Ciência e Tecnologia

O impacto do Prémio Nobel da Física na investigação do Técnico

Também no Grupo de Lasers e Plasmas é incontornável a importância das “ferramentas feitas de luz”, distinguidas este ano pelo galardão.

O Prémio Nobel da Física foi, este ano, partilhado entre Gérard Mourou (Ecole Polytechnique, França), Donna Strickland (Universidade de Waterloo, Canadá) e Arthur Ashkin (Laboratórios Bell, EUA). As invenções distinguidas não são recentes, mas revolucionaram a área da Física de Lasers. As ferramentas criadas pelos dois grupos de investigação laureados, tornaram possível manusear objetos extremamente pequenos, realizar ações que exigem uma extrema minúcia e visualizar pormenores do tamanho de átomos. A tudo isto acresce a rapidez e precisão que as mesmas permitem. Os três físicos responsáveis pelas descobertas dividirão os nove milhões de coroas suecas do prémio monetário.

Foi através da genialidade de Arthur Ashkin, que o mundo da física conheceu as pinças óticas, capazes de capturar partículas, átomos, vírus e células vivas com dedos de luz laser. Em 1987, a investigação atinge o seu auge ao mostrar ser possível apanhar bactérias vivas sem danificá-las. Apesar de nunca ter usado as pinças óticas nas suas investigações, a docente do Técnico e investigadora do Grupo de Lasers e Plasmas (GoLP, Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear, Instituto Superior Técnico), a professora Marta Fajardo, faz questão de destacar a importância das mesmas: “Graças a esta técnica, associada à microscopia, neste momento pode-se desenrolar uma cadeia de DNA, para medir a sua elasticidade, ou registar como são transportadas as moléculas ao longo da cadeia”.

Por sua vez, Mourou e Strickland conceberam em conjunto, em 1985, uma nova técnica para criar pulsos intensos de luz de laser – CPA- , que revolucionou os lasers de alta potência, permitindo atingir intensidade de lasers antes impossíveis. Em relação a esta técnica, a investigadora do GoLP pode ir mais longe no comentário, afinal além de conhecer um dos seu inventores, utiliza regularmente no seu trabalho de investigação mecanismos fornecidos pelo CPA : “Há um antes e um depois da introdução do CPA na história dos lasers”, comenta a docente do Técnico. Graças a esta invenção, é possível usar lasers ultra-curtos nas mais variadas aplicações: desde a dermatologia à oftalmologia, da aceleração de partículas a laser à geração de raios-X pulsados e à astrofísica em laboratório. Trinta anos depois, este é o método mais usado nos lasers de alta potência em todo o mundo, o que é testemunho do seu impacto duradouro na física dos lasers. No Técnico, o GoLP opera vários sistemas laser de alta intensidade. O investigador Gonçalo Figueira, especialista na técnica CPA, construiu e instalou o primeiro laser de CPA em Portugal em 1998, tendo desenvolvido outros desde então. O professor Luís Silva recorre a métodos numéricos para simular a utilização destes lasers para a aceleração de partículas e para explorar plasmas em condições extremas. Já a investigadora Marta Fajardo expandiu o conceito de CPA ao domínio dos lasers de Raios-X, propondo e demonstrando a técnica de CPA-X usando lasers em plasmas e lasers de eletrões livres.

Outro dos fatores que fez este prémio ser comemorado de forma especial no Técnico, foi o facto de o premiado Gérard Mourou, ser um colaborador de longa data de diversos membros do Grupo de Lasers e Plasmas. Além da professora Marta Fajardo, também Luís Silva, Nelson Lopes trabalharam junto do professor Mourou na génese do Projecto ELI – Extreme Light Infrastructure, iniciado em 2005, com o objetivo de construir na Europa o sistema laser mais potente do mundo, sendo co-autores com Mourou do Livro Branco do ELI. Os investigadores do Técnico lideraram vários work-packages deste projeto. Em 2010, foi tomada a decisão de articular o Projeto ELI em três polos, entretanto instalados na República Checa, Hungria e Roménia, que se encontram agora a entrar na fase operacional. A professora Marta Fajardo relembra a fantástica personalidade que esta proximidade profissional lhe permitiu conhecer: “o professor Gerard Mourou é uma personalidade marcante. Tem sempre ideias à frente do seu tempo, e foi o pai do projecto ELI”. “Nessa altura trabalhámos mais de perto, no meu caso na dimensão de divulgação do projeto, que envolveu muitas relações públicas internacionais, para as quais ele sempre se prestou com muito agrado. Quando esteve cá no Técnico para uma reunião do projeto, deu uma entrevista para a Gazeta da Física num intervalo entre reuniões”, recorda ainda. Por tudo isto foi “com grande entusiasmo” que receberam a notícia de que Gérard Mourou havia sido contemplado na atribuição do honroso galardão. “É uma festa para os lasers e para a comunidade laser-plasma em geral”, destaca a investigadora do GoLP.

No projeto de investigação VOXEL– conduzido pela professora Marta Fajardo -, o laser com o mesmo nome utiliza a técnica de CPA, o que “nos permite atingir intensidades extremamente elevadas num laboratório à escala universitária”, explica a docente do Técnico.  “Temos neste momento um novo projeto FCT para comprimir ainda mais os impulsos, para conseguir gerar electrões relativistas e fontes de raios-X ultra-rápidas. Sem a técnica CPA, esta investigação não seria possível em Portugal”, adianta posteriormente. Se não fosse a invenção Mourou e Strickland para termos um laser como o da sala VOXEL que atinge potências de 0.5 TW em cima de uma mesa, seria necessário construir todo um edifício para acolher um laser de potência equivalente.

O facto de uma das galardoadas deste ano ser uma mulher também não deixou ninguém indiferente. Desde o início da atribuição dos prémios Nobel da Física, em 1901, já foram distinguidos 206 investigadores, mas apenas duas mulheres: Marie Curie, em 1903, pelos trabalhos relacionados com a radioatividade, e Maria Goeppert-Mayer, em 1963, pelas descobertas na estrutura do núcleo dos átomos. Donna Strickland torna-se, portanto, a terceira mulher a ser contemplada com o Nobel da área. A professora Marta Fajardo comenta com toda a espontaneidade possível esta atribuição: “já não era sem tempo!” “Espero que este prémio inspire jovens investigadoras nesta área. No Grupo de Gender Balance @ Tecnico, trabalhamos para combater as desigualdades que se fazem sentir na comunidade da engenharia”, declara de seguida. Na busca de modelos a seguir, para servir de inspiração, o grupo de trabalho do Técnico tem agora mais um nome para adicionar à lista de mulheres que se destacam na ciência e engenharia. “Com o tempo esperamos que haja muitas mais”, refere por fim.