A teoria quântica moderna surgiu — envolvida em confrontos acalorados entre Albert Einstein e Niels Bohr – há 90 anos atrás. Para quem não sabe esta é uma teoria fundamental da física que descreve a natureza nas menores escalas de níveis de energia de átomos e partículas subatómicas. Sempre que desfrutamos das aplicações da ótica quântica, dos “chips” para computadores ou telemóveis, de lasers, das potencialidades dos supercondutores ou até mesmo das vantagens da ressonância magnética é à Teoria Quântica que temos que agradecer. E nunca como hoje esta teoria esteve tão em voga, e desde os pormenores do dia-a-dia até à saúde, a mecânica quântica está por todo o lado, sendo mesmo apontada como um dos pilares da ciência moderna. Cientes e apaixonados por esta versatilidade e profundidade da área uma equipa multidisciplinar de investigadores – o grupo ERC Synergy Grant ReNewQuantum – tem-se debruçado, nos últimos anos, em aprofundá-la ainda mais. Esta semana receberam a ótima notícia de que haviam sido contemplados com uma Synergy Grant pelo European Research Council (ERC), no valor de 10 milhões de euros.
“Um dos nossos interesses é que, levada ao limite, espera-se também que os princípios fundamentais da Teoria Quântica estejam na base de uma eventual teoria da gravitação quântica e de super-cordas, descrevendo todas as interacções fundamentais no Universo e os constituintes elementares do próprio espaço-tempo que nos rodeia”, evidencia o professor Ricardo Schiappa, docente do Departamento de Matemática (DM) do Instituto Superior Técnico, e um dos elementos que integra o ERC Synergy Grant ReNewQuantum. Um dos objetivos do grupo é precisamente “construir uma (nova) Teoria Matemática da Quantização, que se estenda para todos os sistemas quânticos, incluindo construções explícitas (e recursivas)”, pode ler-se no comunicado enviado pelos investigadores à comunicação social. “Em particular queremos entender as séries de correções quânticas, queremos também entender regimes para além da teoria de perturbações, e queremos ainda entender todos estes aspetos com as bases geométricas adequadas a estudar teoria quântica do campo e teoria de super-cordas, incluindo o estudo de um ponto de vista formal e matemático”, explica Ricardo Schiappa.
A equipa está organizada em torno de 4 investigadores principais (PIs): os professores Anderson, Kontsevich, Eynard, e Mariño; tendo cada PI uma pequena equipa “nuclear” de 2 ou 3 investigadores como parte integral do projeto. O professor Ricardo Schiappa faz parte da equipa liderada pelo professor Marcos Mariño, que anteriormente também já exerceu funções como docente da instituição e que se encontra atualmente na Université de Genève, na Suíça. A equipa nuclear com ligação ao Técnico tem sido preponderante na investigação, enriquecendo-a com as suas especialidades em teoria de resurgência, teoria de cordas, e física-matemática. “De forma simples, a Teoria de Resurgência permite pegar nas tais séries de correções quânticas, que muitas vezes não são suficientes para descrever completamente o sistema, e depois diz-nos como descodificar unicamente a partir dessa lista de correções o que realmente está em falta”, esclarece o docente do Técnico. “É como se nos dessem informação aparentemente insuficiente para resolver um problema, e depois descobríssemos como essa informação aparentemente incompleta codifica também — de uma forma escondida, ou quase secreta — tudo o que pensávamos que estava em falta”, acrescenta ainda.
Um dos fatores principais na atribuição desta bolsa é, tal como refere Ricardo Schiappa: “a equipa”. Esta foi classificada por parte de todos os avaliadores como ‘outstanding’, e há mais do que motivos para tal, senão veja-se: um dos PIs, o professor Maxim Kontsevich, venceu a Medalha Fields em 1998, e os outros PIs não lhe ficam atrás ao nível do trabalho que têm desenvolvido. “Pessoalmente, penso que a sinergia entre Matemática Pura e Física Teórica criada no presente projeto foi um dos fatores fundamentais, e que essa sinergia deverá mesmo ter um papel cada vez mais crescente na ciência moderna”, refere o investigador. No grupo de investigação a notícia foi recebida com grande satisfação por toda a gente, tanto junto dos quatro PIs, como junto das suas equipas “nucleares”, e ainda dentro das equipas pessoais de cada um dos investigadores envolvidos. Aqui no Técnico, e como refere o professor do DM a boa-nova foi muito bem recebida pelo prestígio com que conota o projeto e pelos benefícios que com ela advêm: “Os meus alunos de doutoramento e os meus investigadores de pós-doutoramento no Instituto Superior Técnico naturalmente que irão também beneficiar imenso deste financiamento”, refere o docente do Técnico.
O ERC Synergy Grant ReNewQuantum foi um dos 27 grupos de toda a Europa contemplados com estas bolsas, sendo que no total 250 milhões foram entregues no âmbito desta iniciativa. No total, e segundo dados do ERC mais de 290 propostas foram submetidas. Estes números e a qualidade e diversidade dos projetos premiados fazem com que a “satisfação” com a atribuição desta bolsa seja ainda maior no seio deste grupo de investigação. “Eu penso que a ‘marca’ ERC fala por si: as grants são altamente competitivas e apenas atribuídas a projectos de primeiríssima linha dentro das suas áreas; com uma taxa de sucesso extremamente reduzida”, refere o professor do DM. No leque de aspetos meritórios está também o facto de esta ser a primeira vez que um ERC Synergy Grant é atribuído em matemática pura ou física teórica. “O valor atribuído, de 10 milhões de euros, para um projeto que não necessita de recursos experimentais ou computacionais, sendo puramente teórico, permite focar grande parte do investimento em recursos humanos e ‘massa cinzenta'”, sendo este um aspeto que, na opinião do docente do DM, revela “a claríssima por parte do European Research Council nesta temática”.
“Espero que venhamos a ter 6 anos muito felizes pela frente, especialmente a nível de resultados científicos”, assinala o docente do Técnico. O futuro decerto guardará aplicações ainda mais fantásticas relacionadas com os mais variados aspetos da teoria quântica. Ainda não sabemos quais, mas a avaliar pelas potencialidades que o presente nos trouxe há muita margem para criar e imaginar.