O professor Mário Figueiredo (M.F) é o coordenador do novo mestrado do Técnico em Engenharia e Ciência de Dados. Através desta entrevista tentámos saber um pouco mais acerca deste ciclo de estudos, perceber a importância dos dados no mercado e na valorização dos profissionais. O período de candidaturas ao novo mestrado já está a decorrer online, estendendo-se até 2 de agosto. São apenas 30 as vagas disponíveis.
Como é que surge a ideia de criar este mestrado?
M.F: Era algo que já vinha sendo pensado há algum tempo, nomeadamente pelo atual presidente do Técnico, Arlindo Oliveira, por mim, pela Rosário Oliveira (docente do Departamento de Matemática) e pelo André Martins (professor convidado do Departamento de Engenharia Eletrotécnica e de Computadores e investigador da Unbabel). Falámos disso algumas vezes, em parte por causa da Lisbon Machine Learning Summer School (LxLMS), pensando que seria interessante haver um mestrado que, de certa forma, fosse uma versão mais académica e completa daquilo que é a LxLMS. Além disso, e até antes de a Inteligência Artificial (IA) se tornar este tema sonante que hoje é, muitas universidades começaram a apostar nesta área, e por isso foi fazendo sentido o Técnico também o fazer. A equipa que acabou por trabalhar mais ativamente nas várias fases da proposta deste mestrado, para além de mim, incluiu a Rosário Oliveira e o Francisco Santos (do Departamento de Engenharia Informática), sendo esta a equipa que o vai coordenar nos dois primeiros anos.
Depois da ideia surgir e de a fazer avançar, como é que partem para arquitetura do plano curricular do mestrado?
M.F: Rapidamente verificámos que tinha de ser um mestrado que envolvesse o Departamento de Engenharia Eletrotécnica e de Computadores, o Departamento de Engenharia Informática e o Departamento de Matemática. Na verdade, se alguém quisesse formar-se em Data Science no Técnico quase que o podia já fazer em Informática. Era uma oferta que já existia embora faltassem algumas partes. Data Science é um termo muito abrangente, que inclui muitas coisas, desde disciplinas de matemática, até às de informática, eletrotécnica, etc. Aquilo que é específico nesta ciência é ser bastante multidisciplinar; se for apenas estatística, ou só informática não é Ciência de Dados.
Então o mestrado foi pensado tendo em conta essa interdisciplinaridade?
M.F: Sim, e tem uma estrutura extremamente flexível. Há três grupos de duas cadeiras, das quais o aluno tem de fazer uma de cada, obrigatoriamente, o que garante que existe uma formação tripartida que consideramos essencial. É essa a base deste mestrado, e mesmo nessa base os alunos podem escolher um perfil mais computacional ou mais teórico, porque mesmo nesse triângulo têm também alguma flexibilidade.
Depois temos mais de 40 cadeiras opcionais, das quais os alunos têm de fazer mais 10 a 12 cadeiras (dependendo dos ECTS das cadeiras escolhidas). A estrutura é extremamente flexível, os alunos podem escolher o resto das cadeiras que quiserem, embora essa escolha seja sujeita à validação da coordenação do curso, para no final termos uma formação que faça sentido. Também temos algumas cadeiras do Departamento de Engenharia e Gestão, de Civil, etc.
Depois há uma unidade curricular obrigatória, designada “Aplicações de Engenharia e Ciência de Dados” que deverá ser feita no penúltimo semestre e que é uma espécie de mini-projeto em que o aluno tem que aplicar o que aprendeu até então, e resolver um problema partindo de dados reais.
Será, portanto, um mestrado com uma componente muito prática?
M.F: Pode também ter uma forte componente teórica se o aluno assim o pretender, basta que os alunos escolham uma grande carga de cadeiras de matemática para que assim seja. Essa vertente é muito flexível, o aluno tem muita liberdade para escolher.
O centro de ciência de dados na Universidade de Nova Iorque oferece um mestrado ao qual concorrem quase 1500 alunos para serem escolhidos bem menos de 100. Acha que a procura nesta área se manifestará também neste mestrado do Técnico?
M.F: Temos este ano apenas 30 vagas. Não consigo prever quantas candidaturas teremos, mas acho que vão concorrer bastantes alunos, não faço ideia quantos. A avaliar pela quantidade de pessoas que me contactam com perguntas, serão muitas. A ciência de dados está incontornavelmente na moda; eu recebo muitos e-mails de engenheiros agrónomos e médicos, por exemplo, que gostavam de fazer este mestrado e que questionam se há uma opção pós-laboral. Para já não existe essa opção. Mas temos muitos alunos do Técnico interessados também e essa procura provavelmente irá aumentar daqui a dois anos quando acabarem os mestrados integrados no Técnico.
Também considera que os dados são a nova matéria-prima do mercado?
M.F: Sim, os dados são muito importantes porque contêm informação que é, por sua vez, talvez a coisa mais valiosa no mercado. Por exemplo, saber o que vender, a quem vender, a quem publicitar determinadas coisas e como o fazer. A ciência de dados também tem uma componente de sociologia, por exemplo, porque isso também é importante na compreensão dos dados. Felizmente, futuramente e fruto do novo modelo de ensino, os alunos que vierem de uma licenciatura do Técnico vão ter cadeiras de humanidades e ciências sociais e isso será uma mais-valia.
Pensam também integrar, futuramente, esse tipo de cadeiras neste mestrado?
M.F: Para já não temos essas opções, mas acho que no futuro fará sentido, pelo menos uma cadeira de Ética, porque se usam cada vez mais dados na tomada de decisões. Há uma quantidade de decisões que estão a ser tomadas de forma cada vez mais automática e que afetam fortemente a vida das pessoas, tais como decisões de crédito, seguros, a condução automática quando houver, etc. Há uma quantidade de decisões que estávamos habituados a que fossem tomadas por humanos e que estão a ser automatizadas e isso levanta questões éticas delicadas.
Temos também que formar os profissionais nesse sentido?
M.F: Há pelo menos que despertá-los para estas questões, para que esse problema existe.
A ciência de dados tornou-se mesmo a quarta abordagem científica, depois da experimentação, da modelação e do cálculo?
M.F: Sim. A ciência de dados é o quarto paradigma científico. Esta área da análise de dados tem, hoje em dia, um papel muito importante na Ciência. Toda a ciência que tenha a ver ou implique uma análise de grandes volumes de dados necessita de Data Science. A aquisição, gestão e tratamento de dados têm papéis importantes, pelo que é fundamental que haja pessoas formadas a tratar disso, a ajudar os cientistas de outras áreas.
Esta capacidade de análise de dados será uma valência procurada pelos empregadores de todas as áreas, certo?
M.F: Eu costumo dizer que as pessoas têm que ter pelo menos “literacia de dados”. Trabalhando em qualquer área que tenha a ver com dados, mesmo que não se trabalhe diretamente com eles, tem que saber as coisas básicas. Deve saber-se que os dados têm que ser adquiridos, que há aspetos de curadoria, como é que se garante a qualidade dos mesmos, que tipo de análise é que se pode fazer em cada caso, quais são as limitações e as potencialidades da informação, etc.. É preciso estar consciente de tudo isto para que as decisões tomadas a partir de dados sejam fundamentadas e tenham sentido.
Acredita que este mestrado é uma forma de fortalecer a oferta formativa do Técnico?
M.F: Claramente que sim.
Grandes universidades como Berkeley, MIT, Nova Iorque ou Michigan abriram em anos recentes departamentos de ciência de dados. Este mestrado poderá ser um passo do Técnico também nesse sentido, de criar um departamento ou um centro de investigação da área?
M.F: As pessoas do Técnico que trabalham nessas áreas – data science, machine learning – estão em várias estruturas do Técnico como o INESC-ID, o IT, o ISR, etc. Mas, efetivamente, talvez fosse uma mais-valia para o Técnico em termos de imagem ter essa porta de entrada unificada.
Ainda não há assim tanta oferta deste tipo de mestrados a nível nacional, mas dos que há em que é que este se distancia dos restantes?
M.F: O mestrado do Técnico e o da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa têm a mesma motivação e são algo semelhantes na sua estrutura. Depois há outras ofertas a nível nacional, mas o bom nome Técnico tem um peso muito grande e isso certamente fará a diferença.