Um novo conceito de lasers poderá estar para surgir e a culpa é de uma equipa de cientistas do Técnico que desenvolveu um trabalho que revoluciona um conceito físico fundamental, abrindo porta a novas descobertas, novos estudos científicos e muitas aplicações práticas. A investigação é dada a conhecer na conceituada revista Nature Physics esta terça-feira, 15 de setembro, num artigo intitulado “Generalised superradiance: producing broadband, coherent radiation with transversely modulated, arbitrarily diluted beams”. Os resultados surpreendentes e inovadores são o resultado do trabalho levado a cabo por um grupo de investigadores do Grupo de Lasers e Plasmas (GOLP) do Técnico composto pelos professores Jorge Vieira e Tito Mendonça, ambos docentes do Técnico a quem se junta o aluno de doutoramento Miguel Pardal, e o docente do ISCTE, professor Ricardo Fonseca.
“O resultado que reportamos no artigo ‘revoluciona’ um conceito físico fundamental, que tem aplicações científicas e tecnológicas muito vastas, desde física atómica até à mecânica quântica e astrofísica”, começa por referir o professor Jorge Vieira, docente do Técnico e primeiro autor deste artigo. O conceito a que o investigador do GOLP se refere é àquilo que na gíria se designa por superradiância, um conceito seminal em ótica quântica descoberto em 1954. É este o conceito que, por exemplo, permite a existência dos lasers de eletrões livres, as máquinas que geram os feixes de raios-x mais brilhantes no mundo.
“No contexto desta nossa generalização, podemos obter superradiância para feixes de partículas arbitrariamente longos e em que as partículas emissoras estão arbitrariamente longe umas das outras, independentemente do comprimento de onda que emitam”, declara o investigador. Com isto, espera-se que a superradiância generalizada possa facilitar a geração de luz coerente em qualquer gama espectral relevante para diferentes áreas, por exemplo, desde radiação THz- como em máquinas de vigilância nos aeroportos- até aos raios-x que permitem obter as radiografias.
Sublinhando que os aceleradores de plasma — dispositivos de aceleração muito compactos — são fortes candidatos para a reduzir substancialmente o tamanho (e o custo) dos lasers de eletrões livres, o investigador do GOLP refere que “a geração de raios-x coerentes em aceleradores de plasma constitui, ao mesmo tempo, um grande desafio científico”. “O maior constrangimento para a demonstração deste conceito é, precisamente, a dificuldade em comprimir os feixes acelerados”, acrescenta. A superradiância generalizada permite aliviar fortemente este constrangimento, abrindo assim o caminho para os lasers de eletrões livres baseados em plasmas.
Assim esta demonstração da superradiância generalizada poderá ser o primeiro passo essencial para o estabelecimento de um novo tipo de lasers com enorme potencial para a nossa sociedade, ciência e tecnologia. “Este avanço traria a investigação que hoje é apenas possível em grandes laboratórios- mas não mais que 5 a 10 no mundo inteiro- para centenas ou milhares de universidades, e diretamente para junto dos hospitais, para tratamentos e imagiologia médica”, refere a título de exemplo o professor Jorge Vieira.
Há ainda muito a compreender sobre a natureza da superradiância generalizada, e por isso continuar a investigar este conceito, e a sua aplicação ao contexto da aceleração de plasma é assim um dos objetivos científicos deste grupo de trabalho. “Só assim poderemos responder à questão se alguma vez poderemos construir lasers de eletrões livres ultracompactos baseados em plasmas, com base no conceito que propomos”, frisa o professor Jorge Vieira.
A intuição inicial que guiou o grupo de trabalho “era irrealisticamente otimista”, recorda o professor Jorge Vieira. “Isto ficou claro assim que concluímos a primeira versão dos cálculos”, adiciona. Estes cálculos também acabariam por confirmar que a intuição dos investigadores estava “qualitativamente correta e que o resultado continuava a ser muito promissor”, realça o investigador.
Estes resultados e o impacto dos mesmos são o melhor retorno deste trabalho, e publicação na Nature Physics acaba por ser a “cereja no topo do bolo”. “Sem dúvida que esta publicação é muito importante porque uma revista com muita reputação e altamente seletiva”, vinca o docente do Técnico. “O trabalho que o Grupo de Lasers e Plasmas desenvolve tem um forte reconhecimento internacional. Uma das principais razões é a nossa tradição no desenvolvimento de teoria em conjunto com ferramentas numéricas avançadas para a simulação de plasmas. Este nosso artigo beneficiou diretamente de todo este conhecimento acumulado no nosso grupo e no Técnico”, acrescenta.
Relativamente ao futuro e, porque este tem tudo para ser altamente promissor, o professor Jorge Vieira adianta que “um dos árbitros do nosso artigo chamou à atenção para uma forma potencialmente mais simples de concretizar o conceito experimentalmente do que aquela que exploramos no artigo”, e é nessa linha de investigação que a equipa está centrada neste momento. “O nosso estudo avançou bastante durante os últimos meses e penso que estaremos em condições de definir uma estratégia para a demonstração experimental muito proximamente”, adianta o docente do Técnico. “A experiência não poderá ser feita em Portugal, e por isso a colaboração com cientistas de outros laboratórios será crucial”, avança ainda. Por tudo isto, e “porque é frequente a nossa intuição inicial ser irrealisticamente otimista”, o investigador do GOLP considera que talvez seja prudente não avançar com uma data para a apresentação de um modelo adequado para a demonstração experimental. A verdade é que os dados para esta transformação estão muito bem lançados.