A Academia Real Sueca atribuiu esta terça-feira, 6 de outubro, o prémio Nobel da Física a Roger Penrose, Reinhard Genzel e Andrea Ghez por descobertas relacionadas com os “segredos mais obscuros do Universo”.
David Haviland, presidente do Comité Nobel de Física, considerou que estas descobertas premiadas “abriram novos caminhos no estudo de objetos compactos e supermassivos”. “Estes objetos exóticos ainda colocam muitas questões que imploram por respostas e motivam investigações futuras. Não apenas questões sobre sua estrutura interna, mas também questões sobre como testar a nossa teoria da gravidade sob as condições extremas nas imediações de um buraco negro”, declarou ainda.
A vontade de descobrir mais sobre estes fenómenos intrigantes do universo que orientou os três cientistas galardoados, também se faz sentir no Instituto Superior Técnico, mais precisamente no Centro de Astrofísica e Gravitação (CENTRA), onde uma das áreas de investigação centrais é exatamente a física e astrofísica de buracos negros, com inúmeros trabalhos de ponta realizados. “Só por isso o CENTRA estaria ligado a este prémio Nobel”, afirma o professor José Sande Lemos, presidente do centro de investigação e docente do Técnico. “No entanto, imprevistos e circunstâncias adicionais puseram o nosso centro de investigação no centro do prémio Nobel”, refere o docente.
As conjeturas extra de que o docente do Técnico fala envolvem-no desde logo a si próprio, não fosse ele um dos autores do artigo citado no texto que anunciou o prémio. O artigo intitulado “O buraco negro cinquenta anos depois: A génese do nome” da autoria do professor José Sande Lemos e do professor Carlos Herdeiro, docente da Universidade de Aveiro, aborda a história de buracos negros, a génese do seu nome e os conceitos físicos mais importantes envolvidos. “Em 2018, para comemorar os 50 anos da criação do nome buraco negro escrevemos este artigo que foi publicado na Gazeta de Física. Como fizemos avanços ao que era conhecido e achámos que o artigo ficou bom traduzimo-lo para inglês com o título ‘The black hole fifty years after: Genesis of the name’ e publicámos nos Arxivs, um repositório internacional de artigos de física de grande prestígio sediado em Cornell. O artigo tem sido bastante lido e teve agora um destaque suplementar”, lembra o presidente do CENTRA.
Foi ainda enquanto estudante de Física, que o professor José Sande Lemos começou a interessar-se por astrofísica e gravitação, e desde então dedicou grande parte dos seus estudos e trabalhos a buracos negros, “em particular aos processos quânticos e termodinâmicos que ocorrem na vizinhança e dentro desses objetos”, assunto pelo qual se tem destacado. Por isso mesmo foi com “grande alegria” que recebeu a notícia que o Prémio Nobel da Física de 2020 tinha sido atribuído a esta área.
Para além do professor José Sande Lemos há outros protagonistas na ligação deste centro de investigação ao Prémio Nobel, mais precisamente a um dos galardoados. É que o CENTRA participa, com os investigadores Paulo Garcia, António Amorim e Vítor Cardoso, num projeto de cooperação internacional do Observatório Europeu do Sul (ESO). O projeto chama-se Gravity Collaboration, e é coordenado pelo professor Reinhard Genzel. “O CENTRA está envolvido não só na performance do instrumento como nos resultados das suas observações”, refere o professor José Sande Lemos.
“Gravity Collaboration”: o passo seguinte na investigação distinguida com o Prémio Nobel
Quando há cerca de 20 anos, o professor Vítor Cardoso começou a trabalhar em física de buracos negros e ondas gravitacionais, esta era uma área que estava a desenvolver-se. “Creio que o pensamento geral era que buracos negros devem existir, mas na realidade não são relevantes para nada”, recorda o docente. Hoje em dia, o docente é um dos nomes mais reconhecidos nesta área, e os buracos negros, o motivo para a atribuição do importante galardão.
“Este prémio Nobel vem coroar toda uma comunidade, que mostrou que os buracos negros existem, são fundamentais para entendermos o universo, a própria evolução das galáxias e quiçá da origem da vida”, afirma o docente do Técnico. “Mas veio também realçar o aspeto científico, rigoroso, deste tipo de investigação, uma parte matemática complexa, e outra astronomia e astrofísica complexa”, adiciona.
Quando soube da notícia, o professor Vítor Cardoso fez questão de enviar um email a Reinhard Genzel de “parabéns pelo prémio, mas sobretudo pelo trabalho que levou ao prémio”. Sobre a relação que mantém com o galardoado, o professor salienta que as interações entre ambos “têm sido a nível puramente teórico e de discussão científica, e especialmente dos dados quer do LIGO quer do Gravity”. “A impressão que me fica é a mesma que tenho com outras mentes de altíssimo calibre: quer saber, tudo o que seja possível. Não interessa que não diga respeito diretamente aquilo em que trabalha, ele quer saber e compreender mais”, conta o investigador do CENTRA.
O “Gravity Collaboration” tem como objetivo central o desenvolvimento de um instrumento de segunda geração para fazer observações mais precisas de estrelas- ou que delas resta- que gravitam junto ao buraco negro no centro da Via Láctea. “O centro da Via Láctea tem ainda muitos mistérios, por exemplo, em termos da população de estrelas tipo Sol, ou estrelas de neutrões, ou buracos negros com massas estelares. Mas talvez ainda mais importante é estudar a fundo o comportamento preciso do objeto massivo, escuro e compacto que sabemos que está lá”, explica o professor Vítor Cardoso.
“Pensamos que é um buraco negro, mas temos que saber com maior precisão como ele se comporta”, salienta o docente. “Porquê?”- questionámos. “Porque a curiosidade é-nos inata, mas neste caso concreto temos razões para ir mais a fundo. A teoria da relatividade geral falha no interior de buracos negros, e temos tido problemas em unificar gravitação com mecânica quântica. Talvez encontremos as respostas a estas questões conhecendo a fundo o comportamento destes objetos”, justifica o investigador do CENTRA.
Este instrumento, o Gravity, já está a funcionar nos telescópios VLT do ESO, no Chile, mas a equipa de investigação continua a trabalhar para o aperfeiçoar. O professor Vítor Cardoso adianta que ainda muito pode ser feito neste sentido: “Uma das coisas que pode ser feita é aperfeiçoar a tecnologia, permitindo ver cada vez melhor e mais perto do centro. O outro ingrediente é tempo e sorte”. “Estamos à procura no escuro, e temos que esperar, talvez com sorte uma estrela luminosa passe ao pé do buraco negro. Só assim podemos catalogar as estrelas que por lá habitam e o comportamento deste objeto massivo”, explica o docente do Técnico.
Buraco Negro, um dos elementos mais misteriosos do Universo
Mas afinal o que são buracos negros? O professor José Sande Lemos ajuda-nos a entender: “Buracos negros são deformações extremas do espaço-tempo, onde matéria e até mesmo a luz ficam aprisionadas. Matematicamente, buracos negros são descritos como soluções das equações de campo da teoria da relatividade geral, sendo constituídos por uma singularidade no seu interior e por um horizonte de eventos no seu exterior”. “Observacionalmente existe uma total evidência astrofísica para a existência real e abundante destas prisões de matéria e luz”, acrescenta o presidente do CENTRA.
Em 1915, Einstein descreveu como tudo, desde um minúsculo átomo até a uma supernova, estaria sujeito à gravidade. Sendo esta gravidade proporcional à massa, um corpo extremamente maciço poderia, em teoria, modificar o espaço e desacelerar o tempo.
O vencedor do Prémio Nobel, Roger Penrose forneceria provas de que a formação de um buraco negro era uma previsão sólida da teoria da relatividade geral, proposta por Einstein. Os desenvolvimentos matemáticos e teóricos de Roger Penrose seriam fulcrais na compreensão da física e astrofísica de buracos negros. “Este é um prémio ao génio do Penrose, que conseguiu ver nas equações de Einstein o que mais ninguém tinha visto. Ele viu singularidades, superfícies fechadas aprisionadas, buracos negros e censores cósmicos”, refere o professor Vítor Cardoso. “Ele percebeu que é possível extrair energia do vácuo e que talvez esta energia fosse o motor de algumas das explosões que vemos pelo cosmos. Ele percebeu isto na década de 1960”, adiciona, logo de seguida, o docente do Técnico.
Admirador assumido do trabalho deste físico e matemático britânico, também o professor José Sande Lemos realça o mérito deste prémio, declarando que o galardoado é “um cientista fora de série”. “Os seus livros em matemática e física explicam e convencem. Os seus artigos suplantam fronteiras do conhecimento”, vinca o docente do Técnico.
“Penrose deu origem a que um buraco negro e o seu horizonte de eventos fosse tratado de forma dinâmica, o que culminou com a descoberta por Hawking da radiação quântica emitida por um buraco negro e com a formalização que buracos negros são também sistemas termodinâmicos”, explana o presidente do CENTRA. O professor José Sande Lemos não tem dúvidas de que se Stephen Hawking estivesse vivo certamente teria recebido conjuntamente este prémio Nobel.
Logo que soube da atribuição do prémio, o professor José Sande Lemos enviou as suas felicitações ao professor Roger Penrose. “A última vez que estivemos em contato foi há dois anos em que trocámos emails sobre buracos brancos, objetos que são os inversos temporais de buracos negros e que pertencem ao domínio da especulação, não ao mundo real”, partilha.
Buracos Negros Super Massivos
O mais famoso buraco negro supermassivo é, provavelmente, o Sagitário A*, com uma massa quatro milhões de vezes superior ao Sol, estando situado no centro da Via Láctea. No início dos anos 90, Reinhard Genzel e Andrea Ghez, começaram a desenvolver uma nova tecnologia para explorar o centro da galáxia e, ao observarem 30 das estrelas mais brilhantes e perto da Via Láctea, acabaram por descobrir o “Sagitário A”. Esta descoberta valeu-lhes, agora, metade do Prémio Nobel da Física 2020. “O Genzel e a Ghez foram geniais, ao perceberem que conseguiam espreitar para o centro da galáxia, e que o deveriam fazer porque iriam ser recompensados”, declara o professor Vítor Cardoso.
De acordo com o professor José Sande Lemos “o trabalho de Genzel e de Ghez e das suas colaborações é de grande dificuldade instrumental e observacional e requer aptidões em várias áreas científicas e tecnológicas fora do comum”. “É certamente um trabalho ao qual pode ser atribuído o Prémio Nobel”, sublinha, ainda o docente do Técnico.
Professor Vítor Cardoso: “Gosto de pensar que este prémio é um começo”
Não há dúvidas de que os últimos anos têm sido de facto muito especiais para os investigadores e apaixonados por esta área. “Tem sido sucesso atrás de sucesso. Tudo somado é um triunfo do conhecimento humano”, destaca o presidente do CENTRA. “Em 2017 tivemos o Prémio Nobel para ondas gravitacionais, que tinham sido detetadas pela primeira vez em 2015 provenientes da colisão de dois buracos negros, confirmando assim, de passagem, a existência destes objetos. Em 2019, o prémio foi para a cosmologia e para a observação de novos planetas fora do sistema solar”, recorda o professor José Sande Lemos. O docente do Técnico atreve-se até a desejar e prognosticar “que talvez o próximo prémio Nobel para a área de astrofísica e gravitação seja quando se detetarem e descobrirem ondas gravitacionais primordiais, relíquias do big bang original”.
“Gosto de pensar que este prémio é um começo: agora vem a parte interessante, vamos ver o que é que falha com a Teoria de Einstein, e vamos ver ao certo como é que os buracos negros controlam as galáxias”, afirma, por sua vez, o professor Vítor Cardoso. Para o investigador do CENTRA este prémio é também um “estímulo, sim a todas as mentes brilhantes por aí”.