Se a última aula do professor José Tribolet tivesse um sumário poderia muito bem ser uma citação de um dos seus autores favoritos, António Damásio: “Talvez a coisa que se torna mais indispensável fazermos, enquanto seres humanos, seja a de recordar a nós próprios e aos outros a complexidade, a fragilidade, a finitude e a singularidade que nos caracterizam”. Foi exatamente isso que aconteceu- pela voz de outros – na cerimónia de jubilação do docente do Técnico esta segunda-feira, 23 de setembro. O Centro de Congressos encheu e chegou a transbordar – como poucas vezes tinha acontecido – pintado com uma mescla de gerações que retratava as mais de 4 décadas em que o docente ensinou e inspirou.
Familiares, amigos, colegas, filhos científicos e muitas gerações de alunos fizeram questão de estar presentes para ouvir a lição de sapiência do professor José Tribolet, a última aula que antecede a jubilação obrigatória aos 70 anos. O docente não desiludiria e as surpresas que haviam sido preparadas para o homenagear muito menos.
O presidente do Técnico, professor Arlindo Oliveira, começou por partilhar a sua alegria “por esta justa homenagem” a um docente que teve “impacto na vida de tanta gente”. Num discurso recheado de agradecimentos, o presidente da escola tentou enumerar as múltiplas contribuições, funções e iniciativas que o docente homenageado encabeçou, mas resignou-se a citar apenas aquelas que a memória conseguiu reter, dada “a imensidão da lista”. “No caso do professor Tribolet essas contribuições são talvez mais únicas, mais numerosas do que seria de esperar mesmo de um professor catedrático, mesmo de um professor com carreira tão longa”, salientou. “O entusiasmo e competência que o professor coloca em tudo é inspirador para todos nós”, apontava, de seguida, o professor Arlindo Oliveira. Fazendo referência ao espírito jovem que caracteriza o homenageado, o presidente do Técnico terminava da mesma forma que começou: agradecendo o contributo ímpar do professor José Tribolet para com o Técnico, a Universidade e o país. A plateia subscrevia aplaudindo efusivamente.
A surpresa reservada para este momento especial não podia ter sido mais bem escolhida como o denunciava a expressão de felicidade que invadiu o professor José Tribolet. O professor Alan Oppenheim, docente do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e pai científico do homenageado, não podia faltar “à homenagem ao aluno, colega e amigo”, como o mesmo frisaria no seu discurso, e veio propositadamente para integrar o memorável momento. “Quando conheci o José, tornou-se absolutamente claro desde o início que ele era extraordinário, e esse era apenas o começo da minha perceção do quão extraordinário ele era”, declarou a determinada altura. Relembrando algumas peripécias e muitas histórias que contribuíram para a amizade que construíram, o docente do MIT felicitava e brindava a “esta carreira extraordinária” construída pelo professor José Tribolet. “Uma das melhores coisas da vida académica é ver os nossos alunos passarem por nós, vê-los crescer, e é sempre um prazer aplaudi-los quando atingem este nível excecional”, rematou.
Coube à professora Isabel Trancoso a difícil missão de representar as dezenas de filhos científicos numa intervenção que revelou a referência por detrás do docente. Sublinhando a inspiração que o professor José Tribolet sempre representou, “ensinando-nos a apontar bem alto”, a docente do Técnico destacava “o papel pioneiro do professor na introdução da lecionação de processamento digital de sinais no Instituto Superior Técnico e em Portugal, naquela que, hoje em dia, é uma das mais fortes áreas de atividade da escola com uma grande projeção internacional”. Recorrendo em alguns momentos às palavras evocadas pelos restantes alunos do professor José Tribolet para o homenagear, a professora Isabel Trancoso foi a porta-voz de todos na partilha da gratidão: “obrigada por nos ter desafiado a voar tão alto, por nos ter passado um cheque em branco”.
A capacidade de liderança, o contributo inigualável, a visão, a dedicação, o lado humano, e a personalidade desafiadora foram algumas das caraterísticas usadas para definir o professor José Tribolet nos vídeos enviados pelos seus alunos, colegas de investigação e pelo colega de curso, António Guterres.
A palavra era finalmente do professor José Tribolet que como esperado não desiludiu. Antes da sua última aula, os agradecimentos e o elogio à “profissão que não trocava por nada”. “Uma das coisas que mais gozo me deu nesta profissão é a capacidade de nos vermos no futuro através dos nossos alunos. Vê-los a evoluir, a criar valor em tempo real”, salientou. Recordando rapidamente – mas com o devido valor – o percurso que o trouxe até ao Técnico e que o moldou enquanto ser humano, o professor distinto do Técnico dedicava algumas palavras à sua escola: “um espaço privilegiado para as pessoas serem livres, livres para pensar e agir”. “Foi um privilégio desenvolver a minha atividade nestas condições. Muito do que sucedeu na minha carreira foi o resultado de ter os ingredientes certos e de não ter medo de errar”, afirmou.
A hora que se seguiu foi um reflexo do docente que tantos alunos do Técnico tiveram oportunidade de ter. O conhecimento embrulhado no humor, no arrojo e na frontalidade. “Esta aula é o testamento intelectual do que tenho vindo a fazer”, começava por explicar. “O papel da Engenharia Organizacional na construção de uma sociedade centrada e controlada pela Humanidade” foi o tema da palestra com que o docente prometeu dar que pensar e cumpriu. Abordando algumas teorias da Engenharia que considera serem totalmente aplicáveis às organizações, o docente sublinhava a importância de condicionar o comportamento de uma organização para que ela funcione como esperado. “É fundamental dotar a organização da capacidade de se ver ao espelho, através de um instrumento que permita extrair múltiplas vistas da realidade, em tempo real, conforme os contextos de ação”, declarava. “‘Engenheirar’ as organizações é a única forma de assegurarmos que o controlo é sempre dos humanos, é a única estratégica possível para não sermos controlados pelas máquinas”, concluía. Provocando – na medida do que pretendia – reações na plateia, despoletando de vez em quando múltiplas gargalhadas e espicaçando sempre que necessário, o docente agarrou a audiência desde o primeiro ao último minuto, e a prova de que isto foi uma constante ao longo da sua carreira foi a ovação com que foi presenteado e que se estendeu ao longo de vários minutos.
O reitor da Universidade de Lisboa, professor António Cruz Serra, encerrava a sessão, mas no papel de colega de escola e de companheiro de tantas lutas do homenageado. “Se há algo que define, antes de tudo, o professor José Tribolet é e foi o seu grande desejo de que Portugal mudasse para melhor e o seu empenho em criar condições para isso. Acho que isso antes de tudo mais, e depois a sua criatividade, claro”, acrescentava. “Devemos-te muito por aquilo que fizeste e por aquilo que nos deixas”, colmatava o professor Cruz Serra, enfatizando os agradecimentos em nome da universidade.