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Professor Sergei Bulanov: «A atração pelo poder e beleza da Física teórica foi tão forte que fiz tudo para tornar-me físico teórico»

O Professor Sergei Bulanov partilha, em entrevista, o seu percurso, desafios e perguntas ainda não respondidas.

O Professor Sergei Bulanov foi o orador convidado da “IST Distinguished Lecture” do dia 10 de novembro, quinta-feira. Com o título “Extreme Light–Matter Interaction through the Lenses of the Relativistic Flying Mirror Concept , a palestra – coorganizada pelo Grupo de Lasers e Plasmas, o Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear e  a área científica de Física de Plamas, Lasers e Fusão Nuclear do Departamento de Física do IST – decorreu no Anfiteatro Abreu Faro do Campus Alameda.

Em entrevista, o investigador partilhou o seu percurso, desafios e perguntas ainda não respondidas:

 

Como surgiu o seu interesse pela Física?

Professor Sergei Bulanov: A minha carreira científica, tal como as de outros, desenvolveu-se ao longo do tempo e as condições iniciais que determinaram a sua trajetória são importantes. Na minha primeira aula, do primeiro ano, a minha primeira professora fez um discurso inspirador, prevendo quem iríamos tornar-nos [no futuro]. Lembro-me bem de ela ter dito que alguns de nós estaríamos nos píncaros da ciência. Nesse momento, também eu imaginei literalmente os píncaros da ciência e eu mesmo sobre eles, mas com a sensação de que chegar ali era uma tarefa que permaneceria comigo para o resto da vida.

Quando estava a terminar o secundário, havia na URSS uma atitude especial em relação à ciência e, principalmente, à física. Nessa época, estavam todos interessados em satélites, voos espaciais, transístores, aceleradores enormes, telescópios e telescópios de rádio. A atmosfera geral era tal que quase todos os finalistas do ensino secundário também queriam ser físicos e para isso tentaram entrar no Departamento de Física da Universidade Estatal de Moscovo, Instituto de Física e Tecnologia de Moscovo, e em departamentos de outras universidades relacionados com a física. A competição foi enorme.

A minha escolha foi largamente  influenciada pelo popular livro de Iosif Shklovsky ” The Universe. Life. Mind “, que li no ensino secundário. Depois de tantos anos, mal me lembro do que diz sobre “vida e mente”, mas fiquei fortemente impressionado com o “Universo”, a grandeza do cosmos e a riqueza da diversidade dos objetos cósmicos. Iosif Solomonovich Shklovsky foi O Astrofísico com letra maiúscula (mais tarde conheci-o melhor, ao frequentar durante vários anos um seminário de astrofísica na Universidade de Moscovo), pelo que a partir do seu livro se seguiu naturalmente a compreensão de que o universo é explicável mas, explicável desde que se conheça e compreenda a física.

 

Por que motivo e como se tornou um cientista?

S.B: Tudo isto determinou a minha decisão de entrar no Instituto de Física e Tecnologia de Moscovo (conhecido mundialmente como FIZTEKH – a melhor universidade na Rússia no ensino da Física). Na segunda metade da década de 1960, o espírito de Lev Landau estava vivo no Fiztekh. Fomos ensinados por físicos e matemáticos tão destacados como E. M. Lifshitz, V. B. Berestetskii, L. P. Pitaevskii, B. T. Geilikman, S. N. Nikolsky, V. V. Vladimirov, Ya. B. Zeldovich, V. L. Ginzburg.

 

Quais são as principais barreiras no seu trabalho diário como Físico Teórico?

S.B: Falta de conhecimento e falta de tempo.

 

O que o atraiu neste campo?

S.B: A atração pelo poder e beleza da Física teórica foi tão forte que fiz tudo o que pude para me tornar um físico teórico. Depois de várias palestras de V. L. Ginzburg, no Instituto de Física e Tecnologia de Moscovo, telefonei a V. L. Ginzburg e disse-lhe que queria estudar Física teórica. Como resposta, ouvi: «venha».

Comecei a estudar e, depois a trabalhar, no Departamento de Física Teórica do Instituto de Física P. N. Lebedev, como estudante, doutorando e cientista. Por este departamento têm passado laureados com o Prémio Nobel, I. E. Tamm, A. D. Sakharov e V. L. Ginzburg.

Os meus professores foram S. I. Syrovatsky e V. L. Ginzburg, a quem estou grato por me apresentarem ao mundo da astrofísica teórica. A minha área de investigação foi a astrofísica dos raios cósmicos e a teoria das erupções solares. Como resultado do trabalho na equipa de Ginzburg, publicámos uma monografia “Astrofísica dos Raios Cósmicos”, que ainda hoje é um livro de secretária para especialistas em astrofísica de partículas e em astrofísica de alta energia.

Depois estendi o campo da minha investigação à física da interação com plasma de um forte campo electromagnético gerado por lasers de alta potência. Aqui tenho a sorte de colaborar com Toshiki Tajima e Gerard Mourou. Eles são não só grandes cientistas, mas também bons amigos. Uma grande sorte de ser cientista é fazer bons amigos enquanto se colabora com eles.

Ao mesmo tempo, o meu interesse por problemas astrofísicos não enfraqueceu. Uma das áreas em que os interesses de muitos especialistas em plasma laser relativista se focam é a modelagem de processos astrofísicos utilizando lasers em laboratórios terrestres. Também contribuo para o seu desenvolvimento.

 

Como é que lida com o nível de incerteza na Ciência?

S.B: Uma vez que a física é uma ciência natural, não é uma ciência como, por exemplo, a matemática, a incerteza nos dados experimentais faz parte dela. Os cientistas que trabalham na área da Física teórica devem estar sempre prontos para aceitar novos paradigmas e trabalhar num mundo em mudança.

 

Poderia partilhar um ponto de viragem ou um momento decisivo no seu trabalho como cientista?

S.B: Toda a minha atividade científica é uma cadeia contínua de pontos de viragem. Comecei como físico/astrofísico teórico puro, depois dei por mim a trabalhar nos problemas de fusão controlada de plasma magneticamente confinado, descargas de picos de plasma e interação da radiação de microondas com o plasma, combinando o meu trabalho com a docência no Instituto de Física e Tecnologia de Moscovo. Depois de Moscovo, mudei-me para o Japão, juntando-me ao Instituto de Ciência Kansai Photon. Sendo um teórico, trabalhei lá durante vários anos como líder do grupo experimental, assegurando um elevado nível científico e originalidade dos estudos científicos conduzidos pelo grupo. Atualmente, lidero o departamento do centro ELI-Beamlines na República Checa, com o objetivo de desenvolver e executar o programa experimental de lasers de ultra-alta potência.

 

Qual foi a sua descoberta mais surpreendente?

S.B: Todas as minhas descobertas são igualmente importantes para mim porque constituem partes iguais da minha identidade científica.

 

Quais as grandes questões a que a Física ainda não respondeu?

S.B: São a gravidade quântica, a teoria do campo quântico para além do Modelo Padrão, a natureza da Matéria Escura e da Energia Escura, etc., etc.

 

Do seu ponto de vista, qual é o grande desafio que a Ciência enfrenta, na atualidade?

S.B: Hoje em dia, o maior desafio científico é perceber porque é que a própria Ciência não consegue cumprir a sua capacidade potencial de civilização da espécie humana.

 

Na sua opinião, quais são os “temas quentes” da Ciência no futuro próximo?

S.B: Na minha atual área de estudos, será a sondagem de uma textura de vácuo quântico não-linear com radiação laser de potência extremamente elevada. Estamos a assistir ao surgimento de um novo campo da ciência.