A comunidade científica estima que existam cerca de 130 milhões de pedaços de detritos a orbitar em torno da Terra, 34 mil desses medem mais de dez centímetros, movendo-se a uma velocidade dez vezes superior à de uma bala. Este lixo representa uma ameaça para atuais e futuras missões, aumentando o risco de colisão. O aumento do volume destes detritos, reflete-se também no crescimento das probabilidades de um incidente destes. Assim, e se tivermos em conta a corrida ao espaço e a forma como estamos cada vez mais dependentes de tecnologia espacial para apoiar a vida na Terra, a remoção deste lixo torna-se premente. Um episódio recente em que a Estação Espacial Internacional teve de fazer uma manobra de emergência para se desviar da rota de um destes pedaços tornaria ainda mais evidente o dever de agir.
Com esta necessidade bem presente, a Agência Espacial Europeia (ESA, na sigla em inglês) lançou este ano uma missão dedicada a detetar, agarrar e remover lixo espacial: a ClearSpace-1.
A empresa portuguesa Deimos Engenharia será responsável pela análise de missão e pelo piloto automático (também conhecido nas siglas inglesas como GNC), isto é, a definição de todas as trajetórias, manobras e por assegurar que o veículo as segue eficazmente e em segurança durante toda a fase de aproximação, rendezvous, captura e eliminação do lixo espacial.
Nesta conquista, e no projeto em si, estão envolvidos cinco alumni do Técnico: Nuno Ávila, diretor da Deimos Engenharia, Nuno Silva, chefe de projeto e especialista sénior na empresa, Baltazar Pereira, chefe de projeto, Paulo Rosa, responsável do Departamento AOCS/GNC do grupo Deimos, e José Vasconcelos, chefe de projeto e coordenador.
Missão ClearSpace-1 da ESA chegará ao Espaço em 2025
A missão deve chegar ao espaço em 2025, e é a primeira especificamente desenvolvida para remoção de detritos no espaço. “Há algumas iniciativas paralelas a nível mundial, mas ainda nenhuma em fase avançada. A ClearSpace-1, neste momento, seria a primeira a conseguir executar uma missão equivalente”, revela o antigo aluno de Engenharia Aeroespacial no Técnico, Nuno Silva.
O alvo para a primeira missão já está definido e será o designado VESPA “um objeto deixado em órbita pelo lançamento Vega que levou a missão Proba V, em maio de 2013”, como explica Nuno Silva. “O VESPA é uma interface mecânica entre o lançador e o satélite com 112kg, de forma cónica de altura de 1.6m e um diâmetro máximo de 2m. Está numa órbita 550km x 700km com uma inclinação de 98.8º”, adiciona o alumnus.
O plano para remover este objeto já está traçado é partilhado pelo antigo aluno do Técnico: “Seremos injetados pelo VegaC numa órbita circular de 500 km de altitude. Pouco a pouco, usando a dinâmica relativa entre as duas órbitas, e com manobras otimizadas, posicionaremos a sonda na órbita do VESPA, perseguindo-o a cerca de 30 km de distância”. A equipa iniciará então a aproximação ao objeto guiados pelos sensores de que dispõem a bordo. “Uma vez na proximidade do VESPA, vamos adquirir um movimento síncrono com o do alvo e vamos, a pouco e pouco, aproximar-nos do alvo até ele estar dentro do volumo de captura dos nossos braços robóticos”, expõe Nuno Silva. Assim que isto acontecer, o sistema de captura fecha e passamos a controlar um veículo que é o compósito de dois. Após a estabilização do compósito, a equipa encetará uma entrada controlada na atmosfera que “fará cair os poucos materiais que sobrevivam à desintegração numa zona do Oceano Pacífico sem risco para as populações”, adianta ainda o alumnus.
Um futuro sustentável no Espaço
O especialista sénior da DEIMOS afirma que é “particularmente gratificante juntar a excelência técnica a uma missão de responsabilidade social tão elevada e com um intuito comercial – esta intersecção é muito rara”.
De acordo com Nuno Silva, “com a democratização do acesso ao espaço com lançamentos cada vez mais acessíveis, será cada vez mais fácil as empresas e grupos de investigação colocarem satélites em órbita levando a um crescimento da economia”. Por isso mesmo, o antigo aluno alerta para a necessidade de “como na nossa vida quotidiana e como cidadãos responsáveis temos de usar o princípio dos 3 R’s da sustentabilidade: reduzir, reutilizar e reciclar”. “Temos de reduzir o número de detritos no futuro, assegurando que futuros satélites possam reentrar rapidamente no final da missão e ‘limpar’ os detritos existentes, reduzindo o número atual com missões como a ClearSpace-1”, frisa.
Quando Nuno Silva terminou o curso no Técnico, em 2001, “Portugal acabara de nascer para o espaço”, e o antigo aluno lembra que o país não desempenhava um papel de protagonista nesta área “e missões como esta não eram de todo possíveis para a comunidade aeroespacial nacional”. “No entanto, eram possíveis noutros países e, juntamente com eles, Portugal fez um percurso de 20 anos e agora, na maioria de idade, começa-se a afirmar como um ator capaz e ambicioso”, aponta.
Para Nuno Silva é evidente que no futuro, os desafios serão cada vez maiores e implicarão maiores riscos, e por isso o engenheiro salienta que é “preciso saber dar os passos certos, com os parceiros certos, e fazendo as escolhas certas”. “Foi difícil chegar até esta situação invejável, será ainda mais difícil chegar mais longe de forma sustentável – fazendo-o bem permitirá a Portugal ser um ator bem mais relevante na exploração espacial”, destaca.