Campus e Comunidade

“A capacidade de acreditar que podemos ser sempre melhores faz parte da nossa matriz cultural”

Entrevista com o presidente do Técnico, professor Rogério Colaço.

O professor Rogério Colaço continua a olhar para o Técnico com o mesmo fascínio com que há 35 anos o observou pela primeira vez enquanto aluno. Hoje em dia, a visão do presidente sobrepõe-se à de alumnus, docente e investigador da Escola, e é por isso um olhar mais prudente, mas não menos sonhador. Ao longo deste ano atípico não o surpreendeu, mas orgulha-o imenso, a capacidade de resposta da comunidade do Técnico à pandemia e faz questão de salientar a vontade que existe de superar quaisquer danos.  

Nesta entrevista, que assinala os 110 anos do Instituto Superior Técnico, fala dos desafios do presente, mas não esquece o passado, o trabalho, a persistência e as pessoas que marcam a história da Escola. Partilha projetos e metas com a cautela de quem conhece e todos os dias lida com os constrangimentos. Acima de tudo, e por diversas vezes, o presidente do Técnico lembra o papel de todos na construção do caminho, o que se fez e o está por vir, sempre com a ousadia de fazer e ser melhor. 

O Técnico recebe anualmente milhares de alunos internacionais, tem inúmeros programas de duplo grau, e faz parte de um dos projetos de instituições de ensino de matriz europeia, a UNITE!. É cada vez mais uma escola de olhos postos no mundo?

A formação e a investigação de qualidade que temos obrigação de dar, e damos, aos nossos estudantes só se consegue em articulação com outros parceiros internacionais, que estejam ao nosso nível, que sejam melhores do que nós e que possam puxar por aquilo que temos de bom para dar. Já há algumas décadas que o percebemos e temos vindo a trabalhar nisso.

Neste momento, o Técnico é, de facto, uma Escola com enorme reconhecimento internacional, não só na Europa, como também, e cada vez mais, no Mundo. Há umas semanas, a Western Michigan University dos Estados Unidos atribuiu-nos o prémio de parceiro internacional do ano e penso que isso diz muito. O reconhecimento a nível internacional do nosso trabalho, da qualidade da nossa formação está numa fase de grande consolidação. Naturalmente, a pandemia trouxe um conjunto de novos desafios relativamente à mobilidade, mas continua a ser uma das nossas estratégias, e que tem sido bem-sucedida porque tem sido perseguida de forma contínua pelas várias direções.

Essa estratégia prejudica de alguma forma a captação de alunos nacionais?

Não, pelo contrário. Captamos os melhores alunos nacionais e penso que isso também é consequência deste ambiente internacional que estamos a construir. As famílias e os alunos vêem o Técnico como uma Escola internacional e entendem isso como uma mais-valia na sua formação.

“Esta relação de confiança é algo que o Técnico tem vindo a construir ao longo de muitos anos”

A Rede de Parceiros do Técnico continua a crescer, e são cada vez mais as empresas que demonstram interesse em aliar-se à Escola. Esta vontade deve-se essencialmente ao talento que aqui reside?

Deve-se, claro, ao talento dos nossos alunos, mas se tivesse que escolher uma palavra para justificar esse interesse, diria que tem mesmo a ver com confiança. O interesse dos nossos parceiros, quer sejam empresariais, autarquias, ou outras instituições de ensino superior, deve-se à confiança que têm na nossa capacidade de resposta e na qualidade da mesma. Esta relação de confiança é algo que o Técnico tem vindo a construir ao longo de muitos anos.

Dos 40 laboratórios associados aprovados este ano, 9 têm ligação aos nossos centros de investigação. Isto reflete o papel da instituição no campo da investigação nacional, mas também a vontade de dar cartas a nível internacional, de atrair fundos?

Cerca de um quarto da totalidade dos Laboratórios Associados têm participação de centros de investigação do Técnico. É um peso grande e até desproporcional porque a nossa Escola não é um quarto do Ensino Superior. Demonstra a inquietação que caracteriza o Técnico e que faz com que as pessoas estejam permanentemente empenhadas em melhorar as suas soluções, as suas condições, em serem mais competitivas. Estes números refletem a capacidade de trabalho e empenho em associarem-se a parceiros e colegas e de contribuir para o desenvolvimento das infraestruturas nacionais de investigação.

A dinamização do campus do Taguspark é uma das apostas desta direção.  Considera que o potencial deste polo está a ser subaproveitado? Como pretendem corrigir isto?

O campus do Taguspark tem sido efetivamente subaproveitado. A sua construção começou há cerca de 25 anos, mas na verdade o campus ainda não se cumpriu na sua totalidade.  Temos um conjunto de instalações fantásticas com 1700 alunos, mas que, de certa forma, estão desinseridos do ecossistema do território de Oeiras. O Taguspark tem algumas dificuldades em termos de acessibilidade, de enquadramento urbano, e em termos de enquadramento no ecossistema social, científico e empresarial da região onde se insere.

No ano passado, a direção do Técnico empenhou-se em tentar corrigir isto. Foi assinado um memorando de entendimento com a Câmara Municipal de Oeiras visando o desenvolvimento do campus do Taguspark, que permitirá fazer a reestruturação de todo o enquadramento paisagístico e urbano, e que se iniciará ainda este ano. Possibilitará também melhorar as acessibilidades através não só do aumento das carreiras urbanas, como também da construção de uma ciclovia que unirá o Taguspark ao Lagoas Park e à estação de Paço de Arcos, permitindo uma mobilidade mais sustentável da comunidade.

Além de tudo isto, no próximo ano letivo arrancará um novo mestrado, em Bioengenharia e Medicina de Precisão, e estamos também a criar uma série de iniciativas de melhoria da ligação às empresas da envolvente. O nosso objetivo é deixar ao longo deste mandato o Taguspark inserido no ecossistema do território de Oeiras.

E o reforço das atividades de ensino no Campus Tecnológico e Nuclear (CTN) também   continua a ser um objetivo desta direção?

Claro. No próximo ano letivo começará também no CTN uma nova oferta formativa: um mestrado na área da conservação e restauro, um domínio em que existem competências neste nosso campus e que envolve outras faculdades da Universidade de Lisboa, nomeadamente a Faculdade de Belas-Artes.

Para além disso, este campus é contíguo a uma propriedade de 3 hectares que é do Técnico também:  a Quinta dos Remédios. Já foi entregue à Câmara Municipal de Loures o projeto do plano de pormenor que permitirá desenvolver e criar condições para termos um conjunto de infraestruturas na Quinta dos Remédios, e uma parte destas funcionarão em benefício das atividades de investigação do Técnico.

“São currículos mais à imagem de cada aluno, que os irão diferenciar e valorizar no mercado de trabalho”

Uma das grandes novidades do próximo ano letivo será também o novo Modelo de Ensino e Práticas Pedagógicas (MEPP). O que podem esperar os alunos do Técnico deste novo modelo?

Este novo modelo de ensino foi objeto de uma reflexão profunda durante 2 anos, envolvendo vários órgãos do Técnico. Com este modelo permitimos aos nossos estudantes desenhar até certo ponto o próprio currículo, escolhendo caminhos que não são absolutamente estritos à espinha dorsal da sua formação. Um aluno pode estudar Engenharia Mecânica, mas gostar de cibersegurança ou de bioinformática, e pode explorar esse interesse ao longo do curso, fazendo algumas cadeiras nessas áreas. Pode aprofundar também os seus conhecimentos por exemplo em línguas ou artes, visto que todos os cursos permitem também a creditação de 6 ECTS, o que grosso modo corresponde a uma unidade curricular por semestre, numa qualquer faculdade da Universidade de Lisboa, enriquecendo a formação em áreas que vão para além da Engenharia ou das Ciências Naturais.

O espírito que está por trás disto é que, no âmbito da formação técnica, os nossos estudantes podem ter estas duas valências: o tronco principal e o tronco de especialização secundário. Depois a terceira componente, de formação em humanidades, artes ou ciências sociais, que consideramos, e a exemplo de muito do que se faz lá fora, ser uma experiência que também enriquece a formação de quem trabalha em tecnologia.

Estou muito convicto de que este será o caminho que vai ser seguido nos próximos anos em termos de formação em áreas tecnológicas: cursos com maior flexibilidade que permitem aos alunos escolher, ou de certa forma desenhar, os seus próprios currículos e depois lhes possibilitam também completar a sua formação com áreas terciárias de interesse fora daquilo que é o âmbito da formação especificamente técnico-científica. São currículos mais à imagem de cada aluno, que os irão diferenciar e valorizar no mercado de trabalho. Isto faz com que a formação do Técnico, que até agora tem sido um bocadinho de pronto-a-vestir, passe a ser feita por medida.

O Técnico faz este mês 110 anos, ao longo dos quais conseguiu afirmar-se como uma referência no ensino da Engenharia, Ciência e Tecnologia. O que podemos esperar dos próximos anos?

(sorri) Essa é uma pergunta difícil, mas vou responder-lhe da mesma forma que o fiz quando, na sequência da minha candidatura à presidência da Escola, me perguntaram qual era o meu sonho para o Técnico. Não só enquanto presidente, mas desde sempre, sonho que um dia o Técnico possa ter o seu Prémio Nobel. Neste momento, o Técnico assim como qualquer instituição de ensino superior do nosso país, não só não tem nenhum Prémio Nobel como parece que não tem condições para o ter. A Ciência é hoje em dia muito competitiva e ter o Prémio Nobel exige uma capacidade de investimento e de desenvolvimento de ideias inovadoras que o enquadramento legal que temos ainda não permite na sua plenitude. O meu sonho para o Técnico, e aquilo que espero que consigamos, é que daqui a 10 anos tenhamos estas condições e possamos ter um Prémio Nobel.

“Os desafios existem em todas as instituições, e o Técnico tem todas as condições para os superar”

Podemos esperar um Técnico mais competitivo a vários níveis?

Podemos, a todos os níveis. Aliás, esse é sempre o caminho do Técnico desde a sua criação. A capacidade de acreditar que podemos ser sempre melhores faz parte da nossa matriz cultural. O Técnico, ao longo dos seus 110 anos, sempre acreditou que poderia ser tão bom como os melhores e que podia fazer sempre melhor.

Esta era a Escola que Alfredo Bensaude gostaria de ver construir-se?

O Técnico foi fundado em 1911, numas instalações muito precárias do Instituto Industrial e Comercial de Lisboa. Portanto, o primeiro o sonho do Alfredo Bensaude era, antes de tudo, ter instalações condignas, o que acabou por não concretizar, sendo mais tarde Duarte Pacheco a conseguir estas instalações, que acho que o nosso fundador nunca chegou a visitar. O segundo sonho que Alfredo Bensaude deixou nas suas notas histórico-pedagógicas era que o Técnico tivesse sustentabilidade financeira e financiamento que lhe permitisse criar as condições que ele considerava que uma escola de Ciência e Tecnologia devia ter. Ora, este sonho é algo que penso que também nenhum dos presidentes viu concretizado ao longo destes 110 anos.

Somos, neste momento, uma instituição de referência nacional e internacional. Os desafios existem em todas as instituições, e o Técnico tem todas as condições para os superar. Por isso, e respondendo à pergunta, acho que Alfredo Bensaude gostaria de ver aquilo que o Técnico hoje é.

Os dois últimos anos letivos foram marcados pela pandemia que obrigou a uma adaptação total do ensino ao digital, e no caso do Técnico em que a componente experimental é tão importante a exigência foi ainda maior. Esta mudança interferiu com a garantia da qualidade de ensino?

A formação experimental é dos pontos mais preocupantes na formação das estudantes de uma instituição com as características do Técnico. Ainda é cedo para avaliar qual é o impacto que tudo isto pode ter na formação dos nossos estudantes. O meu desejo é que, no momento em que tivermos a hipótese de voltar a ter uma formação mais normal, haja a possibilidade de recuperar aquilo que perdemos. Nesta semana em que estamos agora a falar, a prioridade é que o ensino experimental volte a acontecer nos laboratórios.

Dito isto, devo deixar uma nota de apreço ao grande esforço feito por todos os colegas do Instituto Superior Técnico que durante os dois períodos de maior confinamento, tentaram adaptar o ensino experimental prático ao digital. Houve um conjunto de soluções que foram implementadas com um grande esforço de todos, professores e alunos, o que na minha perspetiva permite reduzir um bocadinho este impacto.

Mesmo com uma comunidade de mais de 15 mil pessoas o Técnico não registou surtos preocupantes de COVID- 19. A que se deve este sucesso no combate à pandemia?

O Técnico foi a primeira instituição de ensino superior pública a tomar a decisão de passar ao ensino à distância. Fizemos isso alguns dias antes da generalização dessa decisão por parte do governo e no limite daquilo que considerámos que a autonomia universitária nos permitia fazer. Depois disso começámos a preparar a Escola para o regresso que iria acontecer nas semanas, ou nos meses seguintes. Houve uma adequação da densidade de ocupação dos espaços, do regime de prestação de serviços, etc..

Dando apoio a uma iniciativa governativa de capacitação dos laboratórios de instituições de ensino superior para fazer testes à COVID-19, equipámos o Técnico com essa valência. Começámos a testagem logo no início do primeiro desconfinamento, e depois em setembro, com o início do primeiro semestre, alargámos o programa a toda a comunidade, com uma componente aleatória de convocação de pessoas. Sempre que havia um teste positivo tínhamos um “mini serviço nacional de saúde” através do qual fazíamos o rastreio de possíveis cadeias de contágio. Nesta semana [em que estamos a falar] arrancou a operação “Técnico Seguro”, com o apoio da Cruz Vermelha, do MCTES, da Universidade de Lisboa, e através da qual prevemos fazer cerca de 15 000 testes rápidos nas próximas 3 semanas.

Esta capacidade de testagem e de identificação de potenciais cadeias de contágio permitiu que o Técnico fosse sempre seguro durante os períodos em que esteve aberto. Numa altura em que já havia taxas de contágio relativamente elevadas no país, no Técnico tínhamos uma taxa de 2% ou abaixo disso. A identificação rápida de casos positivos permitiu rapidamente quebrar eventuais cadeias de contágio, colocar as pessoas em isolamento. De facto, o Técnico foi um local seguro e estou convencido de que o continuará a ser, graças a este plano de atuação.

As desigualdades socioeconómicas agravadas pela pandemia e o cansaço dos alunos em relação ao ensino remoto poderão vir a refletir-se num aumento do abandono escolar. Que estratégias têm pensadas para combater esta problemática?

Estamos a trabalhar nisso. Nas últimas semanas tenho promovido uma série de reuniões com grupos de alunos sobre o assunto, mas devo dizer que neste momento ainda não temos uma avaliação precisa do impacto da pandemia na economia das famílias e do impacto na frequência, ou não, do Ensino Superior. Efetivamente em 2020, sobretudo no 2.º e 3.º trimestre, notámos no Técnico algum atraso, face a alguns períodos homólogos, no pagamento de prestação de propinas, mas esse atraso foi recuperado no final do ano. Por outro lado, vivemos dois semestres que funcionaram quase na totalidade à distância, o que acaba por ter um impacto positivo nas finanças das famílias, reduzindo os custos de deslocação, alojamento, etc.. Por tudo isto, para já é difícil prever a dimensão dessa necessidade de apoio.

O que me dispus a fazer, com a ajuda dos nossos alunos e órgãos, foi nomear um pequeno grupo de trabalho que terá estudantes e professores para fazer uma análise mais aprofundada do efeito da pandemia, que provavelmente se vai começar a sentir de forma mais notória no próximo ano letivo. Temos que estar preparados para isso e temos discutido com os alunos a hipótese de existir um conjunto de bolsas de emergência social, mas não sabemos ainda quantas serão necessárias, quantas famílias e alunos precisaremos de acudir com esse apoio.

“A comunidade do Técnico foi inexcedível”

Qual foi a coisa mais surpreendente com que se deparou até agora no papel de presidente?

Devido às circunstâncias atípicas do primeiro ano do meu mandato, sem dúvida que foi a pandemia. Neste esforço todo que a situação exigiu, surpreendeu-me desde logo a capacidade de união do país. Neste momento, talvez as pessoas não tenham noção total daquilo que aconteceu, mas mais tarde quando escreverem a história disto possivelmente ficará mais claro como nos conseguimos superar. Para mim não foi surpreendente, mas sei que o foi para muitas pessoas, o facto de, além de se unirem, as instituições, a administração pública, as empresas e os centros de investigação tenham conseguido dar essa resposta que era tão necessária. Sem instituições de investigação e desenvolvimento de qualidade no país, a nossa situação seria terrivelmente pior do que aquilo que foi.

Olhando só para as fronteiras da Escola, a comunidade do Técnico foi inexcedível. Não só os professores, que subitamente passam do seu modo de ensino para algo totalmente diferente, adaptando as suas aulas e os seus métodos de ensino, como os alunos que compreendem a situação e se esforçam para não perderem a formação devido à situação pandémica, arranjando métodos alternativos de estudo. Também os funcionários técnicos e administrativos foram incansáveis, percebendo que apesar de não poderem estar fisicamente nos seus locais de trabalho, o Técnico precisava continuar a funcionar e subitamente, o Técnico começa a funcionar à distância e na perfeição. E não me posso esquecer da capacidade de mobilização de todos. No caso dos kits de testagem que o Técnico produziu, houve milhares de unidades que foram feitas com o trabalho voluntário dos alunos que vinham ao Técnico nos intervalos das suas aulas. Esta reação fantástica da comunidade do Técnico orgulha todos os membros da comunidade e naturalmente o seu presidente.

Nota: A entrevista foi realizada algumas semanas antes da data de publicação.