Os corredores do pavilhão de Mecânica II do campus da Alameda são o pano de fundo de muitas das recordações de infância de Manuel Nina. Filho de um professor do Departamento de Engenharia Mecânica (DEM) do Técnico, o já jubilado professor Mário Nina, encontrou muitas vezes colo nos colegas do pai, que mais tarde se tornariam seus professores.
Os ascendentes com ligação ao Técnico não se cingem apenas ao 1.º grau, uma vez que Manuel Nina é também sobrinho-neto de um engenheiro eletrotécnico do Técnico, assistente do engenheiro Duarte Pacheco na Câmara Municipal de Lisboa. Por tudo isto, o antigo aluno afirma, sem hesitar, que “o Técnico corre na nossa família”. “Digamos que a história teve uma certa irresistibilidade, uma grande inércia nas minhas motivações”, comenta, entre sorrisos, o antigo aluno.
Apesar da aptidão que sempre teve para as Ciências, Manuel Nina tem a certeza que o facto de ter um pai engenheiro influenciou “completamente” a escolha do curso. Sabia que só podia vir para o Técnico, e acabaria por escolher o curso de Engenharia Mecânica, e foi mesmo por muito pouco que pai e filho não se cruzaram nas salas de aula, uma vez que Manuel Nina ingressa no Técnico em 2002, um ano antes de o pai se reformar.
Os tempos de aluno são lembrados com entusiasmo, tendo usufruído de toda a aprendizagem que cada experiência lhe oferecia. “Foram anos empolgantes e de enorme crescimento pessoal, de fazer novas amizades, e aprender muitas soft skills”, denota o alumnus. Durante 4 anos fez parte da direção da Associação dos Estudantes do Instituto Superior Técnico(AEIST) o sítio onde assume que foi “realmente feliz”. “Senti pela primeira vez que um grupo concertado de indivíduos consegue criar muito do nada, usando só a criatividade e a força do seu trabalho, o meu primeiro sabor de empreendedorismo”, denota. “Envolvi-me muito nos processos académicos, apanhei a transição de Bolonha – fiz parte do Conselho Diretivo com o professor Matos Ferreira, o professor Cruz Serra, etc. e do Senado da UTL [Universidade Técnica de Lisboa]” lembra. Guarda boas recordações das aulas, e “melhores ainda” do tempo entre elas, dos Arraiais, da vida académica.
A intensidade com que vivia tudo isto não o fariam hesitar quando surgiu a oportunidade de estagiar no Parlamento Europeu, colocando o curso em suspenso e rumando a Bruxelas. “Voltei a Portugal para trabalhar no Parlamento Português enquanto escrevia a tese de mestrado”, recorda Manuel Nina. Quando defendeu a dissertação que lhe daria acesso ao canudo, e na qual acabou por conquistar a classificação de 17 valores, levou 8 garrafas de espumante para a frente do Pavilhão Central, uma por cada matrícula. “Foi a conclusão de um ciclo de vida, e um grande sucesso”, lembra com emoção.
A entrada – por acaso- no mundo do empreendedorismo
Após concluir o curso, manteve-se no Parlamento durante um ano a seguir assuntos técnicos, até que sentiu o apelo de pôr as “mãos na massa”, e durante 6 meses fez certificação energética. “Certo dia, recebo um telefonema dum amigo e colega de curso que trabalhava numa consultora de projetos europeus de inovação, que só me disse ‘vou-te fazer uma proposta indecente’”, relembra Manuel Nina. “A proposta era começar a trabalhar 4 dias depois com ele, e na semana seguinte meter-me num voo para Lulea, no norte da Suécia, para assumir a gestão dum projeto de eficiência energética de 3M€”, acrescenta. Como bom adepto de desafios que é, aceitou sem vacilar.
O antigo aluno lembra-se bem de como se sentiu “atirado aos tubarões”, no entanto, não se deixou derrotar pela sensação ou pelo medo do desconhecido, e pôs em prática a capacidade de “desenrascanço” que carateriza os alunos do Técnico. “Acabei por fazer desta área a minha especialização, tendo criado uma das minhas empresas juntamente com o meu sócio Nuno Brito Jorge, a SNAP, que ajudou a obter mais de 20M€ de fundos europeus para Investigação e Inovação em Portugal, muitos destes projetos em startups de antigos alunos do Técnico”, declara o alumnus. Começaria assim, com a criação desta startup especializada em consultoria para aceleração e financiamento de inovações disruptivas a nível Europeu e Internacional, a aventura de Manuel Nina pelo mundo do empreendedorismo.
Em 2017, o seu parceiro de aventura na criação da SNAP, Nuno Brito Jorge, tem a ideia de criar a GoParity. “A ideia de conseguir democratizar o acesso ao financiamento ‘bancário’ para projetos de energia renovável e eficiência energética era claramente uma oportunidade que a banca tradicional não estava preparada nem tinha a agilidade para acompanhar o mercado”, explica Manuel Nina. “O meu primeiro contributo foi conseguirmos obter um financiamento a fundo perdido da Comissão Europeia para escalar o impacto da empresa em conjunto com 5 das mais importantes agências de energia em Portugal, um projeto que tem sido um sucesso em gerar investimento público e privado para projetos de eficiência energética em Portugal”, sublinha o alumnus.
Para Manuel Nina “a criação da GoParity foi um salto de fé do Nuno, com experiência anterior de empreendedorismo, e do Luís Couto, que trazia um background fortíssimo de Banca, e mais outros sócios que nos apoiaram”. Esta combinação perfeita de skills e bagagens profissionais, fez o antigo aluno sentir-se, desde o primeiro momento, como parte de “uma equipa de sonho”, tendo plena certeza que “de uma maneira ou outra, havíamos de singrar”. Não podia estar mais certo.
GoParity: a plataforma de investimento sustentável que cativa investidores de todo o mundo
A ideia por detrás da GoParity é simples: evitar que alguns bons projetos fiquem na gaveta, ou não tenham o merecido crescimento, por falta de capital. Por outro lado, a fintech fornece hipóteses mais que válidas de investimento a cidadãos com vontade de participar na transição energética, rentabilizando as suas poupanças. A startup de que Manuel Nina é cofundador aplica o modelo crowdfunding a projetos sustentáveis como energias renováveis, eficiência energética, mobilidade, entre outros.
“Qualquer pessoa pode começar a investir o seu dinheiro no crowdlending da GoParity, a partir de 5€. Só precisa de escolher o projeto que é mais apelativo, desde painéis solares para uma PME ou um lar de idosos, ou a primeira aquicultura oceânica do mundo, que está no Algarve, a projetos que impactam a vida de centenas de pessoas ligadas a cooperativas de lacticínios no Uganda”, evidencia o antigo aluno. “Sem custos escondidos, sem complicações, basta investir, as vezes que quiser, ir ganhando o gosto e perceber que o dinheiro que está parado no banco tradicional pode ser melhor aplicado, e ter um impacto verdadeiro no nosso bairro, no nosso País e no mundo”, complementa o empreendedor.
A marca distintiva da GoParity passa também pela relação criada com as empresas e pelo apoio que lhes presta. “Qualquer empresa ou startup que queira financiar um projeto que contribua para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas pode falar connosco”, destaca o antigo aluno. “Somos mais rápidos que a banca tradicional, fazemos propostas ajustadas aos projetos- nomeadamente no que diz respeito a garantias – e temos uma comunidade de mais de 10.000 investidores, a crescer todas as semanas, que querem ser parte do futuro sustentável das empresas”, garante.
Ao contrário do que seria de esperar, foi em pleno pandémico ano de 2020 que a GoParity “deu o maior salto”. Só nos últimos três meses do ano passado, o montante aplicado nos seus projetos sustentáveis superou todo o investimento de 2019. “Mesmo em tempo de pandemia, notamos que as pessoas estão a perceber que a banca tradicional não é a solução total para o investimento das suas poupanças: o crowdlending e o crowdfunding são exemplos de modelos de fintech que estão a emergir em todo o mundo”, refere o antigo aluno.
Contas feitas, a fintech já permitiu o financiamento de “mais de 4,6 milhões de euros” em projetos que vão da saúde à economia do mar, passando pelas áreas da educação, agricultura sustentável, fábricas em transição, moda ecológica, mobilidade elétrica, emprego ou energias renováveis, em cinco diferentes países. Deste investimento, mais de 1,1 milhões de euros já foram devolvidos à comunidade de investidores. No total, os projetos da GoParity evitam anualmente a emissão de quase 20 mil toneladas de CO2 e produzem mais de sete megawatts-hora de energia limpa.
Tal como sublinha o cofundador da GoParity “existem inúmeros projetos que precisam de financiamento, que são suficientemente seguros, e que têm um impacto enorme na nossa sociedade”. “A nossa missão, no caminho de nos tornarmos um verdadeiro Banco Ético Digital, é colocar ao alcance do cidadão comum, estas oportunidades de investir parte das suas poupanças em algo tangível, tão real como um sistema de painéis solares numa queijaria do Baixo Alentejo ou de um supermercado em Lousada”, adiciona. Para Manuel Nina o maior desafio que se impõe à equipa é dar a conhecer a plataforma “a cada vez mais investidores – porque os projetos existem, e as necessidades de financiamento também”.
“Não tenho dúvidas que o Técnico me deu as ferramentas para me tornar no melhor profissional que posso ser”.
Sobre o percurso como empreendedor, Manuel Nina afirma que este “não é um caminho de rosas”. “O que mais me chocou quando comecei a ter posições de gestão de empresa foi o tempo que o gestor tem de “perder” em assuntos não centrais à operação da empresa – tudo o que tem a ver com contabilidade, fiscalidade, a parte jurídica, conservatórias, bancos, é tremendamente frustrante – gasta-se muito tempo em ações que não geram valor, principalmente numa startup”, refere o antigo aluno. Na lista de “efeitos secundários” deste caminho pelo empreendedorismo, o alumnus menciona ainda as “muitas noites mal dormidas a pensar na saúde financeira da empresa”.
O cofundador da GoParity não tem dúvidas que “o Técnico me deu as ferramentas para me tornar no melhor profissional que posso ser”. “A exigência académica, que leva à criação de um método de trabalho organizado, cuidadoso, que não se acanha à vista dos grandes problemas, mas os divide até aos seus elementos mais fundamentais, para os poder resolver individualmente, e a capacidade de aplicar horas e horas seguidas de esforço num problema, seguindo uma metodologia e ajustando ao longo do processo, é algo que desenvolvi, e que reconheço em todos os meus colegas do Técnico”, afirma com convicção Manuel Nina. Para além disso, o antigo aluno destaca ainda a capacidade de trabalhar em equipa “e principalmente a confiança no trabalho em equipa” que a sua alma mater lhe ajudou a aprimorar e que, como sublinha “se revelou fulcral para o sucesso das minhas empresas”.
Aos atuais alunos do Técnico, Manuel Nina deixa um conselho que considera fundamental reter para fazer este caminho: acreditarem em vocês. Pegando no seu próprio exemplo- e nas aprendizagens que retirou – o alumnus realça que por maiores que as contrariedades possam parecer “o resultado final valeu todo o percurso”.