A tradição, a história, as pessoas, as lutas e a essência do povo africano estiveram representadas na perfeição naquela que foi a 1.ª edição do evento “Dia de África – Berço da Humanidade” e que teve como palco o Técnico. Nos dias 24 e 25 de maio- seguindo à risca a data estabelecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) e até antecipando as comemorações um dia- foi com muita música, poesia, dança, moda e claro alguns momentos de reflexão que foi possível pensar e sentir este continente e o seu povo. “Sinto a voz da minha cor/ Quente e calma como tu/ Como a chuva na minha terra/ Que lava os olhos e a dor”, foi uma das tantas estrofes da artista cabo-verdiana, Lura, que ecoaram no Salão Nobre, antes da abertura oficial do evento, e não deixando esquecer o sentido do que se estava a celebrar.
Depois de uma breve apresentação acerca do programa do evento por parte dos elementos da organização, ficaria sob a responsabilidade do professor Luís Silveira, vice-presidente do Técnico para os assuntos internacionais, abrir a sessão. “África é o segundo continente mais populoso do nosso planeta, e um dos problemas que é mais relevante neste território é o da exclusão educacional”, começava por enfatizar o docente. Assinalando a preocupação e o empenho do Técnico no apoio à aniquilação desta realidade, o vice-presidente enumerava algumas das colaborações que são uma mostra disso mesmo. “Apesar de termos um número significativo de alunos africanos no Técnico, este é, na minha opinião, um número ainda pequeno, e isso preocupa-nos porque, por um lado, achamos que não estamos ainda a dar o contributo que podemos dar e, por outro, atendendo à população que existe em África sabemos que haverá muito talento por explorar”, apontava o professor Luís Silveira. “Sendo esta uma escola que gosta de atrair talento estamos interessados em ter uma maior representação destes alunos nos nossos cursos”, frisava de seguida. Para terminar, o docente partilhou o seu desejo de que este evento permitisse “celebrar África como um continente com história e um conhecimento assombrastes, mas que também sirva para discutirmos os problemas que o assolam percebendo como podemos contribuir para solução dos mesmos”.
O debate protagonizado por Alexandre Passo, administrador da Federação Académica de Lisboa (FAL), o professor Luís Ferreira, vice-reitor da Universidade de Lisboa (ULisboa), Yannick Insaly, representante da Fundação Aga Khan (AKF), Wilson Inocêncio, empresário angolano, e moderado pelo escritor Amadú Dafé, tocou na questão da exclusão educacional e em tantos outros problemas que assombram o povo africano. Fazendo alusão ao número de estudantes estrangeiros da Universidade de Lisboa, que ultrapassam os 8000, e denominando essa diversidade cultural como “uma riqueza enorme da nossa universidade”, o vice-reitor enfatizava que é o objetivo da instituição atrair cada vez mais estudantes internacionais, africanos e não só. “Temos tido o cuidado de nos deslocar aos países africanos para divulgar as nossas ofertas e mostrar que podemos ajudar e estamos disponíveis para trabalhar juntos, apoiando como pudermos”, realçava o professor Luís Ferreira. Congratulando a organização da iniciativa e destacando o seu orgulho por a mesma se realizar no Técnico, Alexandre Passo garantia que por parte das associações de estudantes a disponibilidade para ajudar os estudantes africanos é total.
Apresentando a fundação Aga Khan e o trabalho que realizam e dando resposta às questões que iam sendo lançadas, Yannick Insaly indicava alguns dos problemas que afetam as minorias africanas. “Todos os africanos que saem de África chegam aqui já vem em desvantagem e para chegar ao patamar dos que cá estão têm que correr muito e treinar”. Enumerando alguns dos problemas enfrentados e que se colocam em diferentes frentes, o representante da fundação salientava a incapacidade do sistema de ensino português “em se adaptar às novas dinâmicas do mundo” e “acolher da melhor forma estes estudantes”.
“Para mim o Dia de África é todos os dias”, afirmava Wilson Inocêncio na sua primeira intervenção. Questionado sobre a experiência de estudar em Inglaterra o empresário não se coibiu de denotar a rivalidade entre os próprios africanos que vislumbrou. “Além de trazer estudantes para cá, é importante também promover a ida de estudantes portugueses para Angola, e outros países africanos, porque isso vai ajudar nesta integração”, dizia. Em jeito de resposta, o vice-reitor da ULisboa declarava: “é fundamental, sim, continuarmos a potenciar a ligação, mas isto nem sempre tem a cadência que nós desejamos”.
A importância de criar oportunidades que intensifiquem a ligação entre Portugal e os países do continente africano, os tabus em torno da comunidade, a discriminação que ainda se faz sentir e a ausência de oportunidades que afecta muitos dos afrodescendentes foram alguns dos tópicos que orientaram a conversa. “O africano não gosta só de futebol, não gosta só de música, gosta de muito mais. Existem muitos negros a produzirem conhecimento. Há privação de oportunidades para que o negro possa fazer”, acentuava Yannick Insaly. A audiência que assistia ao debate aumentava com o passar das horas e foram muitos os que fizeram questão de intervir para colocar questões ou para deixar uma perspetiva sobre o assunto em questão.
O primeiro dia do evento terminou com um workshop de danças tradicionais africanas em frente ao Pavilhão Central e que convidava para a panóplia de atividades do dia seguinte.
No sábado, o programa de comemoração iniciava-se com um almoço solidário. Ao sabor da muamba, da cachupa, do caldo de macarra ou da matapa foi muito fácil ganhar energia para o que seguia: mostras de música, poesia, moda, dança, pintura e teatro que lembravam a alegria e diversidade que carateriza o povo africano.