António Guterres foi na passada sexta-feira, 18 de junho, empossado para o segundo mandato de Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), tendo obtido o voto favorável e unânime dos 193 Estados-membros da organização. A cerimónia de recondução realizou-se na Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque e contou com a presença do presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. António Guterres permanecerá no cargo até ao final de 2026.
O ex-primeiro-ministro português e antigo alto-comissário da ONU para os Refugiados, que é secretário-geral da ONU desde janeiro de 2017, recebeu a luz verde para a reeleição do Conselho de Segurança no dia 8 deste mês. O documento seguiu para a Assembleia Geral, de 193 Estados-membros, que daria o seu aval quanto à recondução de António Guterres no cargo de secretário-geral.
Depois de prestar juramento, António Guterres proferiu o seu discurso em três línguas – inglês, francês e espanhol-, definindo-se como um “multilateralista devoto” e um “português orgulhoso”, e manifestando o seu agradecimento a Portugal pelo apoio nesta recandidatura.
No exercício das suas funções à frente da ONU, o alumnus do Técnico sublinhou que vai servir igualmente a todos os 193 Estados-membros, como mediador e “construtor de pontes” para um multilateralismo que quer ver reforçado, e assumiu que existem “tarefas colossais” a que o mundo deve responder unido, com destaque para a prevenção de conflitos e preparação da segurança social em caso de futuras pandemias.
O secretário-geral da ONU não perdeu a oportunidade para reforçar o pedido que as vacinas contra a COVID-19 sejam “prioridade mundial absoluta” e defendeu um sistema socioeconómico mundial mais equitativo, solidário e igualitário, e também uma “recuperação justa, verde e sustentável”.
Voltou a lembrar sofrimento das mulheres em todo o mundo, e a desigualdade de género agravada pela pandemia, e apelou para uma maior participação dos jovens, das mulheres e sociedade civil em processos de tomada de decisão em todo o mundo, principalmente em defesa da igualdade de género.
Como prioridades para o “sistema internacional”, o antigo aluno do Técnico apontou a “prevenção e preparação” frente aos grandes desafios mundiais que são “a evolução da natureza dos conflitos e a probabilidade de futuras pandemias e outros riscos existenciais”.
Segundo o antigo Alto-Comissário da ONU para Refugiados, as mudanças climáticas, perda de biodiversidade e poluição ambiental são outros dos desafios globais que se impõem, juntamente com o “declínio dos direitos humanos, falta de regulamentação no ciberespaço e uma divisão digital crescente”.
O 2.º mandato inicia-se oficialmente a 1 de janeiro de 2022.
Um político humanista
António Guterres licenciou-se em Engenharia Eletrotécnica em 1971 pelo Instituto Superior Técnico, um percurso que começaria desde logo a ser pautado pela excelência, uma vez que terminou o curso com a classificação final de 19 valores e arrecadou o prémio nacional de melhor aluno do ano.
Foi ainda nos tempos de estudante que António Guterres começou a empenhar-se em causas sociais. Primeiro na Juventude Universitária Católica (JUC), depois como um dos mais ativos elementos do CASU (Centro de Ação Social Universitária), foi um dos jovens universitários confrontados com a realidade social portuguesa aquando das Cheias de 1967.
Depois de um ano como monitor no final da sua licenciatura, ingressou em outubro de 1971 no corpo docente do Técnico onde permaneceu até ao início do seu percurso político, em novembro de 1975, lecionando a disciplina de Teoria de Sistemas e Sinais de Telecomunicações. Em 2003, já após ter sido secretário-geral do Partido Socialista e primeiro-ministro, regressou à sua alma mater como professor catedrático convidado. Neste período foi responsável pela criação das cadeiras de Seminário de Desenvolvimento Sustentável e Seminário sobre Inovação.
Entre 1995 e 2002, foi primeiro-ministro de Portugal, assumindo a defesa da independência de Timor-Leste. O antigo aluno do Técnico foi ainda membro do Conselho de Estado Português, entre 1991 e 2002, e deputado da Assembleia da República durante 17 anos, tendo sido eleito pela primeira vez em 1976. Na Assembleia da República foi responsável por pastas como Economia, Finanças, Planeamento, Administração Territorial e Ambiente.
No palco internacional, António Guterres foi responsável, enquanto presidente do Conselho Europeu, em 2000, pela adoção da Agenda de Lisboa e um dos responsáveis pela primeira Cimeira União Europeia-África. Entre 1981 e 1983 foi membro da Assembleia Parlamentar do Conselho Europeu, no qual presidiu ao Comité para a Demografia, Migração e Refugiados.
Para além do extenso currículo político, profissional e académico, António Guterres esteve ativamente envolvido em várias organizações não-governamentais, tendo sido, por exemplo, membro fundador do Conselho Português para os Refugiados, em 1991.
Seria precisamente no campo dos refugiados que António Guterres teria o seu mais forte impacto social. De junho de 2005 a dezembro de 2015 foi Alto-Comissário das Nações Unidas para os Refugiados. Durante a sua liderança, teve de lidar com a pior crise de refugiados desde a 2.ª Guerra Mundial. Quando assumiu o cargo em 2005, havia 38 milhões de refugiados no mundo, um número que subiu para os 60 milhões no fim do seu mandato. Apesar dos cortes de 20% em pessoal, estima-se que as atividades da entidade triplicaram durante os dez anos em que assumiu o cargo. Na altura, o seu trabalho deu origem a vários elogios da organização Human Rights Watch, que o descreveu como “advogado direto e efetivo dos refugiados”.
Em janeiro de 2017, António Guterres tornava-se Secretário Geral da ONU, sendo mesmo o primeiro português a alcançar um cargo desta dimensão mundial. No seu primeiro mandato, o antigo aluno deparou-se com inúmeros desafios. Quando tomou posse, definiu a paz como a sua grande prioridade. A sua presidência das Nações Unidas incluiu marcos como o Pacto Global para o Clima e o Pacto Global para a Migração. Ambos foram aprovados por uma larga maioria na Assembleia Geral das Nações Unidas.
O final do seu mandato fica marcado pela primeira cimeira entre os presidentes Joe Biden e Vladimir Putin, dos EUA e da Rússia, respetivamente, e também pelo regresso dos Estados Unidos ao Acordo de Paris.