Campus e Comunidade

Técnico acolheu o lançamento do livro sobre “o que acontece quando [os cientistas] têm uma ideia”

“Assim nasce uma ideia” de Vítor Cardoso e Ana Carvalho, reuniu autores e convidados, no campus Alameda, para discutir o processo criativo na ciência.

“Há um cemitério enorme e um infantário muito pequeno”. Foi com esta metáfora – a de um percurso povoado por ideias que não chegam a crescer e por outras que, raras, se tornam descobertas – que Vítor Cardoso abriu a sessão de lançamento do livro “Assim nasce uma ideia”, a 16 de outubro, no anfiteatro Abreu Faro, no campus Alameda do Instituto Superior Técnico.

O livro, publicado pela Gradiva, resulta de uma colaboração entre Vítor Cardoso, docente do Técnico e diretor do Center of Gravity do Instituto Niels Bohr, e Ana Carvalho, artista e designer. Ao longo de uma década, os autores recolheram testemunhos de investigadores, estudantes e prémios Nobel sobre a origem das ideias em física – entre eles, vários membros da comunidade do Técnico.

“Como nasce uma ideia?”

A pergunta que deu mote ao projeto foi também o ponto de partida da conversa que reuniu os autores e os convidados Henrique Leitão, historiador de ciência e Prémio Pessoa, e Teresa Firmino, jornalista responsável pela secção de ciência do jornal Público.

Ana Carvalho recordou que o projeto começou “sem uma ideia única, mas com muitas discussões”. A artista comparou o modo como artistas e cientistas se relacionam com o processo criativo: “Os artistas são incentivados, desde cedo, a refletir sobre a origem do seu trabalho – a escrever sobre o que fazem e porquê. Os cientistas, pelo contrário, raramente pensam nesse momento de criação, no instante em que algo novo surge”. O livro nasceu, contou, da vontade de “perguntar diretamente aos cientistas o que acontece quando têm uma ideia”,  uma questão que, “surpreendentemente, ainda não tinha sido feita dessa forma”.

Vítor Cardoso evocou o episódio que inspirou o seu contributo para o livro. “Um dia perguntaram-me se, sabendo o que sei hoje, teria participado na construção da bomba atómica.” O físico relatou como, ao estudar o processo de fissão nuclear, percebeu que “muitos sistemas físicos, como os buracos negros, podiam estar sujeitos a mecanismos semelhantes”.

“Dessa reflexão nasceu uma ideia que descobri mais tarde já ter sido explorada”, contou, arrancando risos à sala. “A ideia nasceu e morreu rapidamente, mas ensinou-me algo essencial: não é fácil calar uma ideia, sobretudo quando o impulso é apenas compreender”. Vítor Cardoso salientou que todos os testemunhos da obra têm um ponto comum: “a dor e o prazer do processo criativo”. “Muitos descrevem a sensação de estar no escuro, de não saber, e depois o instante em que a cortina se levanta. É o prazer em perceber – por muito pequeno que seja o avanço. Criar algo novo pode não mudar o mundo, mas muda-nos a nós”.

Já Teresa Firmino, que moderou a sessão, destacou que a obra revela “o fundamento humano dos cientistas, o lado que raramente se vê – o que está nos bastidores da descoberta, com o entusiasmo, as alegrias, mas também a desilusão e o sofrimento que acompanham a criação”. Entre os relatos incluídos, recordou o de um investigador que, após apresentar uma hipótese considerada “a coisa mais estúpida que alguém ouvira”, acabou por demonstrar, anos depois, que estava certo. “O livro mostra as fragilidades, os enganos e o caminho que vai do erro à compreensão – e aquele momento único em que alguém percebe que é a única pessoa a descobrir uma coisa”.

No encerramento da sessão, Henrique Leitão destacou o caráter singular do livro que “não pretende instruir nem doutrinar – apenas perguntar a cada cientista como foi concebida a sua ideia”. O historiador considerou que as respostas revelam “uma pureza notável” e uma verdade reconhecível para quem vive a investigação científica. “Há um retorno de satisfação enorme quando se compreende algo que antes não se entendia. O ponto nuclear da ciência não é acumular informação, é adquirir compreensão”, referiu.

Para Henrique Leitão, o livro evidencia de forma clara aquilo “que distingue o cientista criativo”: a sua capacidade de se concentrar num problema técnico e específico durante longos períodos. “A vida de um cientista criativo é a persistência em compreender algo que ninguém ainda compreende”, concluiu.

Com mais de uma centena de contributos recolhidos ao longo de dez anos, “Assim nasce uma ideia” propõe uma viagem pela mente dos cientistas e pelos mecanismos invisíveis da criação. Entre descobertas fortuitas e longas gestações, entre dúvidas e entusiasmos, o livro evidencia a curiosidade e o desejo de compreender como motores da ciência.

Vítor Cardoso é Prémio ULisboa 2023, pelo “seu extraordinário contributo para o desenvolvimento da física teórica e para o progresso da ciência a nível global”. Antes, em 2022recebeu uma bolsa do European Research Council (ERC) no valor de dois milhões de euros para estudar buracos negros, cerca de um ano depois de ter obtido uma outra bolsa da fundação dinamarquesa Villum Fondon, de 5,3 milhões de euros, para criar e liderar o grupo de investigação que integra, no Niels Bohr Institute. Já em 2025, foi eleito presidente da Sociedade Internacional para a Relatividade Geral e Gravitação.

Entre os contributos do Instituto Superior Técnico para “Assim nasce uma ideia” contam-se com os de: Amílcar Praxedes, Ana Mourão, António Brotas, Christopher Moore, David Hilditch, Horácio Fernandes, Jorge Dias de Deus, Jorge Rocha, Luís Lemos Alves, Marco Piccardo, Paolo Pani, Pedro Sacramento, Ricardo Schiappa, Rodrigo Panosso Macedo, Sante Carloni, Steve Willison, Teresa Peña, Vasco Guerra, Vincenzo Vitagliano e Richard Brito.

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