Campus e Comunidade

“No Técnico aprendi um vasto conjunto de valores”

A afirmação é de Luís Tarrataca, antigo aluno do Técnico e docente no Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET/RJ).

Tal como muitos antigos alunos do Técnico, Luís Tarrataca, alumnus de Engenharia Informática e de Computadores no campus do Taguspark, nem sempre teve noção de toda a aprendizagem subjacente à exigência do Técnico. Hoje em dia, sabe identificar com precisão as mais-valias que todo o percurso lhe trouxe, a nível profissional e até pessoal. Soube aprender a “desfrutar” do caminho e de tudo o que encontraria no mesmo.   A docência- ao contrário da Informática – não foi uma escolha de sempre, mas o destino acabaria por a colocar como uma opção que o antigo aluno não desperdiçou e na qual se tem perdido em descobertas. Hoje enquanto docente no Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET/RJ) tenta inspirar e motivar os seus alunos, e sente-se fascinado com tudo o que o processo de passagem  de conhecimento representa e com o efeito que o mesmo pode ter no destinatário. Afinal, e como o mesmo destaca,  o profissional que se tornou é também resultado do mundo de valores que aprendeu a explorar no Técnico.

O fascínio de Luís Tarracata pela área de Informática começou a manifestar-se muito cedo. O primeiro contacto surgiu muito naturalmente e da mesma forma que acontece com tantas crianças através de jogos de vídeo. Rapidamente o hobby  daria azo à curiosidade e ao interesse que nos conduzem até à descoberta das  verdadeiras vocações. A adolescência viria cimentar ainda mais tudo isto, dando a oportunidade ao antigo aluno de assistir ao desenvolvimento de inúmeras empresas durante o auge da bolha das chamadas “empresas.com”.  “Empresas como Google, Yahoo e Microsoft eram uma fonte constante de inovação que demonstravam um futuro risonho e cheio de potencial transformativo para a sociedade. Lembro-me de discutir de forma entusiástica com amigos sobre o potencial que todas essas inovações teriam nas nossas vidas”, relembra Luís Tarrataca. Hoje em dia, ao recordar esses momentos, o antigo aluno do Técnico consegue não só reviver a paixão pela área que o invadia, mas também perceber como “a visão que tinha na altura foi facilmente ultrapassada, e que atualmente estamos rodeados de tecnologia em praticamente todos os instantes das nossas vidas”.

Decidido por natureza, da mesma forma que tomou muito cedo a decisão sobre a área que queria seguir, teve a mesma atitude na escolha da Universidade. Para tal, muito contribuiu o facto de ter privado com docentes universitários que colaboravam cientificamente com professores do Instituto Superior Técnico. “Eles faziam sempre questão de mencionar que o Técnico era a escola de referência na área da engenharia e que o programa de informática deles tinha elevada qualidade e era muito exigente”, lembra o alumnus.

Os primeiros anos no Técnico estão bem guardados na memória Luís Tarrataca, afinal foram “no mínimo, desafiadores”. “Não existe outra maneira de caracterizar esse período”, aponta o antigo aluno. O nível de exigência muito elevado, tanto a nível das cadeiras e do conteúdo programático, como também nos próprios trabalhos práticos relacionados com a informática, tornara estes anos inolvidáveis pela bagagem que neles desenvolveu. “Aprender a lidar com todas essas dinâmicas foi um excelente processo de aprendizagem, e é algo que me beneficia ainda hoje em dia, e que provavelmente será uma constante no resto da minha vida”, frisa o antigo aluno.  Foi no Técnico- e di-lo sem hesitar- que aprendeu a “lidar com problemas complexos, tempo e pessoas”. “Aprendi um vasto conjunto de valores, dentro dos quais gostaria de destacar o espírito de sacrifício e a capacidade de resiliência. São sem dúvida valores importantes que preservo na minha vida”, salienta.

“Ganhar um conjunto adicional de conhecimento e tentar expandir a área é simultaneamente um processo muito gratificante e desafiador”

Ultrapassada a fase de adaptação, o antigo aluno aprendeu a desfrutar do processo de pesquisa científica. “Quando estava no quarto ano do curso tive a oportunidade de participar numa parceria entre a PT-Inovação e o professor João Cardoso do grupo ANCORA, do INESC-ID”, relembra o antigo aluno. Este trabalho iria introduzi-lo aos conceitos básicos de pesquisa científica, e o alumnus considera que isso viria a ser “fundamental para o meu interesse em seguir a área académica”. “Ter um problema inovador para resolver e tentar descobrir como fazê-lo é algo que para mim é fascinante e que pelo qual me deixo ser absorvido”.  Esta descoberta tornaria o doutoramento um caminho natural quando chegou ao final do curso. “Ganhar um conjunto adicional de conhecimento e tentar expandir a área é simultaneamente um processo muito gratificante e desafiador”, destaca Luís Tarrataca. “Esta experiência foi ainda mais interessante sobre a orientação do Professor Andreas Wichert, ao qual estou profundamente grato, não só pela oportunidade como também pelo próprio estilo de orientação. Todo o processo foi extraordinariamente enriquecedor”, acrescenta.

Quando estava no segundo ano de doutoramento, o antigo aluno teria oportunidade de ser monitor da cadeira de sistemas operacionais, uma experiência que classifica como “curta mas muito gratificante”. Como era a sua primeira experiência de ensino e  ainda por cima numa cadeira “tão difícil”, o antigo aluno foi rapidamente invadido por vários receios, dos quais soube retirar vantagens e algumas lições. “Foi muito interessante observar as dificuldades dos alunos, e a forma como os poucos anos de experiência que eu tinha a mais do que eles, me permitiam ver o quão eu próprio tinha avançado nos meus conhecimentos da área”, partilha. “No final do semestre, ao refletir na experiência, pude concluir que realmente o Técnico me tinha dado um amplo conjunto de ferramentas, não só para lecionar, mas também para gerir os alunos”, afirma, apontando esta etapa como “outra importante aprendizagem” da sua vida.

A carreira de investigação de Luís Tarrataca começaria com a participação no INESC-ID, mais propriamente no grupo ANCORA, estando a sua área de pesquisa relacionada com sistemas embarcados e o projeto de cooperação com a PT-Inovação. Depois desta colaboração, decidiria avançar para uma área de pesquisa diametralmente oposta: a computação quântica, por sugestão do professor Andreas Wichert que pertencia ao grupo GAIPS, grupo onde acabaria por permanecer até à conclusão dos estudos. “O GAIPS foi um excelente e imensurável ambiente de amadurecimento: não só me deu todas as condições para os meus estudos de doutoramento como também me permitia insight às mais diversas áreas da inteligência artificial”, refere.

A oportunidade de ir para o Brasil, onde atualmente o alumnus tem uma consolidada carreira de ensino e investigação, surgiria através do professor Paulo Mateus, docente do Técnico. “Foi ele quem mencionou que tinha contactos no Brasil que trabalhavam numa área semelhante à minha, nomeadamente o professor Renato Portugal que era investigador no Laboratório Nacional de Computação Científica do Rio de Janeiro”, conta. Luís Tarrataca não esqueceria esta hipótese e o desafio que lhe estava inerente, e mais tarde quando terminou o doutoramento, em 2013, e por conselho do professor Renato Portugal decidiu candidatar-se a uma bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). “O CNPq tem funções muito semelhantes à FCT e especializa-se na promoção de pesquisa científica e tecnológica e à formação dos recursos humanos para a área de pesquisa no Brasil”, explica o antigo aluno.  Os resultados da candidatura foram anunciados em fevereiro, e em abril o alumnus iniciava oficialmente o seu pós-doutoramento na área da computação quântica. “O LNCC [Laboratório Nacional de Computação Científica] foi outro excelente ambiente de pesquisa e permitiu-me um maior nível de interação com pessoas que trabalhavam exclusivamente nesta área”, garante o antigo aluno, destacando que o tempo que passou neste laboratório lhe permitiu desenvolver colaborações científicas que se mantêm até hoje.

Quando iniciou as suas funções como professor no Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (Cefet/RJ), onde leciona atualmente, Luís Tarrataca encontrou uma forte necessidade de conciliar as necessidades da indústria com o processo de formação de alunos. “No Brasil, os alunos de engenharia de computação/engenharia informática, são obrigados a passar por um estágio numa empresa com duração mínima de 6 meses”, explica. “Para conseguir conciliar as necessidades da indústria com o perfil dos alunos optei por me envolver mais nas áreas de inteligência artificial, ciência de dados e algoritmos”, acrescenta. Esta abordagem permitiu ao antigo aluno não só fazer essa conciliação como também desenvolver colaborações com empresas que atuam no mercado brasileiro, algo que se tem revelado,  como o mesmo evidencia, “um excelente processo de aprendizagem”.

“Ver um aluno passar por este processo transformativo e reconhecer a sua evolução é algo muito gratificante para mim e de certa forma surpreendente”

O antigo aluno nunca tinha considerado a carreira de docência como uma hipótese de futuro,  nem mesmo quando passou pela curta experiência de monitor no Técnico. O ensino acabou por ser um caminho que surgiu,  que acabou por se tornar num destino de sonho, onde o conhecimento e a aprendizagem são panoramas privilegiados que Luís Tarrataca sabe usufruir. “Os meus planos originais consistiam em permanecer exclusivamente na área de pesquisa científica”, confessa. Acabou por ser um colega do pós-doutoramento que o incentivou a fazer o concurso público para se tornar professor no Brasil. “Na altura, considerei que passar por essa experiência me permitiria expandir os meus conhecimentos para além da produção científica”, recorda. O antigo aluno rapidamente perceberia ao iniciar atividade como docente “que o professor na realidade é uma figura de liderança, que para além de passar conhecimento técnico, tem também a capacidade, e o dever, de inspirar e motivar alunos a superarem-se”, aponta.  “Ver um aluno passar por este processo transformativo e reconhecer a sua evolução é algo muito gratificante para mim e de certa forma surpreendente”, evidencia Luís Tarratacata. A verdade é que esta “docência inesperada” tem sido um caminho cheio de descobertas, com uma paisagem estimulante e fascinante.

Num  solicitado retrato do ensino superior público brasileiro, o docente começa por realçar o nível de exigência “muito elevado”. E depois faz questão de esboçar mais detalhes: “as universidades públicas são as mais procuradas especificamente porque a qualidade de ensino é superior”.  “As universidades públicas brasileiras são gratuitas, independentemente do nível de rendimento do agregado familiar. Isto permite que um grande espetro de alunos de diferentes classes sociais frequente o ensino superior”, refere o alumnus.  Para Luís Tarrataca há uma grande “diferença entre os alunos que frequentaram escolas públicas e aqueles que frequentaram escolas privadas durante os estudos do secundário”. “Infelizmente, o ensino público brasileiro até ao secundário é muito deficitário”, sublinha ainda,  dando exemplos que retratam bem as lacunas existentes.

De acordo com o alumnus “a diferença entre o aluno do sistema público e um aluno do sistema privado é gritante. Isto não quer dizer que o aluno da escola privada teve acesso a um ensino de qualidade”. A afirmação de Luís Tarrataca é facilmente corroborada pela partilha que faz de algumas histórias de alunos, que demonstram como por vezes, e para alguns, é difícil estudar. “Existe um amplo espaço para melhoria no processo de formação de alunos brasileiros até à sua ingressão na universidade”, garante o docente. “No entanto, este processo de melhoria tem de refletir um esforço combinado em várias frentes da sociedade brasileira”, adiciona.

“Curiosamente, já fui abordado algumas vezes por alunos do ensino secundário Brasileiro sobre a possibilidade de estudarem no Técnico”

A marca de excelência que associa ao Técnico faz dele também um embaixador da Escola por terras brasileiras.  “O centro universitário onde trabalho tem cooperação com vários institutos em Portugal, mas o Técnico não está incluído. Em consequência disso, acabo por incentivar mais os alunos para fazer o mestrado ou o doutoramento no Técnico”. “Curiosamente, já fui abordado algumas vezes por alunos do ensino secundário Brasileiro sobre a possibilidade de estudarem no Técnico”, confessa.

O rumo da conversa acaba por embater na saudade, essa morada certa de todos os emigrantes. “Tenho bastantes saudades e precisamente por isso viajo várias vezes para Lisboa por ano”, partilha. A afirmação anterior e o hábito foram alterados pela pandemia. “Continuo a manter ligações profundas a Portugal através de família e amigos que alimentam esse sentimento saudoso”, diz. “Na qualidade de emigrante, acho que isso é um sentimento muito natural. Especialmente quando se tem em consideração que saí de Portugal, mas sem nenhum tipo de rancor, apenas mesmo porque surgiu uma oportunidade interessante”, declara o docente.

Questionado sobre o que mais gosta no Brasil, Luís Tarrataca assuma a dificuldade da resposta. “Fui extraordinariamente bem-recebido aqui, desde o primeiro dia. Desenvolvi amizades e aprofundei relações familiares que já existiam previamente aqui nas terras de Santa Cruz”, destaca.  “A cultura brasileira, apesar de partilhar algumas características com outras culturas latinas, é substancialmente diferente. E isso para mim também é muito atrativo”, relata. A forma como as pessoas interagem, desenvolvem laços emocionais e se relacionam são fatores importantes para o antigo aluno e contribuiram muito para o lugar que o país do samba ocupa no seu coração.  “O Brasil tem sido uma experiência muito positiva para a minha vida profissional e pessoal”, realça.

“O Técnico continua a ser uma das principais referências nacionais em termos de engenharia”, solta sem hesitar o antigo aluno, com um orgulho desmedido. Para Luís Tarrataca “uma das maiores evoluções que consigo ver no Técnico é o carácter empreendedor que tem emergido nos alunos”.  “Empresas como a Talkdesk, Unbabel e a Codacy são exemplos concretos desta situação”, evidencia.  Aliás já nos seus tempos de aluno, Luís Tarrataca lembra que “havia um discurso recorrente por parte do corpo docente que apelava ao espírito empreendedor dos alunos”,  e por isso considera “muito interessante” ver que a sua escola é associada a este tipo de dinamismo empresarial.

Tendo por base a sua experiência pessoal, Luís Tarrataca acredita “que uma boa parte dos alunos do Técnico não consegue perceber, nos primeiros anos, a importância da exigência do Técnico”. Só mais tarde, o antigo aluno perceberia o quanto esta se torna numa peça crucial numa formação e na programação de futuros profissionais. “Quando interagia com outras pessoas fora da universidade é que percebi que a exigência do Técnico ia muito além das cadeiras. Era algo que embutia no espírito dos alunos uma personalidade quase guerreira, e isso foi fundamental para a minha vida profissional”, sublinha. “O Técnico não me deu só o conjunto de conhecimentos técnicos para a minha vida profissional”.  Sobre o vasto leque de ensinamentos- que hoje consegue ver com todo o discernimento-  o antigo aluno destaca: “o saber aceitar um não, ter a capacidade de lidar com críticas, aprender com potenciais erros e lidar com o processo de forma quase algorítmica”.