Com o humor de sempre, a generosidade que o caracteriza, e à frente uma plateia de antigos e atuais alunos, familiares, professores e muitos companheiros destes “50 anos a resolver problemas de engenharia”. Foi assim que o professor Fernando Branco, docente do Departamento de Engenharia Civil, Arquitetura e Georrecursos (DECivil), se despediu na passada quinta-feira, 16 de dezembro, de uma longa e intensa carreira, pautada por contribuições excecionais para a área da Engenharia Civil, no Instituto Superior Técnico e no país, contribuindo para a projeção da Engenharia Portuguesa a nível mundial.
Foi perante um composto Centro de Congressos, que por certo teria sido pequeno demais numa era pré ou pós pandemia, que o docente conduziu a sua última aula, terminando assim a sua carreira como docente do Técnico, onde foi primeiro aluno, depois docente, investigador e mentor de tantas gerações de jovens.
Em apenas uma hora, o professor Fernando Branco conseguiu condensar 50 anos de uma vasta carreira, não deixando ao acaso nenhuma das múltiplas dimensões que esta adquiriu. Para iniciar a retrospetiva, escolheu aquela que considera “a fotografia mais importante” da sua vida profissional, tirada numa reunião da International Association for Bridge and Structural Engineering (IABSE) em Zurique, onde um grupo restrito de engenheiros civis foram convidados a discutir o futuro da associação. “Pouco tempo depois desta reunião estava nomeado presidente da associação”, disse. “Acho que os convenci”, acrescenta, com uma gargalhada que contagia a audiência.
Desde os anos 70, quando se formou no Técnico, até à atualidade foi uma longa e prazerosa viagem, com escala em alguns dos muitos projetos pioneiros. Seguindo a linha do tempo da sua carreira, o primeiro grande destaque foi para a ponte de S. João, na qual esteve envolvido na revisão e acompanhamento do projeto, e em mais algumas intervenções. “Esta ponte foi a última grande ponte calculada com recurso a modelos físicos e foi a primeira calculada com modelos numéricos”, evidenciava o professor Fernando Branco.
Seguir-se-iam outros projetos de pontes, começando a construir-se a carreira que hoje é possível testemunhar. O contributo da sua equipa no lançamento dos viadutos pré-fabricados também não foi esquecido, com o docente a defender “que este foi um passo importante porque foi o motor de arranque para o lançamento de todos os viadutos”. “Hoje em dia não se pensa em viadutos que não sejam feitos com elementos pré-fabricados”, adicionou.
Das pontes para os incêndios. “Num dia do mês de agosto fui acordado com a televisão a dizer que a baixa estava a arder. Nunca tinha trabalho com problemas de fogo, mas havia colegas no Técnico que estavam nesta área, e fizemos um trabalho muito giro que foi modelar toda a evolução do fogo nos grandes Armazéns do Chiado, foi um trabalho que correspondeu depois àquilo que se verificou”, recordou. “Com base nisso fomos depois solicitados para estudar o risco de incêndio para a maioria dos edifícios da baixa, mas nem vos digo o resultado”, acrescentava, com um sorriso. Este incidente não seria caso único no leque dos que contaram com o contributo do professor catedrático do Técnico.
A lista de infraestruturas em que deixou o seu cunho – através de estudos, acompanhamento dos projetos, na monotorização de obras ou ensaios de carga- é vasta e inclui, entre outras, o Aeroporto do Funchal, o Centro Cultural de Belém, a central de incineração de Macau, a Central do Pego e o Estádio da Luz. O docente esclareceu em que moldes interveio em cada um destes casos, relatando algumas aventuras que caraterizaram esses trabalhos.
“A Ponte Vasco da Gama foi projeto mais de fundo em que estive mais envolvido, desde o lançamento do concurso, acompanhamento de projeto, construção e depois ainda durante 10 anos após a inauguração acompanhei toda a fase de manutenção e implementação observação”, referiu a determinada altura o professor Fernando Branco, partilhando com a audiência alguns dos desafios enfrentados.
Ao longo da apresentação, raramente falou no singular enquanto narrava todos estes feitos, e fazendo uso da generosidade que todos lhe apontam lembrou os que com ele decidiam arriscar, e até quem prosseguiu o caminho que traçou.
“As coisas vão aparecendo de forma natural e vou empurrando para a frente”, referia com um sorriso, antes de abordar a sua experiência na área da sustentabilidade ambiental, participando em vários projetos, como a demolição do antigo Estádio de Alvalade e a reciclagem dos respetivos materiais, e o desenvolvimento de um sistema de circuito total de reciclagem em Montemor-o-Novo.
Sempre que podia o professor Fernando Branco trazia toda esta experiência adquirida no campo e tentava transpô-la para o ensino, sendo responsável pela criação de várias unidades curriculares, em áreas muito distintas, onde introduziu tecnologias inovadoras de ensino. “Ainda agora deixei para a geração que me sucede uma cadeira de tecnologias digitais na Engenharia Civil que é uma área que claramente tem que ser desenvolvida”, disse.
Mas não se cingiu aos estudantes do Técnico no cumprimento da missão de ensinar, tendo estado envolvido, por exemplo, numa pós-graduação em Luanda, ou na formação de alunos Líbios no âmbito de uma iniciativa da Escola. “Esta é uma área onde o Técnico tem know-how para fazer isto, está muito bem colocado nos rankings internacionais, e não é só trazer os alunos para cá, é também podermos ir lá fora dar formação”, frisou.
Pelo meio de tudo isto, exerceu ainda inúmeros cargos de gestão universitária e não só: foi presidente do DECivil, do Colégio de Engenharia Civil da Ordem dos Engenheiros (OE), da Associação Portuguesa de Engenharia de Estruturas (APEE), do European Council of Civil Engineers (ECCE, London) e, como já referido, da IABSE.
O percurso excecional valeu-lhe várias distinções – entre as quais a atribuição do título de professor distinto pelo Técnico – mas neste tópico da sua apresentação não se demorou muito. Guardaria esse tempo para os agradecimentos, começando “pelos alunos que têm uma vantagem para um professor: são sempre jovens e isso para nós é um grande estímulo”. Não esqueceu os colegas e departamento, principalmente do setor da construção , e os colaboradores não docentes, e claro a sua família que o acompanhou ao longo da jornada.
Ao terminar, escolheu uma frase, que já evocara na reunião da IABES em Zurique e que acredita terá influenciado a sua escolha para presidente da associação: “Não perguntes qual é o futuro, pergunta antes que futuro queres construir”. A frase pontuaria de forma perfeita tudo o que acabara de se ouvir, não fosse ela o reflexo do que o docente fez ao longo da sua carreira: construir futuro.
Uma obra que permite revisitar a carreira do professor Fernando Branco
Esta última aula seria a oportunidade perfeita para o lançamento do livro homónimo de Fernando Branco, “A Última Aula – 50 anos a resolver problemas de engenharia”, editado pela IST Press.
O diretor da IST Press, professor Miguel Dionísio, abriu a cerimónia congratulando-se com o lançamento desta obra que “retrata aspetos da vida do autor como Engenheiro Civil”. “É uma memória e um documento importante para esta casa”, sublinhou.
O livro seria, aliás, o foco da alocução do presidente do DECivil, professor Jorge de Brito, que começou por salientar que a sua intervenção seria antes de mais “uma homenagem a um amigo”. “O livro tem um estilo alegre e descontraído, e estas são duas palavras que aparecem com muita frequência quando falamos do professor Fernando Branco. O livro define muito bem a forma de ser do professor”, defendeu, frisando “a variedade de temáticas” que a obra toca, tal como a careira do autor.
“Resulta da leitura deste livro a certeza de que o professor Branco é de facto pioneiro, em Portugal, e em alguns casos no mundo, numa quantidade enorme e distinta de temas”, evidenciou o professor Jorge de Brito. Ao elencar as várias características que distinguem o autor da obra, destacou o facto “do professor Branco estar sempre a pensar em termos de futuro”. “Pensa sempre uns anos, umas décadas à frente, e isso é algo que também é muito evidente na leitura do livro”, denotou. “As tarefas e as investigações que foi fazendo estiveram sempre ligadas a problemas que ainda não existiam, mas que ele tinha a sensação que iriam existir daqui a 10 ou 20 anos”, acrescentou.
O presidente do Técnico, professor Rogério Colaço, usaria da palavra para em nome do Técnico agradecer os múltiplos contributos do professor Fernando Branco. Lembrando as oportunidades em que teve “o prazer” de trabalhar de perto com o professor Fernando Branco, o professor Rogério Colaço destacou “a amplitude do conhecimento do professor Fernando Branco e a maneira sempre bem-disposta e positiva, como encara a vida, a Ciência e Engenharia Civil”.
De acordo com o presidente do Técnico, a forma que o professor Fernando Branco “tem de estar na vida é sempre de abrir as portas para que se ouça aquilo que diz, mas também para ouvir os outros”, declarou. “Espero que esta não seja a última aula, que seja a primeira de outras aulas e contribuições que pode dar à nossa casa e ao país”, colmatou.