Cientistas de várias instituições europeias e dos Estados Unidos da América (EUA) assinam um artigo, publicado na Nature, no passado mês de maio, que demarca uma tomada de posição da comunidade de plasmas extremos a favor da incorporação de métodos de aprendizagem automática na área. A professora Marta Fajardo, docente do Departamento de Física (DF) e investigadora do Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear (IPFN), é uma das autoras do artigo “The data-driven future of high-energy-density physics” onde além dos sucessos conquistados até à data na utilização de técnicas de Inteligência Artificial (IA) os autores destacam o potencial das mesmas na aceleração da investigação e respetivas aplicações.
“Este é um artigo ‘Nature Perspectives‘ onde uma larga fração da comunidade se junta numa posição de consenso sobre a utilização das novas técnicas de aprendizagem automática na interpretação e desenho das experiências de plasmas extremos”, começa por referir a professora Marta Fajardo.
Apesar dos avanços no conhecimento que detemos sobre plasmas – a matéria que compõe 99% do universo – ainda há grandes incertezas, sobretudo nos chamados Plasmas de Alta Densidade de Energia, que empurram a matéria para condições extremas de pressões ou temperatura, desde o interior de estrelas tão conhecidas como o Sol até distantes fontes de raios-gama no universo. A modelização destes plasmas é complexa e exige longas horas em supercomputadores, para tentar fazer previsões caso a caso. Experimentalmente, estes plasmas são muito difíceis de caracterizar, porque nos laboratórios de lasers intensos usados para estes estudos só é possível produzir com tempos de vida curtíssimos, com diagnósticos imperfeitos.
As infraestruturas experimentais são hoje capazes de gerar quantidades de dados por segundo inalcançáveis até há uma década, porque a taxa de repetição dos lasers de potência passou de um disparo por dia, a milhares e até milhões de disparos por segundo. A IA pode assim ser uma aliada de peso na análise desta avalanche de dados.
De acordo com a docente do Técnico, “a inteligência artificial pode ser aplicada de várias maneiras: por um lado, pode auxiliar a otimização das experiências, usando aprendizagem automática para melhorar a geração de fontes de raios-X, de partículas aceleradas, etc., que são necessárias para os diagnósticos mais exigentes”. “Por outro, pode usar de forma eficiente todos os dados gerados pelas experiências, que hoje em dia têm altas taxas de repetição, e por isso geram dilúvios de dados, para estabelecer correlações e verificar com muito maior grau de certeza as grandezas teóricas que se procuram determinar”, salienta a investigadora. “Finalmente, técnicas de deep learning podem auxiliar à geração de modelos simplificados, que substituem aquilo que podemos chamar “hero simulations”, que são modelos computacionais em que tentamos introduzir o máximo de física possível, mas que por isso mesmo são extremamente pesados computacionalmente e não permitem um varrimento de parâmetros muito grande”, complementa a docente.
Uma equipa de investigadores do Imperial College London, utilizando a Central Laser Facility (CLF) do Science and Technology Facilities Council, já demonstrou inclusive como um sistema de IA pode assumir o controlo de um poderoso acelerador de plasma e otimizá-lo muito mais rapidamente do que um operador humano. A investigadora do IPFN explica que “enquanto que um experimentalista tendencialmente faz um varrimento linear, parâmetro a parâmetro – por exemplo, encontra a pressão para o gás que gera mais sinal, e depois com essa pressão, encontra a melhor intensidade do laser, etc. – um algoritmo pode mapear toda a matriz de parâmetros e encontrar as melhores correlações”. “Mas a verdade é que um bom experimentalista também acaba por integrar todo o seu conhecimento prévio quando está a varrer os parâmetros, e com isso acaba por obter muito bons resultados”, realça, no entanto, a docente do Técnico.
A professora Marta Fajardo acredita que as reticências em relação ao uso destas técnicas se devem “ao facto de haver alguma barreira técnica – é preciso automatizar todas as variáveis, o que implica uma paragem na infraestrutura-, mas também ao facto de ainda estarmos um pouco agarrados aos nossos hábitos dos tempos em que as infraestruturas produziam muito menos dados”.
Os cientistas envolvidos neste trabalho estimam que a utilização de IA, tanto na criação de modelos “deep learning” para complementar as mega simulações, como na aplicação das técnicas desenvolvidas com a revolução da ciência de dados a infraestruturas lasers, irá permitir ultrapassar a fronteira do conhecimento em matéria extrema.
No caso do VOXEL, por exemplo, que dispara a Kilohertz (kHz), o uso destas ferramentas de IA poderia fazer toda a diferença, e por isso mesmo a docente do Técnico, líder da estação VOXEL no Técnico, já submeteu um projeto para automatizar toda a linha de interação, desde o laser até aos diagnósticos. “A ideia é perdermos o menos tempo possível com a otimização das fontes de raios-X ou eletrões, e dedicarmo-nos em vez disso a recolher dados novos, com novas técnicas de imagem desenvolvidas aqui”, explica. “Estou a fazer figas para que passe”, declara, em seguida.