A ciência foi o ponto de ordem da conferência que, esta quinta-feira, 18 de abril, apontou prioridades, se definiram responsabilidades e oportunidades e onde não se camuflaram críticas. A data escolhida para a 4.ª conferência do Ciclo de Conferências “Construir e Manter o Ecossistema de Apoio à Sustentabilidade da Ciência”, não podia ser mais oportuna, não tivesse o dia anterior sido marcado pela aprovação do conteúdo do ambicioso programa que apoia a investigação científica na União Europeia (UE), o Horizonte Europa. A integrar o painel de convidados estaria um dos principais responsáveis pelo mesmo: o comissário europeu para a Investigação, Ciência e Inovação, o engenheiro Carlos Moedas. Mas porque são vários os atores importantes nesta batalha por um futuro mais estável para a ciência, juntaram-se ao lote de oradores os representantes de todos os sectores que têm uma palavra a dizer na mesma.
O presidente do Instituto Superior Técnico, professor Arlindo Oliveira, abriria a conferência com o tom crítico e esclarecido de quem dirige uma instituição onde a produção científica é uma missão e um objetivo estratégico permanente. Começando por agradecer a presença de todos, o presidente do Técnico destacava exatamente as “novidades interessantes” a nível europeu, frisando que “é bom que a Europa tenha uma estratégia por mais difícil que tenha sido reunir consensos para a definir”. “Seria bom que Portugal também a tivesse”, apressava-se a comentar. Apontando alguns dos problemas que afetam a estabilidade na ciência e que passam pela ausência de um “orçamento próprio, garantido, plurianual, e independente” para a Fundação para a Ciência e Tecnologia, pela escassez de concursos e também pelo incumprimento dos prazos de pagamentos por parte das entidades financiadoras, o professor Arlindo Oliveira constatava a inexistência de “um plano de longo prazo para a contratação de cientistas em Portugal que permita aos graduados saber com que oportunidades podem contar”. “Nada disto existe, não existe uma estratégia, não existe uma visão de longo prazo, não existe um esforço para a criação de mecanismos e procedimentos estáveis e previsíveis, não existe um planeamento multianual para o emprego científico”, assinalava.
Tocando num dos assuntos que está na ordem do dia, a empregabilidade dos doutorandos, o presidente do Técnico referia que “o Estado deveria dar o exemplo no que respeita à valorização da formação avançada”, criando incentivos para que as mesmas “fossem reconhecidas e valorizadas pelas empresas e pela sociedade civil”, veiculando ainda a ideia de que “ os graus avançados são uma licença para trabalhar e não o adquirir de um direito ao emprego permanente no Estado”.
Ao tomar a palavra, o engenheiro Carlos Moedas partilhava com a audiência o seu contentamento por regressar à casa que o formou, e antes de dar resposta ao desafio que lhe fora lançado de falar sobre o futuro do financiamento científico ao nível europeu, vincava que antes de tudo “nos devemos congratular por sermos europeus porque o financiamento europeu tem caraterísticas muito específicas e que assumem como um exemplo mundial”. “O financiamento científico europeu tem dois traços únicos: não há envolvimento político e há uma estabilidade inerente ao mesmo”, explicava. “Sem estabilidade e independência não há nada que possa ser feito. Nós temos o melhor sistema de financiamento do mundo e eu gostava que as pessoas tivessem algum orgulho nisso”, advogava de seguida o comissário europeu.
O futuro, nomeadamente os riscos e oportunidades que vislumbra no mesmo, foram depois os eixos orientadores do discurso do alumnus do Técnico. Identificando “o populismo e o afastamento das pessoas em relação à Ciência” como os maiores riscos dos próximos anos, o comissário europeu reiterava que “o populismo é tão inimigo da política como é da Ciência”. Foi enquanto explorava a sua preocupação com o afastamento da sociedade e da ciência , que o engenheiro Carlos Moedas pediu a colaboração da comunidade do Técnico para concorrerem às missões científicas – uma das ideias contempladas no Horizonte Europa e que convoca os cientistas a ligarem-se às pessoas, explicando o real impacto da investigação que produzem. “É preciso explicar aos europeus o que é que nós queremos criar para resolver determinado problema, criando essa ligação às pessoas”, argumentava o comissário europeu. “É urgente que a Ciência se aproxime da sociedade”, enfatizava.
Por fim, o engenheiro Carlos Moedas deu o devido destaque à criação do conselho europeu de inovação- que considera como um dos principais legados que deixa enquanto comissário-, destacando que é na inovação que residem e se cruzam muitas oportunidades na área da ciência. “O objetivo deste conselho passa por ajudar as pessoas a terem acesso mais fácil ao financiamento europeu, essencialmente as pequenas e médias empresas”, explicava. “Queremos uma Europa cada vez mais inovadora”, adicionava.
Foi depois altura de dar voz às várias partes do ecossistema de desenvolvimento da Ciência e que de forma direta tem um contributo a dar no traçar de um novo caminho. A organização da conferência convocou por isso representantes de universidades, empresas, fundações e fundos de investimento para um debate em torno do desenvolvimento de um mecanismo de financiamento estável. O professor António Cruz Serra, reitor da Universidade de Lisboa, a professora Mónica Bettencourt-Dias, diretora do Instituto Gulbenkian de Ciência, a engenheira Isabel Vaz, CEO do grupo Luz Saúde e o engenheiro Joaquim Sérvulo Rodrigues, diretor Executivo da Armilar Venture Partners foram os protagonistas de um painel moderado pelo professor Luís Oliveira e Silva, presidente do Conselho Científico do Técnico, e que ficou marcado pela diversidade de ideias trocadas, mas acima de tudo pela vontade de catapultar a ciência nacional.
A importância de estimular iniciativas inovadoras, o papel da investigação no contexto empresarial, o emprego científico e os desafios impostos às universidades foram algumas das questões que vieram à tona ao longo do debate. “Enquanto instituição neutra, podemos e queremos arriscar, inovar e coordenar novas maneiras de fazer ciência”, assumia a diretora do Instituto Gulbenkian de Ciência. Por sua vez, a engenheira Isabel Vaz frisava que “as empresas precisam hoje de investir em inovação e investigação, mais do que em qualquer outra era”, salientando que as que não o fizerem “vão morrer”. Para tal a CEO diz que é importante unir esforços, “atuar de uma forma mais concertada do que fizemos no passado”, tendo a academia, os centros de investigação e as empresas de se aproximar. Em jeito de resposta, o professor António Cruz Serra afirmava que as universidades estão prontas para essa colaboração com as empresas, não declinando a responsabilidade do Estado neste papel de investir na ciência, e invocando a estabilidade que é preciso dar aos investigadores portugueses.
Para o engenheiro Joaquim Sérvulo Rodrigues “Portugal é um anacronismo a nível mundial ao nível da investigação e desenvolvimento. Naqueles países com que gostamos de nos comparar a maioria do investimento na ciência é feito pelas empresas”. O diretor executivo da Armilar Venture Partners apontava “que as empresas que são investidas por venture capital aplicam cerca de 30% do seu orçamento em investigação e desenvolvimento. E não é nada impossível, é preciso é fazê-lo”, dando vários exemplos que corroboravam o que dizia.
O valor do fortalecimento da relação entre os atores que fazem a ciência e a comunidade voltou também a ser frisada no painel pelos vários intervenientes, sendo ainda apontadas como fundamentais as competências comunicacionais, colaborativas e empreendedoras como fulcrais nesta nova era.
O encerramento ficou a cargo do reitor da Universidade de Lisboa que não se querendo alongar muito agradeceu a presença e o trabalho de todos. “Só há ciência com o vosso trabalho. E obrigada por isso”, rematava o professor António Cruz Serra, encerrando de forma certeira um debate produtivo que promete não ficar por aqui.