sanches, também docente do Técnico, investigador do Instituto de Sistemas e Robótica(ISR) e outros dos líderes do projeto.
A informação recolhida pela aplicação, e que inclui um diário com a identificação das alterações sintomatológicas, é depois enviada para a plataforma BrainAnswer – coordenada pelo professor João Valente do Instituto Politécnico de Castelo Branco – e na qual é possível configurar o acesso por parte de médicos, enfermeiros e cuidadores consoante o respetivo nível de responsabilidade.
Por sua vez, no website, fornecido pela BrainAnswer, existe um painel de controlo de vigilância de fácil utilização. Nesta plataforma, os profissionais de saúde podem rever os dados recolhidos e receber alertas quando são detetados parâmetros anormais, ou sempre que seja necessário efetuar medições. A plataforma pode também extrair e conduzir a uma avaliação de risco dos sujeitos monitorizados, seguindo as diretrizes estabelecidas pelo grupo de trabalho Trace COVID-19 – que definiu os critérios para a monitorização à distância, da forma mais adequada possível, de doentes diagnosticados com a COVID-19.
“Houve várias funcionalidades que implementámos como resultado do feedback recebido por parte dos profissionais de saúde e da colaboração gerada pelo projeto”, explica o professor João Sanches. Um dos exemplos do upgrade que o projeto inicial sofreu é o reconhecimento ótico de caracteres (OCR) para auxiliar a inserção manual dos valores de temperatura e oximetria de pulso na aplicação. “Integrámos ainda uma função de autenticação com base em códigos QR de modo a simplificar e tornar mais eficiente o processo de autenticação na aplicação”, acrescenta o professor Hugo Silva.
Um dos maiores desafios do projeto foi encontrar o equilíbrio entre a funcionalidade e usabilidade desta solução. “Este foi um dos aspetos centrais no desenvolvimento da solução, desde a sua génese”, realça o professor João Sanches. “Essencialmente procurámos desenvolver um sistema “human-friendly” que possa ser utilizado por pessoas com diferentes níveis de literacia digital”, salienta, ainda, o docente.
O resultado conquistado é fruto de muito trabalho e dedicação de uma equipa interdisciplinar que “além da componente de engenharia, envolveu profissionais de saúde, designers e outros perfis de valor acrescentado para maximizar a usabilidade da solução”, tal como destaca o professor Hugo Silva.Neste momento, a solução está a completar os testes de validação laboratorial em conjunto com o professor Telmo Pereira, da Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Coimbra, “com resultados muito positivos até ao momento”. “Os testes em contexto hospitalar estão planeados para o Hospital de Santa Maria, sob a coordenação do Dr. Luís Brás Rosário, e irão arrancar após o parecer positivo da comissão de ética”, adianta o professor João Sanches.
O próximo passo do projeto será a implementação em contexto real, como ferramenta de suporte ao seguimento dos doentes em conjunto com a plataforma TraceCOVID. “Prevemos também a transposição para outras patologias nas quais a monitorização remota possa ser de valor acrescentado”, avança o professor Hugo Silva.
Os docentes do Técnico não têm dúvidas de que a principal característica diferenciadora do e-CoVig é “a utilização do smartphone como a componente principal para obtenção das medidas fisiológicas”. “Além disso, o wearable especializado que criámos no contexto do projeto reúne uma combinação distintiva de características ergonómicas e técnicas, que se revelaram vantajosas para este domínio de aplicação”, destaca o professor João Sanches.
Parece-lhe estranho que tudo isto, que supostamente é feito sob o comando de um profissional de saúde, possa ser feito por cada um dos pacientes apenas com a ajuda do telemóvel? Na prática, é a tecnologia a fazer das suas, agilizando e automatizando as interações dos infetados com o Sistema Nacional de Saúde, reduzindo o risco de contaminação dos profissionais do setor, adensando o processo de monitorização a longo prazo, contribuindo para o aumento da precisão do diagnóstico e ainda fortalecendo a capacidade de monitorização simultânea de mais cidadãos.